sexta-feira, 5 julho, 2024
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    Concorrência, cláusulas padronizadas e monopólios artificiais


    No contexto da extinta Lei Federal nº 8.666/1993, existia uma proibição à contratação de funcionário, gestor, contratante e responsável pela concorrência.

    Dessa maneira, estava estabelecido:

    “Art. 9o Não poderá participar, de forma direta ou indireta, da concorrência ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:

    (…)

    III – funcionário ou gestor de órgão ou entidade contratante ou responsável pela concorrência.”

    No período em que a mencionada lei estava em vigor, as discussões judiciais e dos órgãos de controle, em sua maioria, tratavam do tema no âmbito dos vereadores e prefeitos.

    Não havia, naquela época, decisão do tema 1.001 do C. Supremo Tribunal Federal, que abordou os limites da legislação municipal para restrições em tais contratações.

    Tema 1.001 do STF

    Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu (em 30/6/2023) a seguinte tese de grande repercussão:

    “É constitucional o ato normativo municipal, elaborado no exercício da competência legislativa suplementar, que proíba a participação em concorrência ou a contratação: (a) de agentes políticos; (b) de ocupantes de cargo de confiança ou função de chefia; (c) de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de qualquer um destes; e (d) dos demais servidores públicos municipais.”

    Dessa maneira, o STF consolidou o que já se observava como tendência na jurisprudência no sentido de que a legislação municipal poderia ampliar o rol de proibições previstas na Lei Federal nº 8.666/1993.

    Apesar de ser anterior, a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo consolidou entendimento similar (ainda que em sentido contrário) de que, caso não houvesse lei municipal, não haveria restrição adicional.

    Dessa forma, decidiu em 2019 o Tribunal Paulista:

    “Apelações. Improbidade administrativa. Contrato firmado entre a Prefeitura Municipal e a empresa-ré, cuja sócia-administradora, à época, era vereadora. Aquisição de materiais elétricos, de iluminação e ferramentas por meio de pregão presencial, pelo menor valor. Cláusulas contratuais previamente estabelecidas em edital próprio, consideradas como padronizadas. Ausência de prejuízo ao erário, sobrepreço e desrespeito aos princípios norteadores da Administração Pública. Ausência de intenção dolosa, má-fé ou deslealdade contratual. Improcedência dos pedidos que se impõe. Recursos dos réus acolhidos, portanto.”
    (Apelação 1001310-10.2015.8.26.0160, Relator: Elias Manfré, 3ª Câmara de Direito Público, julgamento: 28/05/2019, publicação: 29/05/2019-nossos destaques)

    No conteúdo do acórdão mencionado acima consta a interpretação contrária daquilo que, posteriormente, se consolidou como tese de Grande Repercussão nº 1.001.

    Nas apelações números: 3001696-72.2013.8.26.0484 (comarca de Promissão) e 0004988-93.2011.8.26.0482 da comarca de Presidente Prudente (município de Alvares Machado), houve reconhecimento da improbidade devido à contratação de empresa cujos quadros societários possuem parentesco com servidores/vereadores. Entretanto, nos dois casos anteriores há proibição expressa na Lei Orgânica e ocorreu contratação direta e dispensa de concorrência. Ou seja, havia uma tendência no Tribunal de Justiça de São Paulo de interpretação bastante semelhante, no essencial, àquela que se tornou, posteriormente, tese de grande repercussão.

    Em suma, o tema da restrição de contratações interpretava o artigo 9º, III da Lei Federal de modo restrito, exceto se a legislação municipal estabelecesse outras proibições.

    Uma vez que a regra de restrição tem o propósito de impedir o tráfico de influências, a jurisprudência faz uso da proibição constitucional direcionada àqueles que teriam maior condição de realizar tal prática ilícita: parlamentares. Dessa maneira, interpretou-se que a principal restrição é direcionada aos membros do Poder Legislativo, conforme o artigo 54, I “a” da CF. Já que a maior restrição existente previu uma exceção para contratos com “cláusulas padronizadas”, essa exceção também permanece para os cargos.de status inferior hierárquico e menos autoridade para a prática do tráfico de influência.

    Disposições homogêneas

    Conforme mencionado, a jurisprudência relativa à referida proibição contratual entendia pela possibilidade de contratação no caso de contrato com cláusulas homogêneas.

    Não existia (e não existe) consenso sobre o conceito de cláusulas homogêneas. Alguns precedentes ampliavam o conceito de forma a abranger contratos administrativos firmados por pregão diante da uniformidade das cláusulas e do critério de escolha apenas pelo menor preço. Nessa linha, decidiu o TJ-SP, apelação 1001310-10.2015.8.26.0160.

    Spacca

    O TSE, em 29/9/2022 decidiu (por 4 a 3) que o contrato de locação firmado com o Distrito Federal e o candidato Paulo Otávio era um contrato com “cláusulas homogêneas”. A Conjur noticiou a decisão.

    O tema do conceito jurídico indeterminado do que seriam “cláusulas homogêneas” tende a inclinar-se no sentido de que seriam contratos onde, em suma, não há possibilidade de negociação/remanejamento.

    Em 2021 o TCU respondeu à consulta nesse sentido que destacamos. Assim:

    TCU responde sobre proibição constitucional de contrato entre parlamentares e o BNDES

    TCU responde consulta da Câmara dos Deputados sobre contratos com cláusulas homogêneas celebrados entre parlamentares e BNDES. Apenas em situações específicas eles são considerados constitucionais

    Por Secom TCU

    09/03/2021

    (…)

    Resumo

    O TCU respondeu a uma consulta da Câmara dos Deputados sobre a interpretação das cláusulas homogêneas em empréstimos ou financiamentos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

    A celebração e/ou a manutenção, por deputados e senadores, de contrato com o BNDES em operações diretas, indiretas não automáticas e mistas contraria a Constituição, o que não ocorre caso as operações sejam indiretas automáticas.

    No mesmo sentido, inclinou-se o TCE-SP, em 2019, em decisão da lavra da eminente conselheira Cristiana de Castro Moraes, ao analisar caso similar, nos autos do TC-004378.989.17-226:

    “Não obstante a argumentação apresentada na inicial, não vejo respaldo legal para aceitar o pleito apresentado. Penso dessa forma porque entendo que a regra estabelecida no inciso III do artigo 9º da Lei nº 8.666/93, encontra suporte nos princípios da Administração Pública, especialmente os da Moralidade e da Impessoalidade. Com efeito, uma vez que a representante tem como sócios o Sr. Vice-Prefeito e pessoa de seu parentesco, entendo vedada por completo sua participação no procedimento, sendo correta a cláusula editalícia impugnada. […] As ressalvas constitucionais suscitadas, relacionadas às proibições impostas aos agentes políticos, bem como as previsões da Lei Orgânica Municipal não afastam o raciocínio ora desenvolvido. As cláusulas homogêneas de contrato, que excepcionariam a aplicação da proibição não podem ser compreendidas como aquelas presentes em todos os contratos administrativos, caso contrário não haveria como aplicar-se o comando principal da norma, que é a efetiva vedação de que os dirigentes e agentes políticos firmem contrato com a pessoa jurídica de direito público a que pertencem.”

    Em suma, “cláusulas homogêneas” seriam aquelas em que não há margem de negociação/alteração. Cláusulas “automáticas”, para usar a expressão do TCU, seria a palavra chave para definição do que seria contrato com cláusulas homogêneas.

    Atual Lei de Licitações

    A atual lei de licitações, entretanto, “ampliou” as proibições previstas na revogada lei 8.666/1993. Assim:

    Art. 14. Não poderão disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente:

    (…)

    IV – aquele que mantenha vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou que deles sejacônjuge, parceiro ou familiar em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, devendo essa proibição constar explicitamente do edital de licitação;

    No lugar de servidores, dirigentes e responsáveis previstos na legislação anterior, a legislação atual incluiu qualquer tipo de ligação com a administração e, ainda, estendeu a proibição aos cônjuges e parentes até o terceiro grau.
    Assim sendo, o conceito de “cláusulas uniformes” merece uma definição à luz das decisões mencionadas bem como do artigo 14, IV da Lei de Licitações.

    Conceito de ‘cláusulas uniformes’

    Nossa modesta sugestão é a de que o contrato com cláusulas uniformes seria todo contrato administrativo em que a manifestação de vontade do contratante é irrelevante. Dessa forma, o conceito se alinha com os precedentes mencionados das Cortes de Contas, apesar de não se alinhar totalmente com os demais precedentes do Poder Judiciário.

    Portanto, contratos de água, luz, telefone e contratos bancários são, sem dúvida, contratos com cláusulas uniformes. Do mesmo modo, contratos antecedidos por licitação e “engessados” também são contratos com cláusulas uniformes, se o critério de seleção for apenas o preço.

    A figura do contrato de adesão do artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor é a que mais se assemelha ao conceito de contrato com cláusulas uniformes, ainda que o regime seja de Direito Público, no caso do contrato com cláusulas uniformes, e de direito difuso no caso do contrato de adesão.

    Dessa forma, o artigo 14, IV não se aplica aos contratos administrativos de registro de preços (já que não permite alteração no percentual de 25% para serviços nem 50% para obras). Não há manifestação volitiva dos contratantes que possibilitasse o “tráfico de influência” que é a razão de ser de tais regras. Pelos mesmos motivos a dispensa dos indivíduos previstos no artigo 14, IV está absolutamente proibida.

    Como costumamos mencionar, o princípio tem caráter axiológico superior às normas, conforme ensinamento de Robert Alexy . O princípio, no caso em discussão, é a proibição do tráfico de influência e do desrespeito ao princípio da igualdade. A regra que detalha tal princípio é o artigo 14, IV da Lei de Licitações. A norma não pode sobrepor a um princípio sob pena de inversão axiológica indevida.

    Monopólios/oligopólios artificiais

    Também incluímos como contratos com cláusulas uniformes aqueles que tenham previsão expressa e clara de proibição de qualquer acréscimo ou decréscimo.

    Qual seria a utilidade para a administração pública em proibir alterações e “engessar” o contrato? Aumentar a competitividade, favorecendo contratações com maior número de pessoas, inclusive que tenham laço de parentesco mas não tenham manifestação relevante de vontade.

    Pode parecer mera forma de burlar o artigo 14, IV a sugestão, mas em cidades pequenas (com menos de 50 mil habitantes) onde “todo mundo é parente, a limitação de concorrentes acaba por criar monopólios e/ou oligopólios elevando o preço para níveis acima dos preços de mercado. Haveria desrespeito ao princípio da competitividade (de elevado patamar axiológico) priorizando uma norma (artigo 14, IV) em detrimento de um princípio (da competitividade) de origem constitucional.

    É evidente que é preferível a participação efetiva de concorrentes no certame licitatório (ainda que com laço de parentesco) tendo como custo o “engessamento” do que a lamentável criação de “monopólios artificiais”.

    Interpretação “conforme” do artigo 14, IV

    Não nos esqueçamos de que o princípio da competitividade decorre diretamente da regra constitucional da livre iniciativa (artigo 170 da CF) e a norma do artigo 14, IV deve ser lida com interpretação conforme no sentido de que somente será aplicada se não infringir a livre iniciativa e sua função social: a competitividade.

    O direito à propriedade deve atender à sua função social. A livre iniciativa é expressão do direito de propriedade em forma de empreendimento. A

    O propósito social da iniciativa livre é, sem dúvida, promover a competição.

    No entanto, surge um dilema ético e interpretativo quando há uma ampla competição na prática, mesmo que a administração pública tenha previsto a necessidade de autorizar a participação de licitantes que inicialmente estariam proibidos. A interpretação conforme à regra do artigo 14, IV da Lei de Licitações não pode ignorar a realidade concreta.

    Nesse caso, durante a fase de julgamento, o pregoeiro deve desqualificar aqueles que se encaixem nas situações do artigo 14, IV da Lei Federal nº 14.133/2.021.

    Seria requerido um novo processo de licitação? Não, pois apesar de ser proibida a contratação das pessoas previstas no artigo 14, IV, a proibição de participarem como licitantes que contribuem para aumentar a competição deve ser afastada. Trata-se de uma interpretação “conforme” do artigo 14, de modo que a proibição durante a fase de licitação só permanece se não prejudicar a competição efetiva.

    E se a previsão de participação restrita de licitantes se confirmar? Nesse caso, a melhor proposta será a vencedora, mesmo que se enquadre nas situações do artigo 14, IV, pois essa norma deve ser interpretada no sentido de promover a competição, que é o propósito social do direito constitucional da iniciativa livre.

    A administração pública não pode se permitir adquirir produtos/serviços contribuindo, por sua própria ação, para a criação de monopólios absolutamente artificiais.

    Preferência aos desprovidos de relações suspeitas

    Recomendamos que o edital, nessas circunstâncias, estabeleça que o licitante vencedor poderá ser uma pessoa enquadrada nas situações do artigo 14, IV da Lei nº 14.133/2.201 se houver risco para o princípio da competição e se a melhor proposta de um licitante que não se enquadra nesse artigo for superior a 5%. Esse percentual foi escolhido porque a Lei Federal nº 14.133/2.021 considera esse número como pequeno por definição para uma nova rodada de lances (artigo 56, §4º). O mesmo pensamento é refletido na regra do artigo 44, §2º da LC 123/2006.

    Dessa forma, uma oferta de uma pessoa enquadrada no artigo 14, IV, inferior a 5% em relação à oferta de uma pessoa não enquadrada nesse artigo obriga o poder público a contratar esta última e desclassificar a proposta numericamente superior, uma vez que a lei estabeleceu uma espécie de “preferência aos desprovidos de relações suspeitas”.

    Conclusão

    Sob a vigência da lei de licitações, o contrato administrativo realizado após licitação só será considerado um contrato com “cláusulas uniformes” e, portanto, permitindo a interpretação “conforme” da lista do artigo 14, IV da Lei Federal nº 14.133/2.021, caso a manifestação de vontade do licitante seja irrelevante e o contrato não admita acréscimos/decréscimos por tratar-se de um registro de preços ou por expressa previsão do edital, sendo vedada a dispensa de licitação.

    A regra do edital possui uma importância especial em municípios pequenos onde os laços familiares predominam no meio social e a competição seria prejudicada sem um número mínimo de licitantes. Nesse cenário, a competição (propósito social da iniciativa livre) deve prevalecer, já que não é permitido ao Poder Público criar monopólios/oligopólios artificiais.

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