sexta-feira, 5 julho, 2024
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    ‘Discussão sobre o privilégio de jurisdição é mais uma artimanha do STF’


    (J. R. Guzzo, divulgado no jornal O Estado de S. Paulo em 3 de abril de 2024)

    Raramente, nos dias atuais do Brasil, o Tribunal Superior Federal, quando opta por tomar alguma medida, deixa escapar a oportunidade de optar pela pior alternativa. É o que está ocorrendo atualmente, mais uma vez, com a suposta reflexão sobre a ampliação do “foro privilegiado” – a distorção legal que concede direitos e deveres desiguais aos cidadãos brasileiros.

    O STF, para infortúnio geral, decidiu se envolver nesse assunto, e a consequência não poderia ser outra: o que já é ruim tem tudo para se tornar desastroso. Trata-se de uma discussão suposta, pois na realidade concreta, não há qualquer debate. É mais uma artimanha dos ministros para ocultar com terminologia técnica e linguagem pouco compreensível a malícia essencial daquilo que realmente querem impor ao país: um sistema judicial onde tudo o que os ministros desejarem julgar pode ser julgado por eles mesmos, sem os inconvenientes e as incertezas da justiça comum.

    Penal, civil, interplanetário – se os ministros alterarem a legislação, mais uma vez, em benefício próprio, qualquer assunto pode ser qualificado como “foro especial” e ser submetido ao julgamento do Supremo. O placar da votação já está em 5 a 0 a favor da expansão dos poderes do STF.

    É disso, e não de outra coisa, que se trata. O Supremo já se autoatribuiu o direito de legislar sobre tudo – desde a legalização da maconha para “fins recreativos” até a proibição de revistas de palavras cruzadas para os presos caracterizados pelo tribunal como “golpistas”. Agora decidiram legislar sobre ainda mais coisas.

    O “foro privilegiado” é um absurdo. Devido a essa invenção, os indivíduos influentes da República não precisam responder pelos seus atos perante a Justiça comum – têm o direito de serem julgados diretamente no STF, se seus casos preencherem determinadas condições. É evidente que eles foram manipulando a legislação de modo a incluir no benefício o maior número possível de pessoas influentes. Atualmente, acredite se quiser, existem 55 mil indivíduos com direito a “foro especial” – o que deveria ser uma situação excepcional tornou-se uma situação comum.

    É impossível, evidentemente, que se possa fazer justiça em um sistema desse tipo. No entanto, o STF acha que ainda não é suficiente. Deseja que o privilégio do foro se estenda a praticamente qualquer ação que o privilegiado cometa, em qualquer tempo e circunstância.

    Há toda uma encenação, entre os autointitulados “juristas” e similares, para simular que os ministros estão debatendo questões legais ou de ciência política – ou até mesmo, para os mais exaltados, um “aperfeiçoamento” das instituições. Mas não há um debate jurídico, nem um aprimoramento de algo. Na prática, o que há é o aumento de casos a serem julgados no STF – onde, dentre outras coisas extraordinárias, as esposas dos próprios ministros podem atuar em causas que serão julgadas pelos maridos.

    É uma vantagem versátil. Serve, por um lado, para livrar os magnatas acusados de corrupção de eventuais processos na Justiça comum – onde ainda existem juízes dispostos a aplicar a lei e condenar os corruptos. Por outro lado, serve para garantir que os adversários políticos não tenham a oportunidade de receber um julgamento imparcial nas instâncias inferiores do judiciário.

    Um dos ministros argumenta que a mudança pretendida irá elevar a “estabilidade jurídica” no Brasil. Estabilidade de quê e de quem? Apenas seis anos atrás, o mesmo STF aprovou um entendimento oposto ao que está sendo proposto agora. Isso é insegurança jurídica em sua essência – a criação de uma jurisprudência constantemente mutável, conforme as circunstâncias, os interesses políticos dos ministros e os nomes envolvidos. É assim que o Brasil dos dias atuais está fadado a viver.

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