terça-feira, 2 julho, 2024
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    Características legais das criptomoedas e a taxação para cidadãos além do GCAP



    Point of view

    O conhecimento motiva o aparecimento de revoluções sociais, as quais, consequentemente, geram a urgência de adaptação entre as posições estabelecidas na comunidade e o novo, a evolução, que, às vezes, é vista com desconfiança pela sociedade. Sob essa ótica, argumenta-se que o mundo está passando por uma revolução econômica, na qual os bens estão se tornando intangíveis. Um exemplo são os payment tokens, que não se equivalem a utility tokens; security tokens e tokens não fungíveis.

    Características dos métodos de pagamento

    Desde já, destaca-se que objetivo desse trabalho visa aos payment tokens. Sendo certa a existência de controvérsia quanto à natureza jurídica desse ativo, tem-se que parte da doutrina defende se tratar apenas de um ativo intangível, cuja finalidade é servir de troca. Tal posicionamento, embora correto, necessita ser aprimorado, visto que qualquer ativo em que as partes tenham interesse, pode ser alvo de troca. No entanto, para além de uma simples troca, o Estado pode respaldar o referido ato ao indicá-lo como um meio de pagamento.

    Nesse contexto, é importante ressaltar que um meio de pagamento vai além de uma simples moeda. Explica-se: O sinal “moeda” engloba quatro características para receber tal designação, são elas: (1) método geral de viabilizar trocas; (2) reserva de valor; (3) unidade monetária; (4) instrumento de pagamento. Tais especificidades correspondem ao elemento denotativo da expressão, sendo certo que, dependendo do sistema monetário do país, algumas características podem estar presentes de forma mais ou menos intensa.

    A necessidade de os quatro elementos estarem presentes decorre de um sentido denotativo classificatório, em que a ausência de um deles torna o ativo um mero instrumento de pagamento. Ou seja, um meio de pagamento pode representar a pretensão de um ativo ser moeda, todavia, diante da ausência de uma de suas características, a suposta moeda servirá apenas como um método de troca ou pagamento.

    Para tornar o tema mais claro, cumpre mencionar que, em países cuja moeda corrente (responsável por garantir a soberania/higidez do padrão monetário) não possui uma das características, observa-se que a população opta por referenciar os valores reais de produtos e serviços em outro ativos (como Argentina, em que a economia é dolarizada). Feita essa breve contextualização, passa-se a analisar cada expressão:

    Método geral de troca: em uma sociedade cuja interação decorra da troca, essa comunicação pode ocorrer de modo direto (como a troca de uma roupa por comida) ou de forma indireta (troca-se roupa por dinheiro, e com este, adquire-se comida);
    Reserva de valor: a moeda é um instrumento intertemporal de poder de compra, cujo valor deve ser conservado de modo a evitar a obrigatoriedade do consumo imediato por quem a adquiriu. Isso permitirá o acúmulo de riquezas e a interação entre os agentes de mercado sem a pressa de consumir imediatamente o produto resultante da troca indireta;
    Unidade monetária: cada produto possui uma razão de troca frente a outros produtos, no qual o conhecimento sobre o valor permite estimar o retorno do investimento, bem como as opções de mercado (custos) que melhor se encaixam ao orçamento.

    Cumpre ressaltar que a unidade monetária é uma convenção social na qual determinada mercadoria ou serviço tem o seu valor estipulado de forma abstrata, uma vez que determinado produto equivale à quantia que outras pessoas aceitam pagar. Assim, observa-se que “valor” é uma noção relativa formada pelo binômio “escassez” e “utilidade”.

    Por conseguinte, o valor decorrente desse binômio pode estar atrelado ao “uso” (satisfaz as necessidades do indivíduo de forma direta) ou a “troca” (satisfaz as necessidades da pessoa de forma indireta). É de sedestacar que as moedas cuja utilidade de uso se restrinjam à troca, não possuem qualquer valia de uso, apenas valor de troca futura, o que conduz à ideia de que o valor de uso corresponde, em verdade, à valoração da troca.

    A conclusão no sentido de que o valor de uso da moeda representa o valor de troca, nesse diapasão, direciona, também, à afirmativa de que a única relevância da estipulação do valor da troca é o estabelecimento de uma ferramenta comunicacional que explique as equivalências de preço do mercado;

    Meio de quitação: são os instrumentos determinados pelo Estado que gerenciam as trocas indiretas entre as partes, em que o padrão monetário deve ser preservado para que se mantenha a confiança na moeda.

    Acerca dos meios de quitação, salienta-se que o Brasil adotou seis categorias de agregados monetários, classificados de acordo com a sua liquidez. A primeira delas, M0, é a base monetária restrita, equivalente ao dinheiro criado pelo Banco Central (Bacen) e às reservas bancárias, que decorrem do dinheiro depositado no Sistema de Transferência de Recursos (STR) e do dinheiro contido na própria instituição financeira.

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    Destaca-se que é a partir deste valor que se observa o multiplicador monetário, sendo este correspondente ao aumento da oferta da moeda, em razão do índice da razão fracionária.

    A gama M1 seria o próprio pagamento, ocorrendo através da circulação do papel moeda ou do depósito, à vista, no sistema bancário. Neste caso, a instituição financeira, ao reconhecer o pagamento, sinaliza a escrituração do crédito em favor do beneficiário.

    A M2, além das previsões contidas no M1, engloba também o Depósito Especial Remunerado, os depósitos de poupança, e os títulos emitidos por instituições depositárias.

    A M3 corresponde ao M2, acrescido das quotas de fundos de renda fixa e títulos compromissados do governo em poder público, e não considera aqueles que estão em poder de bancos e fundos de investimento.

    Além dos meios de quitações restritos (M1) e ampliados (M2 e M3), existem ainda as categorias M4 (M3 + títulos públicos de alta liquidez em poder de bancos e fundos de investimentos) e M5 (M4 + capacidade aquisitiva dos cartões de crédito).

    Antes de analisar a viabilidade de alguns criptoativos serem utilizados como meios de quitação, ou até mesmo como moedas estrangeiras [1], que fazem a função de meio de quitação, esclarece-se que toda palavra possui certo grau de indeterminação.

    Assim, é necessário afirmar que os criptoativos precisam conjugar tanto as características denotativas (possuir valor e ser criptografado) como os elementos conotativos (observar a finalidade do ativo). No caso de payments tokens, que, a partir de agora, serão denominados unicamente pela expressão “criptomoedas”, trata-se de ativos cuja finalidade é servir como meio de pagamento. Portanto, a regulação tributária deve seguir o equivalente à de outros meios de quitação.

    Tributação das criptomoedas

    Nesse caso, parece incompleto o tratamento conferido pela Secretaria de Receita Federal (SRF) quanto à forma de incidência do Imposto de Renda, no caso da percepção de criptomoedas. Sobre o tema, a SRF, na pergunta 619, aduziu que a tributação da renda é verificada no caso de ganho de capital entre o momento da aquisição e o momento da alienação do ativo. Ocorre que tal sistemática diferencia o percebimento de uma quantia, em razão da prestação de um serviço prestado, por depósito bancário e criptomoedas.

    Explica-se: no primeiro caso, a tributação por fato acréscimo ocorre no momento do pagamento, enquanto no segundo caso, apenas na realização do ativo por ganho de capital. Essa diferenciação, com a devida vênia, parece incorreta, pois, se a criptomoeda é um payment token, sua finalidade primordial é servir de instrumento de troca e, portanto, não há razões para aplicarsistemáticas diferentes entre uma remessa em depósito bancário ou cartão de crédito, e uma remessa em criptomoedas.

    Portanto, não se concorda com a concepção, atualmente aceita pela Secretaria da Receita Federal, de que apenas no cash-out é que ocorre tributação do Imposto de Renda. Manter essa concepção é o mesmo que dizer que somente no momento da conversão do crédito bancário em dinheiro em espécie, ou seja, ao transformar um crédito bancário em dinheiro, é que o Imposto de Renda deve ser cobrado.

    Natureza legal

    Nesse sentido, adota-se, para determinar a natureza legal das criptomoedas, principalmente o conceito de meios de pagamento. Dentro deste contexto, a Lei nº 14.478/2022 destaca, no art. 3º, parágrafo único, que compete ao Banco Central do Brasil fiscalizar os arranjos de pagamento das criptomoedas.

    Além disso, argumenta-se que, caso seja considerado que as criptomoedas são um câmbio não convencional utilizável como instrumento de pagamento, é viável atrair a aplicação da Lei nº 14.286/2021, que trata do novo regime cambial do Brasil, de forma complementar (nunca de forma integral, pois o inciso I, do artigo 3º, exclui as moedas estrangeiras da definição de criptomoedas).

    Sobre o assunto, essa legislação é um importante recurso para inspirar e suprir lacunas nas normas brasileiras sobre a circulação de criptomoedas, reconhecendo, inclusive, a validade dos pagamentos feitos em criptomoedas.

    Neste caso, combinando os artigos 3º e 5º da Lei nº 14.478/2022 com o artigo 13, VIII, da Lei nº 14.286/2021, seria possível articular que o Conselho Monetário Nacional poderia: (1) incluir situações em que os pagamentos realizados em criptomoedas seriam integralmente aceitos com validade e; (2) regulamentar as Exchanges para que desempenhem um papel semelhante ao das pessoas jurídicas autorizadas a operar no câmbio, como previsto no artigo 13, VIII, da Lei nº 14.286/2021.

    Conforme mencionado anteriormente, a Secretaria da Receita Federal, por meio da pergunta nº 619, afirmou que os lucros obtidos com a venda de moedas virtuais devem ser tributados como ganho de capital.

    No entanto, discorda-se parcialmente desse entendimento. Isso porque as criptomoedas são, principalmente, desprovidas de qualquer valor de uso além de ser um meio de troca. Portanto, mesmo que exista legislação de direito privado regulamentando as criptomoedas como meio de pagamento (o que há – artigo 3º da Lei nº 14.478/2022), o direito tributário não está sujeito aos institutos do direito civil, devido à sua relativa independência, conforme o artigo 109 do Código Tributário Nacional.

    Dessa forma, defende-se que, em permutas de bens em que o objetivo do ativo trocado é servir como instrumento para realizar trocas, a tributação da renda pela obtenção de receita deve ser aplicada.

    Vale ressaltar que apenas o dinheiro em espécie possui curso forçado e, portanto, outras modalidades de pagamento podem ser recusadas em estabelecimentos comerciais, assim como a moeda escritural resultante do pagamento com cartão de crédito.

    Assim, a principal função das criptomoedas deve ser facilitar as trocas comerciais e, em segundo plano, ser considerada um investimento, ao contrário da visão amplamente difundida de que as criptomoedas são exclusivamente um investimento.

    Dessa forma, ao entender que esse ativo, em geral, carece de qualquer valor além de servir como facilitador de relações jurídicas, sugere-se que o Imposto de Renda não incida apenas sobre o ganho de capital na realização do ativo, uma vez que o lucro gerado pela atividade resulta em um acréscimo patrimonial pela entrada da receita.

    Além dessa possibilidade, ao manter esse ativo no patrimônio e haver uma posterior transferência ou realização, por se tratar de um ativo de natureza especulativa, pode-se aplicar um eventual ganho de capital sobre a diferença de valor da aquisição.iniciação.

    A metodologia agora sugerida, mesmo que distinta da perspectiva adotada pela Receita, apresenta semelhança com a percepção de moeda estrangeira como forma de pagamento. Isso se deve ao fato de que a moeda estrangeira no Brasil, além de não ser a moeda oficial e não ter curso obrigatório, não possui a unidade de valor adotada em nosso país, podendo variar conforme as políticas cambiais internas e externas.

    Compensação e transformação

    Por último, sustenta-se que, para pessoas físicas [2], caso seja legal a compensação em criptomoeda pelo serviço prestado, o pagamento ocorre de forma equivalente à transmutação, devendo tal quantia ser convertida para o valor da moeda nacional na data de incorporação ao patrimônio, de acordo com o inciso IV, do artigo 47, do RIR.

    Observa-se que a razão pela qual deve haver a conversão do valor recebido em criptomoedas para o Real reside na necessidade de fortalecer a confiança no sistema monetário brasileiro, que serve tanto para o indivíduo pagar tributo quanto o Estado efetuar pagamentos ao indivíduo. Se a compensação em criptomoeda for ilícita, como, por exemplo, o pagamento de salário em bitcoins, configura-se uma violação à lei, sendo aplicável, nesse caso, o inciso X, do artigo 47, do RIR.

    Além da tributação decorrente da contraprestação pelo trabalho realizado, nota-se que eventual lucro na venda das criptomoedas no momento da alienação também pode ser tributado, sendo necessário aplicar o artigo 154, do RIR. O dispositivo em questão trata do GCAP, onde a base de cálculo consiste na diferença positiva entre o valor da alienação e o custo da aquisição, conforme previsto no §3º do referido artigo.

    No que diz respeito ao termo “valor da alienação”, não há controvérsias, no entanto, quanto à expressão “custo de aquisição”, é importante observar a possibilidade de as criptomoedas terem sido adquiridas em momentos distintos, por valores diferentes. Nesse cenário, destacam-se os §§5º e 6º, do artigo 7º, da IN nº 118 de 2000, cuja norma estabelece que o custo médio da aquisição de todas as moedas será a base para calcular eventual lucro na venda.

    Dessa maneira, mesmo que tais dispositivos estejam inseridos no capítulo “moeda estrangeira em espécie”, devido à semelhança do tema criptomoedas com moedas estrangeiras utilizadas como meio de pagamento, defende-se que essa diretriz também seja aplicável a tais ativos.

     

     

    CORTEZ, Tiago Machado. Moeda, Estado e Direito: O papel do Estado na ordem monetária e seu controle. Universidade de São Paulo: Faculdade de Direito, 2004.

    CUNHA FILHO, Marcelo de Castro. Bitcoin e confiança: análise de como as instituições importam. São Paulo: D’Plácido; 2021.

    FRANCO, Gustavo. A moeda e a lei: uma história monetária brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.

    GRAEBER, David. Dívida: os primeiros 5 mil anos. São Paulo: Três Estrelas, 2016.

    OLIVEIRA. Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: IBDT, 2020

    QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Imposto sobre a renda: requisitos para uma tributação constitucional. Rio de Janeiro: GZ, 2020.

    [1] O Brasil admite que o Direito Especial de Saque, moeda criada pelo FMI, seja considerado moeda estrangeira. Portanto, não há exigência de que moeda estrangeira, necessariamente, seja criada por um país. Acerca do assunto:

    [2] E, para as pessoas jurídicas também, guardadas as peculiaridades, se a atividade principal é a exploração ou não da circulação de criptomoedas.

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