sexta-feira, 5 julho, 2024
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    Declaração Global dos Direitos Humanos: liberdades para o passado

    A ligação entre o que as normas dizem que deve ser e a realidade na qual atuam é sempre complexa, especialmente no contexto internacional, no qual o Poder, que torna o Direito factível, está distribuído de forma individual e desigual entre os seus principais intervenientes. No campo dos direitos humanos, estas dificuldades são ainda mais evidentes, pois trata-se de um assunto que naturalmente esbarra nas tradicionais sensibilidades das soberanias ao representar uma intromissão nos valores internos e na organização da vida coletiva.

    Devido à complexidade destes desafios, é possível afirmar que são três as maneiras pelas quais se estruturou a forma de enfrentar a resistência que a realidade internacional apresenta à afirmação global dos direitos humanos: promoção, controle e garantia (1).

    A promoção visa difundir e consolidar o valor dos direitos humanos, através da disseminação do seu conhecimento e da ação pedagógica da educação, contemplada no artigo 26 – 2 da Declaração Universal. A política da cultura dos direitos humanos é reforçada com o estabelecimento de padrões (definição de padrões), resultado dos inúmeros instrumentos legais previamente mencionados, quer sejam os de proteção geral, quer sejam os de proteção particularizada. Além dos compromissos jurídicos neles contemplados, fazem parte da política da cultura dos direitos humanos, pois alargam a compreensão dos direitos e liberdades, o que é fundamental para o seu cumprimento pleno, como observa o último considerando do Preâmbulo da Declaração Universal.

    O controle, por sua vez, monitoriza o cumprimento, pelos Estados, dos compromissos por eles assumidos no campo dos direitos humanos. Uma vertente deste monitoramento passa por relatórios independentes, comunicações inter-estatais e também por petições individuais no âmbito dos Comitês de Peritos previstos nos grandes tratados de direitos humanos inspirados, como foi visto, pela política de Direito instaurada pela Declaração Universal. Os Comitês de Peritos, como órgãos de monitoramento, atuam na condição de terceiros independentes em prol do direito cosmopolita dos direitos humanos e exercem funções quase judiciais, em especial quando têm competência para examinar petições individuais.

    Outra vertente do monitoramento passa pela ação das organizações não governamentais dedicadas aos direitos humanos que se multiplicaram e cresceram em importância nas últimas décadas. São uma expressão da política de cultura dos direitos humanos que a Declaração Universal contribuiu para reforçar. Além da promoção, ONGs como a Anistia Internacional ou a Human Rights Watch têm um papel no monitoramento em função dos relatórios sobre a situação dos direitos humanos em distintos países, que preparam e divulgam regularmente. Na estruturação da agenda internacional, estas ONGs assinalam o papel que hoje têm na vida mundial, no campo dos valores uma sociedade civil transnacionalmente organizada. Com efeito, a diplomacia dos Estados não pode, na conectividade do mundo contemporâneo, ignorar o peso da opinião pública.

    Na promoção e no controle opera a orientação direcional da influência que atua por meio da dissuasão, do desencorajamento e do condicionamento. Promoção e controle reforçam uma das funções que desempenha o Direito Internacional Público, que é o de informar aos protagonistas da vida internacional qual é o padrão juridicamente aceitável de conduta.

    A garantia, em sentido estrito, é a que provém de uma autêntica tutela jurisdicional. Esta repara ou sanciona judicialmente as violações de direitos humanos. A judicialização dos direitos humanos tem vindo a afirmar-se a nível regional — na Europa e nas Américas. A nível mundial, tem encontrado espaço no campo penal com os dois tribunais ad hoc, e posteriormente no Tribunal Penal Internacional, que foram previamente discutidos e que respondem às fontes materiais que guardam estreita semelhança com as que levaram à Declaração Universal.

    Como se pode verificar, há uma construção significativa dos alicerces do templo dos Direitos Humanos. No entanto, apesar do progresso verificado, subsistem resistências significativas ao processo de plena afirmação dos direitos humanos a nível internacional. Não se trata, em resumo, de um processo linear. Está sujeito a descontinuidades. Requer tempos longos. Enfrenta as seletividades políticas dos interesses de “razão-de-Estado”, interesses que são discricionários na avaliação e no peso atribuído ao descumprimento de normas por distintos países.

    Daí os problemas que, ao longo dos anos, surgiram no funcionamento da Comissão de Direitos Humanos da ONU. Estes problemas levaram à proposta institucional formulada por Kofi Annan, como secretário-geral da ONU em 2005, de substituição da Comissão por um Conselho de Direitos Humanos. Neste contexto das dificuldades, é importante observar que, apesar das mudanças institucionais, o novo Conselho, como foro diplomático, continua a enfrentar problemas semelhantes aos da Comissão, no trato das seletividades.

    A multiplicação das tensões internacionais (de hegemonia e de equilíbrios regionais); a dinâmica da interação entre as forças centrípetas da globalização e as forças centrífugas dos particularismos, os unilateralismos, os fundamentalismos, a fragmentação do Direito Internacional Público — para elencar alguns ingredientes identificadores da primeira década do século 21 — contribuem para fazer do valor da dignidade humana o fruto de um consenso internacional frágil. Este consenso frágil é a expressão do que o filósofo norte-americano Walzer qualificaria de uma thin morality (moralidade tênue) (2), que requer uma densificação axiológica e jurídica. Nesta tarefa de densificação, pode servir de inspiração um conceito de Guicciardini, o humanista contemporâneo de Maquiavel, politicamente mais bem sucedido que ele: “entre os homens normalmente a esperança pode mais que o medo” (3).

    *artigo publicado originalmente aqui

    Notas
    (1) Cf. BOBBIO, 2004, p. 58-60.
    (2) WALZER, Michael. Thick and Thin – Moral Argument at Home and Abroad. Notre Dame, London, Un
    (3) GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi. Milano, Rizzoli, 1977, p. 126.

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