terça-feira, 2 julho, 2024
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    Corrupção de capital da câmara municipal foi plano piloto de Alberto Youssef


    Localizado no norte do Paraná, o município de Londrina é considerado o “laboratório” dos maiores escândalos de suborno do Brasil no século XXI. Se não fossem os personagens envolvidos, o modo de operação para lavagem de capital e a irrigação de campanhas eleitorais por empresas fictícias, os desvios no final da década de 1990 durante a administração do ex-prefeito Antônio Casemiro Belinati, seriam apenas mais um escândalo da política nacional.

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    Não foi o que aconteceu. A rede do doleiro Alberto Youssef e do ex-deputado José Janene se espalhou e Londrina se tornou o marco zero da suborno, com desvio de capital de uma estatal, licitações fraudulentas, lavagem de capital com uso de contas bancárias e doações para campanhas eleitorais. O conhecido enredo do Petrolão, desmantelado pela operação Lava Jato – que completa 10 anos nesta semana – teve no suborno Ama-Comurb uma espécie de projeto-piloto, que não só inspirou os maiores esquemas de suborno na política nacional nos últimos 20 anos, como revelou a ligação entre o doleiro e Janene, que foi réu no Mensalão, mas morreu em 2010, antes do desfecho do julgamento.

    Dez anos antes do falecimento do parlamentar por um ataque cardíaco, em maio de 2000, a Promotoria Especial de Defesa do Patrimônio Público de Londrina pediu o afastamento do cargo do prefeito Belinati e trouxe à tona o esquema de suborno que colocou o nome de Youssef no centro das operações para lavagem de capital pela primeira vez. Desde o início, os promotores do Ministério Público do Paraná (MP-PR) apontavam que a Companhia Municipal de Urbanização (Comurb) “foi palco para atuação de uma grande quadrilha, sendo que esta quadrilha, alicerçada e encravada na administração pública de Londrina, promoveu toda sorte de desmandos e irregularidades”, conforme as denúncias encaminhadas à Justiça, entre os anos 2000 e 2001.

    Ainda segundo as palavras dos promotores responsáveis pela investigação, o objetivo era “assaltar” os cofres públicos para arrecadação de verbas para dar suporte aos “interesses pessoais de seus integrantes, sendo o principal deles a promoção e o financiamento de campanhas eleitorais.” Em 1998, o filho do então prefeito Antônio Carlos Belinati disputou a eleição para deputado estadual. A primeira-dama, Emília Belinati, foi vice na chapa para o governo do Paraná, encabeçada por Jaime Lerner. O MP-PR também denunciou o petista Paulo Bernardo, ex-ministro do governo Lula, como beneficiado por R$ 10 mil na campanha como deputado federal em “dobradinha” com Belinati. Os valores teriam sido entregues por meio do coordenador da campanha do PT, André Vargas, que futuramente seria eleito deputado federal e também acabaria preso pela operação Lava Jato.

    A origem do capital desviado foi a venda das ações da companhia telefônica Sercomtel, em maio daquele ano. A antiga estatal pertencente ao município de Londrina foi privatizada em 2020. Em 1998, a operação de abertura ao mercado rendeu mais de R$ 100 milhões ao cofre municipal.

    Apesar do discurso político de investimentos públicos, a denúncia do MP-PR aponta para a construção do esquema de suborno para desvio dos recursos por meio de licitações fraudulentas, empresas fantasmas e lavagem de capital em contas do Banestado, administradas por Alberto Youssef.

    À época, a promotoria identificou o modo de operação de pagamentos de aproximadamentede R$ 150 mil, sem transpassar nunca essa cifra, o que possibilitava a realização da concorrência na modalidade de convite, direcionada para as participantes do esquema de corrupção, seja como empresa fictícia ou com serviços que não condiziam com o objetivo do certame.

    Na acusação, o MP-PR estima que mais R$ 123 milhões foram desembolsados pela administração pública dos recursos provenientes da venda das ações da Sercomtel em um período de um ano e meio, ou seja, mais de R$ 6 milhões por mês, montantes apurados pelos promotores ao longo da investigação há mais de 20 anos.

    “Lavanderia Youssef” debuta no Banestado

    Nos autos do processo ao qual a Gazeta do Povo teve acesso, os promotores do caso Ama-Comurb revelam que houve uma “intensa e preocupante dificuldade” em identificar os verdadeiros proprietários das 29 contas do Banestado vinculadas à empresa fictícia Freitas & Dutra. O motivo seria as ameaças que funcionários envolvidos no esquema enfrentavam da gangue de Youssef classificada pelos integrantes do MP-PR como “verdadeiros cataclismas emocionais” e de “temor imensurável, já que conseguem interromper, como mágica, qualquer informação que as pessoas possam fornecer.”

    O que estava por trás das ameaças era a operação de lavagem de dinheiro de R$ 120 mil provenientes da Autarquia Municipal do Ambiente (AMA), que revela as primeiras pistas do doleiro dentro do Banco do Estado do Paraná, o Banestado. Segundo o MP-PR, a gangue tinha como base o estabelecimento comercial chamado “Casa de Câmbio Youssef”, na rua Pará, no centro de Londrina, e estabeleceu conexões estreitas com a direção do Banestado e com “funcionários mais graduados” da instituição financeira na cidade “com o intuito de obter facilitação criminosa para a abertura e movimentação de valores com origem ilícita em contas bancárias em nome de empresas falsas”.

    Em maio de 1998, exatamente no mesmo mês das vendas das ações da Sercomtel, a conta corrente da empresa fictícia foi criada por “funcionários não identificados” em uma agência do Banestado localizada no calçadão do centro de Londrina. Assim, os promotores afirmam que a gangue passou a contar com “um meio de promover a ocultação ou dissimulação de dinheiro” com a movimentação de valores consideráveis.

    Em 1º de outubro de 1998, um cheque foi depositado na conta que serviu como prova da relação entre Youssef e o esquema Ama-Comurb. “A quantia de R$ 120.000,00 representada pelo cheque depositado era proveniente de crimes contra a Administração Pública, ou seja, de crime de peculato, fraude em licitação e formação de quadrilha, além de outros, cometidos por Antonio Casemiro Belinati, ex-prefeito, Mauro Maggi, ex-presidente da AMA – Autarquia do Meio Ambiente, e por outras pessoas, por ocasião da subtração de recursos públicos promovida por meio da carta-convite”, aponta o MP-PR na acusação que resultou na prisão preventiva de Alberto Youssef.

    O doleiro apelou, foi colocado em liberdade e continuou a operar no Banestado, sendo responsável por um dos maiores esquemas de remessas ilegais ao exterior.

    A movimentação atingiu aproximadamente R$ 28 bilhões. O caso Banestado colocaria o então juiz Sergio Moro pela primeira vez no caminho do Youssef, que acabou sendo agraciado com um acordo de delação após a prisão no ano de 2003, quando portava um cheque nominativo no valor de R$ 150 mil do amigo José Janene.

    Parceria entre doleiro e deputado é investigada nos maiores escândalos de corrupção do país

    Aliado do então prefeito de Londrina Antônio Belinati, o deputado federal José Janene também foi alvo das investigações da Ama-Comurb, favorecido por parte dos recursos desviados para campanha eleitoral, além de ter sido responsável pela indicação de um dos diretores da Comurb, envolvidos com o esquemade maracutaia. Em razão da imunidade parlamentar, o MP-PR encaminhou o caso à Procuradoria-Geral da República.

    Conforme os procuradores, o gerente da Comurb Eduardo Alonso de Oliveira procurou o Ministério Público para relatar pressões do então deputado do PP em fevereiro de 2000, quando o réu, que estava cooperando com a Justiça, afirmou ter recebido a oferta de US$ 200 mil para não comparecer na Comissão Especial de Inquérito (CEI), aberta pela Câmara Municipal de Londrina para investigar o escândalo de corrupção na prefeitura.

    Após declinar da oferta, Oliveira – que segundo a promotoria tentou esconder a participação de Janene durante toda a investigação – passou a agir de forma diferente. “Somente a ocorrência de um fato extremamente grave, como ameaça de morte, poderia fazer com que Eduardo Alonso rompesse com o todo o seu passado de amizade e envolvimento profissional com José Mohamed Janene, até então seu camarada e protetor”, indica o MP-PR.

    Diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, preso durante a operaçãoo Lava Jato.
    Diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, preso durante a operaçãoo Lava Jato.| Ivonaldo Alexandre/Arquivo Gazeta do Povo

    Segundo a delação do cambista na operação Lava Jato, ele conheceu Janene em 1997, um ano antes do início das operações de lavagem de dinheiro no esquema Ama-Comurb. Em 2001, o cambista afirmou que auxiliou o ex-deputado com US$ 12 milhões para a campanha de eleição ao Congresso.

    Durante o mandato, Janene foi mencionado como um dos beneficiados pelo Mensalão do PT enquanto Youssef chegou a ser detido pelo esquema no Banestado em 2003. Os dois casos foram objeto de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), que apontaram para a conexão entre o deputado e o cambista, concidadãos da cidade de Londrina.

    Se no norte do Paraná a indicação do gerente da Comurb terminou mal, em Brasília, a indicação de Paulo Roberto Costa para a Diretoria de Abastecimento da Petrobras pelo cacique do PP, em 2004, foi promissora, iniciando o Petrolão com desvios de recursos da estatal em obras superfaturadas na megaoperação envolvendo grandes construtoras.

    Na delação, Youssef revelou que Costa foi nomeado pela “competência técnica e disposição de colaborar com o esquema de contratação de empreiteiras dispostas a contribuir com o partido”. O ex-diretor da estatal faleceu em 2022.

    Responsável pela coleta e pagamentos dos recursos desviados da Petrobras desde 2005, sob a orientação de Janene, o cambista passou a ter maior influência no esquema financeiro a partir de 2007, quando o então deputado teve problemas de saúde, até o falecimento em 2010. Youssef assumiu as tomadas de decisões sobre pagamentos, transferências e negociava diretamente com as empreiteiras do cartel.

    Os laços entre o cambista e o gerente de Abastecimento da Petrobras tornaram-se mais firmes por meio da relação criminosa que os dois mantinham com Janene. Conforme a delação de Youssef, o trio se reunia de duas a três vezes por mês em hotéis e na residência de Janene em São Paulo com representantes das construtoras para discutir as licitações da petroleira.

    Conforme o estudo econométrico do Tribunal de Contas da União (TCU), publicado em 2020, mais de 20 empresas integraram o cartel que causou prejuízos de R$ 12,3 bilhões aos cofres da Petrobras, equivalente a mais de R$ 20 bilhões em valores ajustados.

    Há 10 anos, a relação entre Youssef e Costa no megaesquema de corrupção, herdado pela dupla após o óbito de Janene, veio à tona no início da operação Lava Jato devido a um automóvel de luxo avaliado em R$ 250 mil na época. Os investigadores encontraram a nota fiscal do Range Rover Evoque, que foi pago pelo cambista, sendo que o veículo estava registrado em nome do ex-diretor da Petrobras, recém-aposentado. O presente colocou a atuação de Youssef dentro da estatal sob escrutínio da força-tarefa e o Petrolão no centro das investigações da Lava Jato.

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