quarta-feira, 3 julho, 2024
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    Crítica de Gilmar Mendes esmiúça necessidade de provas sobre “narcomilícia evangélica”


    Parlamentares pertencentes à Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional (FPE) manifestaram descontentamento com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pela afirmação acerca da existência de uma “narcomilícia evangélica” no estado do Rio de Janeiro. De acordo com os congressistas ouvidos pela reportagem, é imprescindível que o magistrado forneça evidências adicionais sobre a questão e, com base nisso, o STF então deve proceder com a investigação dos envolvidos. Caso Mendes não consiga fundamentar suas alegações, é esperado que peça desculpas aos evangélicos, conforme alegam os parlamentares.

    O comentário controverso de Gilmar Mendes ocorreu em uma entrevista à GloboNews, na terça-feira (12). Ele declarou: “O ministro Luís Roberto Barroso presidiu uma reunião extremamente técnica sobre essa questão, e um dos palestrantes mencionou algo que raramente se ouve: uma ‘narcomilícia’ evangélica, aparentemente no Rio de Janeiro, onde há um acordo entre traficantes de drogas e milicianos ligados ou incorporados a uma rede evangélica”.

    Questionada pela reportagem sobre os comentários do ministro, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) exigiu que Gilmar Mendes apresente provas sobre o tema e que seja iniciada uma investigação por parte do STF acerca da existência dessa suposta “narcomilícia evangélica”.

    “Eu espero que esse juiz, no Supremo Tribunal, tenha fornecido as evidências. Eu espero que o Supremo Tribunal investigue. Porque dentro da comunidade evangélica não existe tráfico de drogas. A comunidade evangélica é pacífica, é devota da cruz, que ama este país. Se porventura houver alguém que se envolveu com o tráfico, essa pessoa deve ser investigada e levada à justiça”, afirmou a senadora à Gazeta do Povo.

    Durante uma sessão na CCJ do Senado, o senador Magno Malta (PL-ES) também solicitou ao ministro do STF os nomes dos pastores que teriam conexões com milícias e afirmou que o magistrado deveria se retratar pela afirmação.

    “Com base em que, ministro? Revele os nomes dos evangélicos envolvidos com o tráfico. O senhor deve um pedido de desculpas a esta nação cristã, de evangélicos, de homens e mulheres […] Identifique, ministro. Quem são os traficantes evangélicos? Quem são os pastores?”, questionou o senador.

    STF sempre atende solicitações da esquerda: “Ultraje aos evangélicos”, critica deputado

    Além das indagações sobre a identidade dos suspeitos, a declaração de Gilmar Mendes foi percebida como preconceituosa dentro e fora do Congresso. Dentro do próprio Supremo Tribunal houve reações. O ministro André Mendonça caracterizou a declaração como “grave, discriminatória e preconceituosa”.

    “Posso afirmar, com muita segurança, que se há uma comunidade evangélica nesse país, ela é formada por mais de um terço da população, que se dedica sistematicamente a evitar a entrada ou retirar pessoas do universo do crime, especialmente aqueles ligados ao tráfico e consumo de drogas, que tanto sofrimento causam às famílias brasileiras”, argumentou Mendonça.

    O preconceito também foi apontado de maneira individual e coletiva no Congresso Nacional. Membro da bancada evangélica, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) afirmou à Gazeta do Povo que falar em “narcomilícia evangélica” representa um “ultraje” à comunidade evangélica.

    “Nunca vimos integrantes da mais alta Corte de Justiça do país com tanto preconceito religioso. Que triste, em pleno século XXI, ter autoridades que pensem assim. Alguns ministros do STF não têm o menor pudor quando abordam esses assuntos e, sem dúvida, sempre atendem a pedidos de partidos de esquerda. É um ultraje aos evangélicos”, criticou o deputado.

    A Frente Parlamentar Evangélica também emitiu uma declaração conjunta acerca das afirmações de Gilmar Mendes sobre uma “narcomilícia evangélica”. Em comunicado publicadoneste dia 13, o colegiado afirma que “tal declaração, mesmo direcionada a um estado da federação, além de difamar a instituição da Igreja Cristã Evangélica, sugere a incriminação e desvalorização do relevante serviço religioso prestado por cerca de 70 milhões de brasileiros em todo o território nacional”.

    Além dos legisladores, o líder religioso Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC), também exigiu que Gilmar Mendes indicasse quem eram os envolvidos e caracterizou a fala do magistrado como “leviana”.

    “Dê nomes, ministro. É uma acusação leviana e preconceituosa. Veja como as manchetes dos jornais são publicadas. A maior parte da população brasileira só lê manchetes. Veja como estamos sendo difamados. Nós representamos mais de 30% da população da cidade, o maior grupo religioso da cidade do Rio de Janeiro”, expressou Malafaia.

    Afirmação sobre “narcomilícia evangélica” gera acirramento entre Poder Legislativo e Judiciário

    A declaração do decano no STF acontece em um período delicado na relação entre Poder Legislativo e Judiciário. Com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2023 – que veda a posse e o porte de qualquer tipo ou quantidade de droga no Brasil – em fase de tramitação no Senado, o Legislativo busca controlar o Judiciário quanto às questões de hábitos.

    Atualmente, a Corte está analisando um caso que pode ratificar a descriminalização do porte de maconha para uso próprio no país. Até o momento, a votação está em 5 votos a 3 nesse sentido. O ministro Dias Toffoli solicitou mais tempo para análise na semana passada, adiando o prosseguimento do julgamento.

    Mesmo ainda carecendo de aprovação pelo plenário do Senado, nos bastidores, deputados federais já preveem que a proposta será aprovada e seguirá para a Câmara. Caso a proposta seja aceita, os parlamentares acreditam que o Supremo será obrigado a retroceder, inicialmente, o que também pode ocorrer em outras pautas relacionadas aos hábitos.

    O presidente da Frente Parlamentar Evangélica no Senado, Carlos Viana (Podemos-MG), afirmou à equipe de reportagem que a postura do decano do STF, somada aos recentes julgamentos sobre aborto e descriminalização do porte de maconha, indica que a Suprema Corte adotou uma postura ativista.

    “Estamos em um momento em que a questão de contrapesos e limites ficou para trás. O Supremo, que sempre teve o papel de esclarecer questões obscuras, agora, com suas decisões, está criando novas leis”, disse o senador.

    Na opinião do cientista político Adriano Cerqueira, docente do Ibmec de Belo Horizonte, a fala de Gilmar Mendes mencionando uma “narcomilícia evangélica” é um posicionamento “isolado” dentro do STF, mas ganha repercussão devido ao momento atual de embate entre Judiciário e Legislativo.

    “É uma manifestação que tende a ser algo isolado, eu diria, porém, tem uma repercussão bastante negativa no Congresso, em função da reação mais conservadora contra essa agenda progressista que o STF aparenta querer implantar, especialmente por parte do [ministro Luiz Roberto] Barroso”, pontuou Cerqueira.

    O analista político Luan Sperandio, dirigente de Operações do Ranking dos Políticos, avalia que o incidente contribui para o afastamento entre os dois poderes. Ele menciona um levantamento realizado pelo próprio Ranking que revelou que 54,9% dos deputados e 42,9% dos senadores têm uma visão negativa sobre o desempenho dos ministros do STF como um todo.

    “Naturalmente, a afirmação do ministro não ajuda a melhorar essa percepção de uma parcela significativa dos parlamentares que representam esse grupo religioso”, comentou.

    Ao abordar o poder de pressão da bancada em projetos relacionados aos hábitos, Sperandio reconhece a força política do grupo. No entanto, destaca que a bancada perde força devido àfalta de uma “pauta prioritária”.

    “Essa bancada se mobiliza de maneira bastante enfática e veemente diante dos pilares de suas premissas, como debates envolvendo a descriminalização do aborto e das drogas”, afirmou.

    “No entanto, a influência e articulação dessa bancada são um pouco superestimadas, pois toda essa força e mobilização se dispersam devido à ausência de uma pauta prioritária e de ações mais coordenadas e constantes por parte dos parlamentares que compõem esse grupo”, declarou o analista.

    Ele acrescentou que o Supremo Tribunal Federal começou a legislar, papel que cabe ao Parlamento. Entre os evangélicos, temas como esses, drogas e aborto, são bastante relevantes e acabam contribuindo para uma deterioração da imagem do Supremo Tribunal brasileiro.

    Criminalidade e religião no Rio de Janeiro

    A declaração de Gilmar Mendes sobre a “narcomilícia evangélica” levanta a questão: será que há de fato alguma ligação entre religião e milícias no estado do Rio de Janeiro? Questionado sobre esse assunto, o antropólogo e ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) Paulo Storani, autor do livro “Vá e Vença” (Ed. Best Seller, 2018), explica que essa correlação existe, ainda que seja localizada na Cidade Alta, Zona Norte do Rio. A região é formada por comunidades como Cidade Alta, Vigário Geral, Parada de Lucas, Cinco Bocas e Pica-pau.

    Segundo ele, “os criminosos do Complexo de Israel, Zona Norte do Rio, impedem a instalação de outras religiões, especialmente as de matriz africana, na localidade, por se identificarem com denominações pentecostais”. O líder dessa localidade, conhecido como Peixão, se declara evangélico e adornou as bandeiras de Israel por toda parte.

    Outro ponto ressaltado por Storani é que essa região já não é mais controlada por milícias propriamente ditas, como afirmou Gilmar Mendes, mas por criminosos que atuaram para o tráfico e assumiram o controle da milícia posteriormente.

    “Não há mais agentes do Estado liderando milícias. Isso acabou. Foram os próprios residentes que, antes ligados ao tráfico, passaram a integrar as fileiras da milícia, ascenderam nas estruturas hierárquicas dessas organizações e passaram a liderá-las. Pode existir uma conexão entre os pastores e essa criminalidade? Pode. No entanto, quando o [ministro do] STF menciona as milícias, estão se referindo ao modelo antigo – composto por policiais e ex-policiais – que já não existe mais”.

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