sexta-feira, 5 julho, 2024
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    Compreenda os elementos que distinguem os quadrinhos de outros estilos

    Quais são os elementos fundamentais dos quadrinhos? O que constitui um roteiro básico? Por que a Nona Arte é um gênero singular? Confira abaixo um resumo do conteúdo de cada revista que você lê e entenda melhor por que algumas revistas são tão fascinantes.

    O significado de Linguagem

    Trata-se de um conjunto de sinais que usamos para expressar algo, manifestar sentimentos, narrar uma história.

    Podemos dizer que a concepção de linguagem que utilizamos aqui se assemelha ao que Auguste Comte aplicou na filosofia social (que viria a se chamar Sociologia): ao separar os elementos como em outras ciências, tornou-se mais fácil identificar padrões e compreender como funcionam os casos bem-sucedidos.

    O que é Narrativa?

    É a melhor utilização da linguagem para transformar um evento comum em uma peça extraordinária.

    Cada indivíduo possui muito mais do que apenas uma expressão natural. Costumamos recorrer à nossa forma principal de comunicação para tudo, mas não é necessário. Apenas desafiando ou treinando nossas outras habilidades para nos expressar é que nos tornamos mais completos.

    As modalidades de linguagem e narrativa

    Há uma maneira muito simples e eficaz de compreender as diferenças entre as linguagens. Basta sempre indagar: o que somente é possível fazer e não é possível com a outra?

    • A literatura usa palavras, diagramação e, principalmente… pontuação;
    • O balé utiliza movimentos do corpo, interação com o cenário, figurinos;
    • O teatro explora técnicas de manipulação das expressões faciais e gestuais;
    • Os quadrinhos empregam textos e imagens de forma sequencial estática;
    • O cinema é uma linguagem-irmã dos quadrinhos, utilizando o mesmo conceito, porém com uma sequência dinâmica e recursos audiovisuais;

    Entretanto, vale ressaltar: uma palavra não é um conto; uma foto não é fotografia; uma imagem não é quadrinhos; uma cena não é cinema.

    A definição de quadrinhos

    A nona arte requer os espaços em branco existentes entre os quadros para propor o exercício mental que constrói a narrativa em sua mente. É por meio deles que produzimos som e movimento, até mesmo momentos dramáticos.

    Observe este exemplo em que desenhei uma gota caindo. Ou uma mão indicando que alguém está levando um soco.

    A gota cai nessa velocidade porque eu desejo que ela caia nessa velocidade. Se eu desejar diminuir o ritmo, basta usar menos quadros. Nesse momento, é possível empregar conceitos que estão no consciente coletivo, nos estereótipos, enfim, no instinto humano.

    Neste exemplo, sua mente pode ter trabalhado de maneira a criar sons e explorar o tempo. Isso é individual e nunca é igual entre as pessoas, mas, em uma boa narrativa, é sempre semelhante.

    Também podemos mencionar a diferença entre o que projetamos e o que vemos na realidade ao observar uma criança que chora ao ver a Mônica de Maurício de Sousa em uma versão de um adulto vestido em uma fantasia. Cada um “imagina” vozes para personagens e elas podem parecer, mas nunca são iguais. Ao ver a “Mônica” de verdade, a criança estranha a voz e os movimentos da personagem “real”, em contraposição com a que existe em sua mente.

    Portando esses conceitos, você utiliza os elementos técnicos para compor melhor sua narrativa. O que faz o leitor virar a página? Como posso ampliar a percepção sem ser redundante? Qual é a melhor fotografia e iluminação para compor um efeito dramático?

    A revolução de Will Eisner

    Will Eisner foi um grande mestre revolucionário na arte de narrar histórias com imagens. No começo dos anos 40, com Spirit, ele quebrou as regras que então víamos no uso de gráficos e textos, ultrapassando os limites das convenções.

    Ele demonstrou, por exemplo, como é possível controlar a velocidade da narrativa e criar um universo silencioso que acontece de forma dinâmica em nossa mente. Eisner também ensinou a brincar com a própria forma e transformar em uma narrativa algo que é disforme em nossa imaginação.

    Outro aspecto que ele evidenciou com maestria é a forma como podemos contar diferentes planos de história em uma mesma página; e como manipular o tempo em uma imagem estática. A partir daí, Eisner tornou-se um verdadeiro mestre. Ele criou apostilas, ministrou aulas e não parou de inventar e mostrar novas possibilidades. E as gerações seguintes seguiram seus passos em todo o mundo.

    As narrativas de Alan Moore

    Moore nunca foi muito entusiasta dos super-heróis, mas sempre das possibilidades que os quadrinhos oferecem. Sua obra mais lembrada, Watchmen, destaca muito disso. O personagem central, Doutor Manhattan, é um ser muito metódico, filho de um relojoeiro, que sempre busca a ordem no caos.

    Para evidenciar isso de uma maneira que só poderia ser feita nos quadrinhos, ele brincou com várias passagens simétricas. Isso Kubrick (cinema), Magritte (pintura) e fotógrafos já realizaram, mas os quadrinhos permitem uma progressão sequencial única. É possível até mesmo usar uma contagem de sílabas e balões, como um espelho, tal como Moore faz em Watchmen.

    Moore subverte os formatos tradicionais. Em V de Vingança, ele utiliza uma partitura para mostrar mais sobre a personalidade do protagonista, assim como o contexto da trama e sua própria cadência.

    Em Promethea, ele brinca com a percepção de realidade, com histórias contadas em forma de um pôster que lembra um calendário astral e em um baralho de tarot.

    Em A Liga Extraordinária, ele oferece uma história que interage de formas diferentes quando jogamos um jogo de tabuleiro e ouvimos um disco que acompanha a revista. Vale lembrar que na virada do século XIX, que é quando a trama acontece, os jogos de tabuleiro começaram a se tornar populares.

    Outros autores contemporâneos também abusam da linguagem dos quadrinhos para criar suas narrativas. Grant Morrison, por exemplo, solicitou a Yanick Paquette que desenhasse Wonder Woman: Earth One de forma que respeitasse suas origens mitológicas e sem ângulos retos. Além disso, ele resgatou as raízes de heroína da contracultura para mostrar que as correntes (bondage) não eram para provocar homens e sugerir submissão, mas sim para desafiar a sexualidade e demonstrar força. Todas as sequências da história buscam imagens orgânicas e que remetem à concepção (a nave é em forma de útero). É uma homenagem ao poder feminino da Mulher-Maravilha.

    Neil Gaiman e J.H. Williams III fazem diversas referências em Sandman: Overture, e vivem brincando com a forma (lembra de Will Eisner?). Nesta página, por exemplo, a conversa gira em torno de um personagem chamado Coríntio, que possui mandíbulas ao invés de pupilas dentro dos olhos.

    Inception de Christopher Nolan

    A sequência final de Inception foi muito bem pensada e é um claro exemplo de compreensão e bom uso da linguagem para manipulação da narrativa. Há cenas de ação acontecendo em quatro diferentes planos de história, em diferentes lugares e tempos — e até mesmo realidades.

    A trilha sonora de Hans Zimmer é pontuada pelo pêndulo de um relógio e o rodar de um peão, que serve como referência sobre o que é sonho ou realidade. Na sequência com quatro planos, ele cria uma identidade sonora para cada narrativa. Aos poucos, ele vai embaralhando esses caminhos sem um padrão evidente durante a disposição de imagens: ou seja, a cena um é acompanhada com a trilha da cena três, a cena dois executa a trilha da cena um, e assim por diante de maneira aparentemente aleatória.

    A edição das sequências também altera a narrativa, que muda de 1-2-3-4 para 1-3-4-2, 1-4-2-3 e assim por diante, de forma aparentemente aleatória. No final, a confusão “mental” gerada por tudo isso deixa o espectador verdadeiramente confuso — de maneira que não se sabe mais exatamente o que é sonho ou realidade.

    Exatamente como os personagens se sentem — e é por isso que eles precisam do peão para dissipar essa dúvida.

    Modificações

    Aqui, abordaremos as diferenças entre linguagens a partir de distintas narrativas criadas para a mesma história em versões diferentes. Selecionei aqui três casos que evidenciam diferentes graus de adaptação.

    Cidade do Pecado

    O primeiro deles é Sin City. A versão para cinema de Robert Rodriguez é quase uma cópia “colada” das HQs nos cinemas. A identidade visual e até mesmo os movimentos emulam os quadrinhos. Mas, em termos de adaptação, não acho que tenha sido uma boa.

    Isso porque a história já é consagrada em seu meio original e acredito que a transição para o cinema poderia trazer o que esse meio mais teria a contribuir: drama, som e movimento. As expressões faciais e gestuais ficaram diluídas sem o movimento tradicional do cinema e ninguém lembra da trilha sonora porque, bem, ela é quase inexistente mesmo.

    Por outro lado, a adaptação ajudou a popularizar bastante a obra para quem não a conhecia.

    Vigilante

    Na obra original temos diversos elementos que são impossíveis de serem traduzidos de forma equivalente no cinema porque, bem, Alan Moore concebeu a obra especificamente para a linguagem dos quadrinhos — e é por isso que ele não quis saber de “abençoar” a adaptação, pedindo até mesmo para remover seu nome dos créditos.

    Uma forma que o diretor Zack Snyder encontrou para homenagear a obra original, que brinca tanto com a linguagem, foi utilizar uma característica do cinema para narrar eventos que acontecem no apêndice de cada edição da HQ. Desde o início do filme, vemos grande parte dessa história sendo contada com uma música de Bob Dylan (The Times Are a-Changin), que está na própria HQ e contextualiza bem o período em que ela acontece.

    Ou seja, ele utilizou algo que somente a linguagem do cinema poderia proporcionar para trazer uma experiência diferente e complementar à original.

    O Antagonista Americano

    Neste caso, o próprio autor da obra original, Harvey Pekar, participa de uma obra autobiográfica, que mistura ficção com documentário. Os diretores não somente apresentam American Splendor e seu criador, como também transmitem o estilo informal dos quadrinhos para um filme que ultrapassa a narrativa original com uma segunda — e uma terceira, uma mistura de cinema com os gibis.

    Aqui, a experiência parece ser somente completa quando unimos as revistas originais com o “mockumentary”.

    Leia interpretando

    A próxima vez que ler uma HQ, tente identificar os elementos de cada linguagem e como cada autor utiliza os componentes técnicos e a criatividade para construir sua própria narrativa. Garanto que será uma experiência e tanto.

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