sexta-feira, 5 julho, 2024
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    CPI não mostra como Ramagem teria beneficiado Bolsonaro


    A determinação de Alexandre de Moraes que iniciou, nesta quinta-feira (25), a Operação Vigilância Próxima não indica, de forma precisa e concreta, como o atual deputado federal e ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem (PL-RJ) teria atuado para favorecer o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus filhos Flávio e Jair Renan Bolsonaro.

    Outras acusações do ministro, apontando que, a pedido de Ramagem, a Abin teria atuado para espionar ou incriminar oponentes políticos de Bolsonaro, também trazem poucas evidências.

    Quase toda a decisão, de 38 páginas, baseia-se em investigações da Polícia Federal que acusam a existência de uma suposta organização criminosa, instalada na Abin, que teria o intuito de monitorar ilegalmente pessoas e autoridades públicas invadindo aparelhos e computadores. Ela seria formada por homens da própria PF que Ramagem colocou na agência durante o período que a dirigiu, entre julho de 2019 a julho de 2022.

    O atual deputado se tornou próximo de Bolsonaro em 2018, quando liderou a equipe de segurança de sua campanha presidencial. Em 2020, ele foi escolhido por Bolsonaro para comandar a PF, mas teve a nomeação suspensa por Moraes pela suspeita de que poderia interferir em investigações para proteger os filhos do ex-presidente.

    Segundo a PF, a pedido de Ramagem, policiais federais cedidos à agência executariam, de modo extraoficial, “serviço de contrainteligência e criação de relatórios apócrifos que seriam divulgados com o fim de criar narrativas falsas”. Alguns deles usariam o sistema FirstMile – tecnologia israelense que localiza aparelhos celulares por georreferenciamento – para monitorar pessoas.

    O relatório da investigação, citado por Moraes, é repleto de
    adjetivos e juízos de valor, tem redação com trechos confusos que dificultam a
    compreensão do caso e a ligação entre as diversas suspeitas levantadas, bem
    como a participação de Ramagem nas atividades de inteligência apontadas como
    ilegais. Responsável pela investigação, o delegado Daniel Nascimento escreveu
    que ocorreu uma “instrumentalização” e uma “degradação” da Abin, com “viés
    político alheio à função republicana” da agência.

    Uma das lacunas da investigação, levando-se em conta o que
    está na decisão de Moraes, é a antiga suspeita de que a Abin teria sido usada
    para produzir informações que servissem à defesa de Flávio Bolsonaro, no caso
    das “rachadinhas” (apropriação de parte do salário de ex-assessores), e de Jair
    Renan, investigado por suposto tráfico de influência dentro do governo.

    Em relação a Flávio, Moraes diz que houve “preparação de
    relatórios para defesa do senador”, por parte de um policial cedido à Abin. Para
    demonstrar isso, o único elemento apresentado, pela Procuradoria-Geral da República
    e pela PF, é a menção a uma reportagem do site The Intercept Brasil de
    dezembro de 2022. Nenhum detalhe da matéria jornalística é destacado, a não ser
    o nome do policial que teria confeccionado os relatórios. O entendimento
    tradicional do STF é de que matérias jornalísticas não servem de prova em investigações
    criminais.

    Quanto a Jair Renan, Moraes diz que, “sob a direção” de Ramagem, policiais federais utilizaram ferramentas da Abin para “tentar fazer prova a favor”. Na representação da PF, é narrado que, em 2021, foi aberta investigação para apurar se o caçula de Bolsonaro estaria praticando tráfico de influência dentro do governo – a suspeita é de que teria recebido um carro elétrico de empresários da mineração.

    Relata-se, então, que teria ocorrido uma diligência na Abin com
    “objetivo de produzir provas da posse de determinado veículo por parte de um
    dos principais investigados – sócio de Renan Bolsonaro”. Um policial federal, cedido
    à Abin, segundoa Polícia Federal foi pega gravando o suspeito, a ponto de ele ter registrado ocorrência policial por ameaça. Não se esclarece como isso ajudaria Jair Renan. Adiciona-se, no entanto, que a alta cúpula da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), naquela época, teria decidido que essa ação não seria registrada em relatório, para que não fossem deixados vestígios. A PF, no entanto, concluiu que o caso “corrobora a instrumentalização da Abin para proveito pessoal”, pois “o intento era produzir provas em benefício do investigado Renan Bolsonaro”. Em seu parecer, a Procuradoria-Geral da República foi um pouco mais clara, mas sem demonstrar exatamente como a Abin estaria favorecendo o filho de Bolsonaro. No documento, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirma que um “agente de confiança de Ramagem, que operava sob suas ordens, exerceu monitoramento, sem motivo legítimo, sobre Allan Lucena, personal trainer de Jair Renan Bolsonaro, com o objetivo de livrar este último de investigações”. Nada além disso. Outra parte que não está clara na decisão é o relato de que, sob o comando de Ramagem, a Abin teria tentado, em 2019, associar Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e “parlamentares federais” (não identificados) ao Primeiro Comando da Capital (PCC), principal facção criminosa do país. Na decisão, Moraes registra “anotações” que, segundo a PF, revelariam “desvirtuamento institucional” de uma operação de inteligência da Abin. A motivação inicial dessa operação, segundo a PF, seria obter informações sobre a ONG Anjos da Liberdade, que defende direitos de presidiários, e sua eventual ligação com o PCC. A entidade havia acionado a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Supremo Tribunal Federal para derrubar uma portaria do Ministério da Justiça que restringia visitas nas penitenciárias federais. A Abin considerava isso um “risco”. A Abin, então, teria verificado visitas da presidente da ONG ao ministro Edson Fachin, em maio de 2019, e ao Senado, em agosto. A PF diz que um arquivo de Word encontrado, sobre a operação, revelaria um “intuito alheio”: a tentativa de associar Moraes, Gilmar e parlamentares ao PCC. O conteúdo desse arquivo permanece em sigilo e os detalhes de como isso teria sido engendrado não ficam claros na decisão e nos excertos da PF citados por Moraes. O delegado da investigação diz que a suposta tentativa de associar o PCC às autoridades “pode ter sido reação em razão das ações realizadas no cumprimento de seu mister constitucional”. Outro arquivo encontrado apresentaria “vinculação [do PCC] com outra com outra Pessoa Politicamente Exposta, mas de posição política oposta aos referidos acima”. Não fica claro quem seria essa outra pessoa. A PF então conclui: “a ação transparece, dessa forma, o desvio da finalidade das operações de inteligência do campo técnico para o campo político, servindo para interesses não republicanos, diversos da produção de inteligência de Estado”. Ao analisar o caso, a Procuradoria-Geral da República detalhou um pouco mais o caso, informando
    que havia uma ação de “vigilância” da Abin sobre uma advogada que representava a ONG junto às instituições. E concluiu também ter ocorrido “distorção, para fins políticos, da providência”, na tentativa de ligar a advogada e os ministros do STF ao PCC, “alimentando a difusão de fake news contra os magistrados da Suprema Corte”. Não é reproduzido nenhum trecho do arquivo, nem se demonstra como os agentes ligados a Ramagem teriam tentado espalhar uma notícia falsa. Os documentos divulgados até o momento – decisão de Moraes e parecer da PGR – também não deixam clara a suposta participação de Ramagem no “monitoramento” dos ex-deputados Rodrigo Maia e Joice Hasselmann; do atual ministro da Educação, Camilo Santana, do PT; e da promotora que chefiava a força-tarefa de investigação da morte da ex-vereadora Marielle Franco.Embora os políticos sejam oponentes ou, no caso de Santana, do partido mais rejeitado por Bolsonaro, a investigação não revela quais vantagens o ex-presidente obteria na alegada vigilância por parte da Abin.

    Além disso, os indícios de que eles eram “monitorados” por espiões são escassos. No caso de Maia e Hasselmann, o que Moraes e a PF descrevem é que, “a pedido de Alexandre Ramagem”, um agente da Abin teria usado o FirstMile para seguir um advogado que participou de um jantar em que estavam presentes Maia, Hasselmann, o vice-presidente do União Brasil, Antônio Rueda, e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Não é informada a data do encontro, nem enfatizado o fato de Torres ser aliado de Bolsonaro ou de que Rueda era dirigente do antigo PSL, ao qual o ex-presidente era filiado.

    O procurador-geral, Paulo Gonet, menciona o caso em um
    parágrafo de seu parecer, afirmando que a PF “também fala no monitoramento injustificado”
    do advogado e que os deputados eram “naquela época tidos como adversários políticos
    do governo”. Novamente, não há data – informação importante, visto que, no
    início do governo Bolsonaro, Maia tinha relação amistosa com o Planalto, como presidente
    da Câmara, e Hasselmann era líder do governo no Congresso.

    O relato sobre o “monitoramento” de Camilo Santana também é superficial. Moraes relata que um agente da Abin, com acesso ao FirstMile, “teria sido flagrado pilotando um drone nas proximidades da residência do então Governador do Ceará”. Novamente, não se informa a data, e o trecho do relatório da PF citado pelo ministro é confuso:

    168. A ausência dos artefatos motivadores, nos termos anotados
    no arquivo “Defesa Prévia – PM.docx”, resultou inclusive na solicitação de
    inclusão na condição de investigados no Processo Administrativo Disciplinar dos
    altos gestores da Abin: Del. Carlos Afonso e Del. Alexandre Ramagem e Ofc. Frank
    Marcio justamente em razão da falta dos artefatos motivadores da ação de
    inteligência posto que a ação de monitorar o então Governador do Ceará CAMILO
    SANTANA com drones que, não seria uma operação de inteligência dada a ausência
    dos artefatos, mas uma “simples ação de inteligência de acompanhamento”.
    (f. 75)”

    Outro episódio relatado e pouco esclarecido na investigação relaciona-se
    à promotora do caso Marielle. Moraes diz que, com o “monitoramento” dela, “ficou
    patente a instrumentalização” da Abin. O que a PF registra é que a Controladoria-Geral
    da União (CGU), órgão de fiscalização interna do Executivo, “identificou no
    servidor de impressão resumo do currículo” da promotora. O documento teria a
    mesma “identidade visual” de relatórios “apócrifos” que seriam produzidos pelo
    grupo de Ramagem dentro da Abin – não se esclarece que documentos eram esses, por
    que seriam ilegais e onde foram encontrados.

    O caso com as digitais de Ramagem

    A parte mais complicada da decisão se refere a uma suposta atuação de Ramagem, em 2021, para anular um processo administrativo disciplinar (PAD) que tramitava contra dois agentes da Abin e que levariam a uma provável demissão. Segundo a PGR, eles teriam conhecimento do uso irregular do FirstMile, e estariam intimidando Ramagem para se livrarem da dispensa.

    Assim, teriam obtido de Ramagem a anulação do procedimento e
    ainda uma licença para tratar de assuntos particulares. Os dois servidores foram
    demitidos posteriormente, em outubro do ano passado, quando foi deflagrada a
    primeira fase da operação da PF para investigar a Abin.

    O relato da PF diz que, em 31 de agosto de 2021, o PAD foi
    retirado da assessoria jurídica da Abin “sem qualquer motivação idônea e
    indevidamente encaminhado para o Gabinete do Diretor Del. Alexandre Ramagem para
    ‘julgamento'”. A PF diz que o processo deveria ter sido encaminhado para o ministro
    da Casa Civil, que decidiria pela demissãodos funcionários.

    “O ato administrativo da ‘revogação inversa’ por meio de
    decisão breve desligada do ordenamento jurídico ‘transformou’ o julgamento
    em ‘procedimento’. O procedimento com efeito revogatório foi a descontinuidade da
    comissão natural e a designação de outra comissão desfazendo inclusive acusação
    do processo demissional”, descreve a PF, referindo-se à revogação do PAD.

    Ramagem, ainda segundo a PF, teria fabricado uma avaliação interna na Abin, em 2021, para encobrir e apagar as evidências do uso supostamente inadequado do FirstMile. “O sistema First Mile, por oportuno, foi utilizado no período de 06/02/2019 até 27/04/2021 conforme Logs disponíveis. Em outras palavras, a ‘legalidade’ na aquisição e uso da ferramenta foi declarada em momento posterior ao uso e o entendimento, sem motivação declarada, foi alterado em 16/08/2021”, diz a PF.

    Delegado que é diretor da Abin criticou investigação

    Uma parte do relatório da PF registra que um delegado da própria
    corporação, Alessandro Moretti, e que atualmente ocupa o segundo cargo mais importante
    na Abin, de diretor-adjunto, criticou a investigação sobre a agência conduzida
    por Alexandre de Moraes. Segundo a PF, ele teria realizado uma reunião com os
    investigados no caso, em março do ano passado, e dito a eles que a investigação
    sobre a Abin teria “fundo político e iria passar”.

    A PF ainda registra que, numa sessão da Comissão Mista de
    Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), do Congresso, a Direção da Abin
    teria declarado que a investigação de Moraes sobre a agência estaria relacionada
    a “politização e disputas mesquinhas de poder com a Inteligência de Estado”.

    O delegado do caso criticou essa postura da atual direção da
    Abin. Escreveu que haveria um “possível conluio de parte dos investigados com a
    atual alta gestão da ABIN cujo resultado causou prejuízo para presente investigação,
    para os investigados e para própria instituição”.

    Em alguns trechos, ele justifica a necessidade de busca e apreensão
    contra Ramagem e outros funcionários federais para elucidar pontos não esclarecidos
    da investigação. Ele também pediu o afastamento do deputado do mandato, o que
    não teve a concordância da PGR e foi negado por Moraes. A PGR, aliás, antes de
    se manifestar a favor da busca e apreensão, solicitou da PF informações adicionais
    para formar sua posição sobre o pedido.

    Nesta quinta-feira (26), após a operação, Ramagem disse em entrevistas à CNN e GloboNews que a investigação é baseada em uma “mistura de narrativas sem um conjunto probatório a levar a uma perseguição e um assassinato de reputação”.

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