Após o fim da “cota racial” para admissão universitária pela Suprema Corte dos Estados Unidos, diversas entidades conservadoras ajuizaram mais de doze ações para eliminar todas as políticas de ação afirmativa e os programas que promovem a “diversidade, equidade e inclusão (DEI – diversity, equity and inclusion)” no país.
Estas entidades, associadas ao Partido Republicano, buscam criar nos Estados Unidos o que descrevem como “sociedade que não faça distinção entre cores” (colorblind society) – ou seja, uma sociedade que não faça distinção de cores (não apenas confunde cores). Para alcançar tal objetivo, argumentam que é necessário abolir todo e qualquer tipo de favorecimento a minorias no emprego, moradia e financiamento de pequenas e médias empresas.
Como respaldo para suas alegações legais, tais entidades mencionam a Lei de Direitos Civis (Civil Rights Act) de 1866. Esta lei, estabelecida após o término da Guerra Civil que opôs os defensores da escravidão e os liberais, “assegura a todas as pessoas os mesmos direitos dos cidadãos brancos”, incluindo o direito ao casamento, compra, venda e herança de propriedades, movimentação de processos judiciais e celebração de contratos.
Os peticionários, que englobam, além de entidades, empresas de todos os portes e ativistas políticos, argumentam que tal lei e leis posteriores de direitos civis têm o propósito de promover a igualdade entre todas as raças e que qualquer programa destinado exclusivamente a beneficiar minorias constitui uma “discriminação reversa” contra a raça branca.
Por outro lado, os defensores das políticas e programas que promovem a diversidade, equidade e inclusão, incluindo grandes corporações, escritórios de advocacia e gestores de fundos de investimento, declaram que as alegações dos conservadores constituem uma distorção das intenções originais da lei de direitos civis.
“É notável que a legislação voltada para garantir direitos civis básicos a indivíduos anteriormente escravizados e proibir a privação desses direitos com base em sua raça ou cor está sendo utilizada para restringir o avanço de profissionais e empresários de origem negra e de outras minorias em setores nos quais há histórica sub-representação”, afirmam eles.
Além disso, defendem que o propósito das políticas de ação afirmativa é reparar os séculos de discriminação contra minorias raciais, e não punir a etnia branca.
Mesmo com essas iniciativas, pessoas não brancas continuam significativamente sub-representadas nos níveis mais altos do mundo corporativo. Por exemplo, apenas oito líderes negros ocupam o cargo de CEO nas 500 maiores empresas listadas pela Fortune — o maior número desde o início da publicação da lista em 1955. E, dos US$ 214 bilhões em investimentos de capital de risco realizados em 2022, apenas 1,1% foram destinados a empresas fundadas por empreendedores de origem negra, de acordo com a Crunchbase.
Uma das ações foi ajuizada pela American Alliance for Equal Rights — a mesma organização que iniciou o processo que resultou na abolição de cotas raciais para admissão em instituições de ensino superior — contra a empresa financeira Fearless Fund, com sede em Atlanta, Geórgia, que oferece microfinanciamentos de até US$ 20 mil a negócios liderados por mulheres de origem negra, categoria que, em 2022, recebeu apenas 1% do total de investimentos de capital de risco destinados a empresas do estado.
Outra ação foi movida contra a Progressive Insurances, empresa que disponibiliza financiamentos de até US$ 25 mil para empreendedores negros por meio de seu “Small Business Forward Fund”. Também foram citadas grandes corporações com programas de diversidade, equidade e inclusão, como Pfizer, Morgan Stanley, Amazon e Gannett.
Escritórios de advocacia, incluindo Perkins Coie, Morrison Foerster, Adams and Reese, Winston & Strawn e Gibson, Dunn & Crutcher, tiveram que cancelar, sob ameaças, seus esforços de inserção de estagiários e advogados pertencentes a minorias étnicas são notáveis, mesmo que apenas 5% dos advogados do país sejam afrodescendentes, de acordo com a American Bar Association (ABA).
As decisões dos juízes de primeira e segunda instância têm sido divergentes nessa questão, de modo que a decisão final caberá à Suprema Corte.
Caso o tribunal decida a favor dos peticionários, como já fez em favor da American Alliance for Equal Rights no caso que acabou com as ações afirmativas no ensino superior, isso significará o fim de todas as políticas e iniciativas que buscam promover a diversidade, a justiça e a inclusão nos EUA.
Dessa forma, a ideia de uma “sociedade cega para as diferenças étnicas” ignorará a história e as tradições de racismo no país, que têm melhorado consideravelmente graças à promoção de políticas e programas para combatê-lo, mesmo que ainda exista de forma evidente em uma parcela da população que defende a supremacia branca.
Com informações do Washington Post, Reuters e Jurist.