(J. R. Guzzo, publicado no periódico O Estado de S. Paulo em 17 de dezembro de 2023)
O recém-chegado ministro Flávio Dino tem à sua frente, provavelmente, a tarefa mais árdua da sua vida: deteriorar o Supremo Tribunal Federal além do estado atual. Segundo o entendimento geral de que tudo no universo tem potencial para piorar, não é uma missão impossível – e o ministro certamente reúne as credenciais para enfrentar esse desafio. Ele governou o Maranhão por oito anos consecutivos, deixando seu estado como o mais desfavorecido do país. As dez cidades com o pior Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil estão localizadas lá. A região é uma das mais atrasadas do Nordeste em praticamente todas as áreas: educação, saúde, saneamento básico. Além disso, foi o pior ministro em termos de resultados no governo Lula – algo que não é simples para ninguém. Especialmente falhou na responsabilidade de combater o crime e garantir mais segurança aos cidadãos. Defende firmemente a ideia de que a liberdade deve ser gerida pela Polícia Federal.
O inquérito do “fim do mundo” transformou o mais alto tribunal de justiça da República numa delegacia de polícia que apreende celulares, revista automóveis e executa ordens ilegais. É o DOPS da “democracia”
J. R. Guzzo
Mesmo assim, não será fácil. Quem seria capaz de promover no STF um trabalho de destruição das leis, da ética e dos direitos humanos mais severo do que o inquérito sem fim contra os “atos antidemocráticos”? Há réus primários presos há quase um ano sem culpa formada, sem julgamento e sem direito pleno à defesa legal. Advogados têm de encaminhar suas alegações finais por vídeo – sem a mínima garantia de que serão vistas ou ouvidas. Nesse inquérito, podem ser incluídos todos os tipos de crimes cometidos no Brasil, no mundo e até mesmo no sistema solar; há de tudo ali, desde bloqueio da conta bancária de uma adolescente de 15 anos, suspeita de “lavar dinheiro” para ajudar o pai exilado, a uma discussão envolvendo o ministro Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma. O inquérito do “fim do mundo” transformou o mais alto tribunal de justiça da República numa delegacia de polícia que apreende celulares, revista automóveis e executa ordens ilegais. É o DOPS da “democracia”.
O problema do STF não é Flávio Dino. É o próprio STF
J. R. Guzzo
O ministro Gilmar Mendes chamou os senadores de “pigmeus morais”, por terem tomado uma decisão que ele não gostou. O que Flávio Dino pode dizer de pior? O ministro Moraes, que já tinha criado o assombroso “flagrante perpétuo”, acaba de criar o foro privilegiado para a primeira-dama. Ela se queixou da violação de sua conta no antigo Twitter, algo que talvez devesse ser comunicado à delegacia local. Moraes, imediatamente, encaminhou o caso para o Supremo, acionou a Polícia Federal contra os suspeitos – e tudo o que conseguiram foi a humilhação pública de deter um menor de idade na periferia mais pobre de Brasília.
O problema do STF não é Flávio Dino. É o próprio STF. Conforme observado pelo Estadão em editorial, quem estava em julgamento na sabatina do Senado não era Dino. Era a Corte constitucional.