segunda-feira, 1 julho, 2024
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    Decisão do TSE para as Eleições 2024 desafia Marco Civil da Internet


    A deliberação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de estipular, através de uma determinação, que as plataformas digitais possam ser penalizadas caso não retirem do ar conteúdos considerados prejudiciais à transparência das próximas eleições está sendo percebida por juristas e entidades ouvidos pela Gazeta do Povo como uma séria ameaça à liberdade de expressão, além de confrontar o Marco Civil da Internet e de avançar sobre prerrogativas do Poder Legislativo.

    Por meio de uma nota técnica, o Instituto Sivis, organização civil dedicada à promoção dos valores democráticos no país, alerta para a possibilidade de censura prévia a partir do que foi estabelecido pelo TSE. A entidade recorda que o Marco Civil da Internet está em vigor há 10 anos e prevê a responsabilização dos provedores somente mediante ordem judicial específica, ou seja, quando um juiz determina a remoção de um conteúdo e a plataforma não cumpre a decisão.

    O instituto destaca ainda haver evidente invasão da Corte sobre competência exclusiva do Congresso para legislar sobre temas como fake news (notícias falsas), discurso de ódio e recursos modernos de inteligência artificial e de distorção da realidade no meio online, principalmente o deepfake – criação de imagens, vídeos ou voz de pessoas reais fazendo ou falando coisas que não fizeram ou falaram.

    “É de suma importância que a sociedade, incluindo jornalistas e defensores de direitos humanos, seja ouvida sobre questões que impactam a liberdade de expressão e a integridade democrática”, destaca Henrique Zétola, presidente do instituto.

    A crítica do Sivis centra-se no artigo 9º-E da Resolução Eleitoral 23.732/24 do TSE. Esse trecho menciona que as plataformas da internet, como as redes sociais, serão “solidariamente responsáveis”, civil e administrativamente, se, durante o período das Eleições 2024, não removerem imediatamente conteúdos e contas considerados de risco pela Corte. Os ministros do TSE consideram casos “de risco”:

    • Comportamentos, informações e atos que atentem contra instituições democráticas e o processo eleitoral;
    • Divulgação ou compartilhamento de “fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos”;
    • “Grave ameaça, direta e imediata, de violência ou incitação à violência contra a integridade física de membros e servidores da Justiça Eleitoral e Ministério Público Eleitoral ou contra a infraestrutura física do Poder Judiciário para restringir ou impedir o exercício dos poderes constitucionais ou a abolição violenta do Estado Democrático de Direito”;
    • “Comportamento ou discurso de ódio, inclusive promoção de racismo, homofobia, ideologias nazistas, fascistas ou odiosas contra uma pessoa ou grupo por preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, religião e quaisquer outras formas de discriminação”;
    • “Divulgação ou compartilhamento de conteúdo fabricado ou manipulado, parcial ou integralmente, por tecnologias digitais, incluindo inteligência artificial”, que estiverem em desacordo com as regras previstas pelo próprio TSE.

    Em fevereiro, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, afirmou que a resolução aprovada pela Corte é uma das “normas mais modernas do mundo” e permitirá que a Justiça Eleitoral tenha “instrumentos eficazes para combater o desvirtuamento nas propagandas eleitorais, nos discursos de ódio, fascistas, antidemocráticos e na utilização de inteligência artificial para colocar na fala de uma pessoa algo que ela não disse”.

    Medida prejudica reações de partidos e candidatos

    O consultor jurídico André Marsiglia, que apoiou o parecer do Instituto Sivis, reconhecea apreensão do TSE em assegurar a estabilidade do Estado de Direito perante o desafio da desinformação, porém teme que a medida adotada com esse propósito possa violar a autonomia de expressão, um pilar essencial para a sustentação do próprio sistema democrático.

    Como complicação, ele recorda que possíveis recursos movidos por candidatos ou partidos contra os efeitos da resolução seriam analisados pela mesma Corte e pelos mesmos ministros que a elaboraram, restringindo a efetividade desses instrumentos judiciais.

    “É necessário, então, apelar para a conscientização dos cidadãos e, principalmente, dos juízes eleitorais sobre os riscos decorrentes da aplicação imprudente destas novas normas, a fim de evitar uma elevação da censura nas eleições de outubro”, afirmou.

    Marsiglia ainda destaca outros fatores relevantes em jogo. “A resolução será posta em prática não apenas pelo TSE, mas por juízes de primeira instância. Como as eleições municipais recebem menos atenção da grande mídia, candidatos locais frequentemente estão sujeitos à crítica de um jornalismo menos estruturado, portanto, mais propenso a ceder à aplicação de normas ainda não devidamente maduras”, observou.

    Marco Civil da Internet está em análise pelo STF

    O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) e ex-presidente do TSE Marco Aurélio Mello vem chamando atenção nas últimas semanas, por meio de entrevistas à imprensa, para a necessidade de a Corte Eleitoral brasileira se ater neste ano à sua função fundamental, de mera coordenadora da disputa eleitoral.

    Para ele, a série de 12 resoluções emitida pelo TSE para regular as Eleições 2024 resultará em retrocessos à democracia, pois suas consequentes regulamentações estariam sendo ditadas sem respeitar os limites do Judiciário estabelecidos pela Constituição.

    O advogado especializado em cidadania digital e temas relacionados à tecnologia Hélio Ferreira Moraes afirma que a resolução do TSE que busca regular a inteligência artificial nas eleições, na prática, revoga dispositivos do Marco Civil da Internet, descaracterizando a essência de uma lei aprovada pelo Congresso há 10 anos.

    Embora reconheça que o Congresso ainda não tenha deliberado sobre uma legislação específica para combater a desinformação em plataformas online, ele entende que essa alegada omissão dos parlamentares não justifica conceder aos tribunais superiores poderes para desconsiderar outras esferas de competência.

    “Não vislumbro nas medidas adotadas também uma solução clara para essa questão complexa. Acredito ser necessária uma regulamentação e a discussão está hoje polarizada entre a defesa da ausência total de regras e uma intervenção excessiva, partidarizada e perigosa”, avaliou.

    O STF também está analisando mudanças relacionadas à regulação das plataformas digitais, inclusive a possibilidade de revogação do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que exime as empresas de tecnologia da responsabilidade sobre publicações feitas por terceiros.

    “Em 12 anos aconteceram muitas coisas, e evidentemente temos que revisitar para adaptar às novas realidades”, disse o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, em um evento em 8 de março, ao comentar sobre uma eventual atualização do Marco Civil da Internet. Contudo, ainda não há uma previsão para a retomada desse julgamento.

    No Congresso, o tema está sendo abordado no Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como “PL da Censura” ou “PL das Fake News“, mas a tramitação está bloqueada desde meados do ano passado.

    Indecisas, plataformas tenderão à censura

    Para Hélio Moraes, o ideal é o Legislativo estabelecer uma regulação que não tolha a liberdade de expressão. Nesse sentido, ele destaca que a resolução do TSE comete um grave equívoco ao apresentar dois conceitos juridicamente indefinidos e amplamente subjetivos:os ligados à “propagação de dados notadamente falsos” ou “seriamente descontextualizados”. Ao conceder às próprias plataformas a análise dos conteúdos para determinar se houve alguma das situações, o tribunal suscita questões sensíveis.

    “Como um provedor definiria se Bolsonaro pode ser rotulado ou não como genocida ou se Lula pode ser tachado de corrupto ou não? Tudo demanda um critério claro de veracidade, o que é extremamente complicado de estipular”, refletiu.

    Do jeito que está, a responsabilidade conjunta imposta às empresas gera pressão significativa sobre elas, levando-as a remover conteúdo da plataforma para evitar confrontos com tribunais e indivíduos, fortalecendo, assim, a autocensura.

    “O atual mecanismo de responsabilização para meios de comunicação já é rígido, podendo até invalidar candidaturas. Ir além disso pode resultar em restrição excessiva à liberdade de expressão durante o período eleitoral”, criticou.

    Perigos com a “responsabilidade social” dos provedores

    Por fim, o advogado observa que a discussão sobre o papel da inteligência artificial nas eleições é relevante, mas precisa ser abordada com cautela, considerando que o intuito de distorcer informações sempre existiu, envolvendo grupos de diferentes perfis ideológicos e utilizando todos os recursos disponíveis.

    Além disso, Hélio Moraes enxerga com apreensão a ampliação das competências judiciais para deter a disseminação de informações falsas sob o argumento de que os provedores teriam uma responsabilidade social, “um dever que precisa ser claramente estabelecido em conjunto com os critérios para sua aplicação”.

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