sexta-feira, 5 julho, 2024
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    De que maneira o novo IVA dual brasileiro deverá afetar nas importações indiretas?



    Território Aduaneiro

    Conforme é sabido, a reforma tributária do consumo foi aprovada no final do ano passado pelo Congresso, resultando na promulgação da Emenda Constitucional (EC) no 132. [1] Em síntese concisa, a EC prevê a substituição de ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI por um IVA [2] dual, de competência da União (Contribuição sobre Bens e Serviços — CBS) e dos estados e municípios (Imposto sobre Bens e Serviços — IBS).

    Apesar de a Constituição conter vários dispositivos sobre os novos tributos, não há uma definição clara sobre sua materialidade [3], tanto em operações internas quanto em importações – e, consequentemente, menos ainda nas importações indiretas [4].

    Dessa forma, espera-se que a lei complementar [5] que estabelecerá a CBS e o IBS — cujo texto está atualmente em debate pelos Grupos de Trabalho designados pelo Governo Federal [6] — aborde a incidência desses tributos.

    No entanto, antes de explorar as opções disponíveis para o legislador complementar, é importante apresentar uma breve descrição das formas de importações indiretas e das incidências dos tributos nessas transações.

    Das maneiras de importar

    Um aspecto fundamental para entender o conceito de importação é sua não vinculação a um contrato específico. Importar consiste simplesmente em trazer um bem para dentro de um determinado território, independentemente do contrato realizado antes da importação.

    Assim, a importação requer um contrato, mas não se confunde com ele. O importador brasileiro pode ser o comprador do bem (ou seja, ter firmado um contrato de compra e venda com o exportador), o locatário (se alugou o bem), o donatário (se recebeu o bem como doação), entre outros.

    Feita essa diferenciação entre o ato de importar e o contrato subjacente (compra, locação, etc.), uma pessoa física ou jurídica interessada em ter um bem no território nacional pode: (a) tanto importar quanto realizar o contrato, (b) terceirizar a importação mantendo o contrato consigo, ou (c) terceirizar tanto a importação quanto o contrato.

    No primeiro caso, trata-se de uma importação direta, enquanto os demais representam, respectivamente, uma importação por conta e ordem e uma importação por encomenda.

    Dito de outra forma, a importação será direta quando uma pessoa (física ou jurídica) brasileira realiza tanto a importação quanto o contrato. Em outras palavras, temos um importador-comprador, importador-locatário, importador-arrendatário, e assim por diante.

    Por outro lado, a importação indireta consiste na terceirização do ato de importar. Assim, o interessado em trazer um bem para o território aduaneiro pode fazer a importação diretamente ou contratar um terceiro para realizar o processo de importação em seu nome.

    Atualmente, existem duas formas de importação indireta previstas na legislação aduaneira. Na primeira delas, conhecida como importação por conta e ordem (de terceiros), o interessado em trazer o bem para o território aduaneiro contrata uma pessoa jurídica importadora para realizar a importação em seu nome.

    Dessa forma, apenas…a compra e venda, permanecendo o negócio jurídico sendo realizado por aquele quem contratou o terceiro importador (chamado pela legislação de “real adquirente”).

    Na segunda, denominada importação por encomenda, o terceiro contratado não apenas efetua a importação, como também o negócio jurídico subjacente, de modo que aquele que lhe contratou (denominado “encomendante”) acaba adquirindo, no Brasil, a mercadoria de procedência estrangeira de pessoa jurídica importadora.

    Dito isso, passamos ao exame das ocorrências fiscais nas importações indiretas.

    Das ocorrências de II, IPI, PIS, Cofins e ICMS

    Como mencionado anteriormente, nas modalidades de importação indireta há a contratação de um terceiro (normalmente, empresas conhecidas como “trading companies”) para efetuar (a) a importação apenas, no caso da conta e ordem, ou (b) a importação e o negócio jurídico de aquisição internacional de bem, no caso da encomenda.

    Nesse sentido, a empresa contratada é quem figura na qualidade de importadora perante a Receita Federal. Por essa razão, será ela a contribuinte do Imposto de Importação [7], IPI-importação [8] e PIS/Cofins-importação [9].

    Já em relação ao ICMS, ficou definido pelo Tema 520 de repercussão geral, julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que o contribuinte será (a) o real adquirente, nos casos de importação por conta e ordem, e (b) o importador, quando se tratar de importação por encomenda [10].

    Já na etapa seguinte, que envolve a entrega da mercadoria ao contratante, por parte da trading company, os tributos atuais incidem da seguinte forma:

    Importação por conta e ordem: recolhimento de IPI sobre o valor do bem e PIS/Cofins apenas sobre a receita de serviço do importador [11]. Não há incidência de ICMS e PIS/Cofins sobre o valor do bem. Como o importador acumularia muito crédito de PIS/Cofins, a legislação estabelece que o montante pago na importação deve ser creditado diretamente pelo real adquirente; e
    Importação por encomenda: recolhimento de IPI, ICMS e PIS/Cofins com base no valor do bem revendido ao encomendante predeterminado.

    Como se vê, os atuais tributos sobre o consumo se comportam de maneira diferente a depender do tipo de importação e, mesmo em uma modalidade, podem incidir de modo diverso. E tais especificidades precisam ser pensadas na escolha do melhor modelo para a CBS e o IBS.

    Das propostas para o IVA dual

    Caso os atuais tributos sobre o consumo incidissem da mesma forma nas operações indiretas, seria natural que este fosse o ponto de partida para a definição dos novos tributos. Contudo, como hoje não há uniformidade (e, considerando que essa uniformidade deverá existir nos novos, como dito anteriormente), entendemos que há dois pontos de partida para a futura lei complementar: o Projeto de Lei no 3887/2020 e a minuta de lei complementar do IBS [12], elaborada pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) [13].

    Começando pelo trabalhado elaborado pelo CCiF sobre o IBS, destacam-se os seguintes trechos:

    “1.2.11. Outro critério relevante para o fato gerador é a onerosidade, conceito presente em vários artigos do Código Civil. Será tributado pelo IBS todo o negócio jurídico em que haja uma contraprestação, seja ou não em dinheiro, aos bens e serviços que são objetos do negócio jurídico. Esta onerosidade nãonecessariamente resulta em a contrapartida dever ser em dinheiro, porém também inclui qualquer bem ou serviço que possa ser convertido em pecúnia (como no caso de troca ou permuta).

    1.2.12. O fato gerador igualmente deve ocorrer no desenvolvimento de atividade econômica, que deve ser compreendida em sentido abrangente, abrangendo não apenas as atividades empresariais, de acordo com o art. 966 do CC, mas igualmente toda exploração de atividades econômicas realizadas de maneira costumeira e habitual (por exemplo, atividades realizadas por pessoas físicas e profissionais liberais).

    1.2.13. O fato gerador deve englobar as importações, uma vez que o IBS é imposto que deve ser cobrado no destino. Nesse caso, a importação não exige o critério de ocorrer no desenvolvimento de atividade econômica e será tributada sempre que ocorrer a entrada de bens ou serviços de procedência estrangeira no território nacional.” (sem destaques no original)

    A proposta do CCiF, portanto, desvincula as materialidades do IBS em operações internas e importações. Enquanto nas operações domésticas há a exigência de um negócio jurídico oneroso, nas importações, o fato gerador ocorrerá pela simples entrada do bem no território nacional. A respeito disso, confira-se o artigo 1º da mencionada minuta de lei complementar:

    “Art. 1º O fato gerador é a realização de negócio jurídico, oneroso, no desenvolvimento de atividade econômica, ou a importação, que tenha por objeto bem material ou imaterial, compreendidos os direitos, ou serviço, incluindo, mas não se limitando a:
    I – alienação;
    II – troca ou permuta;
    III – locação;
    IV – cessão, disponibilização, licenciamento;
    V – arrendamento mercantil; e
    VI – prestação de serviço.” (sem destaques no original)

    Tal proposta é bastante preocupante, devendo ser rejeitada. Primeiramente porque há manifesto risco de violação à cláusula do tratamento nacional [14], especialmente nas importações sem cobertura cambial [15].

    Em segundo lugar, os Estados [16] tentaram adotar essa mesma linha de raciocínio para o ICMS e foram impedidos pelo STF, que decidiu que o imposto estadual não pode tributar operações de circulação diversas na importação e na saída doméstica [17]. É indispensável a transferência de titularidade para incidir o ICMS, mesmo na operação que se inicia no exterior.

    Apesar do risco apontado, caso a ideia do CCiF venha a prevalecer, parece-nos que o importador seria o contribuinte do IBS, independentemente se importação direta, por conta e ordem ou encomenda.

    No caso de importações por conta e ordem de terceiros, como a base de cálculo do IBS-importação será o valor aduaneiro [18], é de se supor que as trading companies experimentarão enorme acúmulo de créditos, visto que os negócios jurídicos por elas praticados (prestação de serviços) representarão uma pequena fração do valor das mercadorias importadas. Neste caso, imagina-se que a aposta do CCiF fique por conta da rápida devolução dos créditos acumulados no novo regime [19].

    Quanto à CBS, vale transcrever o disposto no Projeto de Lei no  3887/2020:

    “Art. 61. A CBS incide sobre a importação de bens e de serviços do exterior.
    (…)
    Art. 64. São contribuintes da CBS incidente sobre a importação de bens:
    I – o importador, assim considerada a pessoa natural ou jurídica que promova a entrada debens importados no território nacional;
    (…)
    Art. 65. São responsáveis solidários pelo pagamento da CBS incidente sobre a chegada de mercadorias, inclusive dos acréscimos e das penalidades cabíveis:
    I – o comprador de mercadoria estrangeira, na situação de importação feita por sua solicitação, por meio de entidade jurídica importadora;
    II – o cliente previamente estabelecido que compra mercadoria de origem estrangeira de empresa importadora;
    (…)
    Art. 67. O valor usado como base de cálculo da CBS incidente sobre a importação de bens é o valor aduaneiro.
    (…)
    Art. 82. A empresa sujeita à CBS incidente conforme o Capítulo II poderá utilizar crédito equivalente ao montante da CBS realmente paga na importação de bens ou serviços.”

    Como se percebe, mais uma vez, a intenção foi designar o importador como contribuinte, mesmo em transações indiretas. Dessa forma, se essa lógica prevalecer, o importador por solicitação e ordem pagará a CBS sobre o valor aduaneiro da mercadoria, usará créditos e, ao entregar o produto ao comprador, não terá dívidas suficientes da contribuição, acumulando créditos da mesma forma como proposto pelo CCiF.

    Conclusões

    Caso o modelo proposto pelo CCiF e pelo Poder Executivo antes da aprovação da Emenda Constitucional no. 132 prevaleça para as importações indiretas, teremos que:

    as trading companies serão contribuintes do IBS e da CBS na ocasião das importações, tanto em operações por solicitação e ordem, quanto por encomenda;
    tanto compradores reais quanto encomendantes serão responsáveis tributários em relação ao IVA dual;
    nas importações, os valores aduaneiros servirão de base de cálculo da CBS e do IBS;
    as empresas importadoras poderão utilizar créditos relativos aos tributos pagos na ocasião das importações;
    no caso de importações por encomenda, a revenda ao encomendante previamente estabelecido será considerada fato gerador da CBS e do IBS, reduzindo a possibilidade de acumulação de créditos; e
    no caso de importações por solicitação e ordem, como a transação feita pela importadora é uma prestação de serviços desvinculada do valor do bem, há um grande potencial para acumulação de créditos.

    Essa solução não parece adequada, principalmente devido à falta de clareza quanto à facilidade e agilidade na devolução dos créditos. A nosso ver, seria melhor adotar o modelo atual do PIS/Cofins, no qual o crédito do imposto pago na liberação aduaneira é aproveitado pelo comprador real, ou o modelo do ICMS, no qual o comprador real é o contribuinte do imposto e não o importador.

    Entre essas duas alternativas, a que deriva da decisão tomada pelo STF no Tema 520, para o ICMS, parece ser a melhor opção, pois unifica as características da CBS e do IBS entre transações internas e importações, evitando disputas judiciais desde já para os novos impostos.

    _______________________________________________

    [1] A Reforma Tributária e os tributos sobre o comércio exterior tem sido objeto de artigos publicados nessa coluna por Liziane Meira, Fernanda Kotzias e, após a EC 132/23, em coautoria, por Fernando Pieri e Daniela Lacerda, esse publicado em 16/01/24, disponível em: link

    [2] Imposto sobre valor adicionado.

    [3] Usa-se o termo materialidade no singular para os dois tributos em atenção ao disposto no artigo 149-B, I, da Constituição da República.

    [4] Nos termos da Instrução Normativa no 1861/2018, da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB).

    [5] É esperado que exista uma única legislação, mesmo havendo a possibilidade de uma norma para cada tributo.

    [6] Provavelmente essa responsabilidade está a cargo do GT1.

    [7] Artigo 31, I, do Decreto-lei número 37/1966.

    [8] Artigo 24, I, do Regulamento do IPI – RIPI.

    [9] Artigo 5º, I, da Lei número 10.865/2004.

    [10] Isso acontece pois a materialidade do imposto não está na importação, mas sim na realização de operação de circulação (jurídica) de bem.

    [11] Além do ISS, dependendo do Município.

    [12] Disponível em

    [13] Visto que o projeto que resultou na Emenda Constitucional 132 foi elaborado pelo CCiF, parece apropriado considerar também os estudos do think tank para a legislação complementar.

    [14] Está previsto no GATT/OMC, proibindo um tratamento mais favorável ao produto nacional em relação ao mesmo produto quando importado.

    [15] Além das incertezas sobre a base de cálculo, em um contrato de aluguel internacional, por exemplo, o IBS deverá ser pago com base no valor aduaneiro do bem alugado ou sobre o valor das parcelas pagas como aluguel? Ou em ambos?

    [16] Baseando-se na literalidade da Lei Complementar número 87, inclusive.

    [17] Conhecido como “Caso TAM”, RE 540.829. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7261072, acesso em 10/03/24.

    [18] Sobre esse tema, há uma lacuna na proposta de redação do artigo 16, que não menciona explicitamente o valor aduaneiro, como ocorre no item 9.2.3.

    [19] O prazo dessa definição será estabelecido em legislação complementar, conforme o disposto no artigo 156-A, § 5º, III, da Constituição da República.

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