sexta-feira, 5 julho, 2024
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    Duas centenas de Carta Magna e 200 anos de Congresso Nacional


    A celebração do dia atual é a comemoração dos 200 anos do Congresso Nacional, Organismo que, salvo momentos específicos da narrativa nacional, acompanha o país desde sua primeira Lei Fundamental, como local público essencial para a discussão do Brasil.

    Sem desejar prolongar-me sobre a história secular desse Parlamento, trago à tona fatos históricos que evidenciam os grandes benefícios oferecidos por essa Instituição à nação.

    Nesse aspecto, não poderia deixar de iniciar meu discurso sem lembrar Machado de Assis, em sua marcante “O Velho Senado”, crônica em que o Escritor de Cosme Velho registra suas lembranças sobre o estilo e o comportamento dos parlamentares do Império — figuras como Nabuco, Duque de Caxias, Eusébio de Queirós e Visconde de Ouro Preto.

    Estava em vigor o tempo do mandato perpétuo com exigências censitárias; tempo de estadistas “contemporâneos da Maioridade, alguns da Regência, do Primeiro Reinado e da Constituinte”. Sem que houvesse “agitação nas sessões, [..a…] a atenção era grande e constante. Normalmente, as galerias não eram muito frequentadas, e, para o final da hora, poucos espectadores permaneciam […]”.

    Momentos históricos

    Se, como afirma Machado no mesmo texto, “as visões valem o mesmo que a rotina em que se operam”, merecem crédito as memórias do mestre da Academia Brasileira de Letras, ao destacar a postura e os hábitos daqueles legisladores que deram início às atividades da então denominada “Câmara de Senadores” (artigo 14 da Constituição de 1824) e que participaram de acontecimentos fundamentais da história nacional, como o reconhecimento da maioridade de dom Pedro 2º, o juramento da Princesa Isabel, a abolição da escravidão.

    Após a Proclamação da República, o governo provisório agiu para dissolver o antigo Senado, sendo a Constituição de 1891 prevendo eleição para o cargo, com mandato de duração de nove anos.

    Nesse momento, passaram pelo púlpito senatorial personalidades como Campos Sales e Epitácio Pessoa — que também ocupou o Cargo de presidente da República e ministro do STF —, assim como o inigualável Rui Barbosa — figura nacional que detém a condição de Patrono dessa Casa.

    Com grande influência na elaboração do novo texto constitucional e na atuação como senador por cinco legislaturas, Rui deu voz aos ideais republicanos que ecoavam pelo mundo naquela época, defendendo o fim da escravatura e o princípio da igualdade dos Estados durante a 2ª Conferência da Paz (1907) — postura que lhe conferiu o epíteto de “Águia de Haia”.

    Após a Primeira República, a década de 1930 não foi generosa com essa Instituição: seja no período logo após a chegada ao Poder, seja durante o Estado Novo, Getúlio Vargas fechou o Congresso Nacional, atropelando essa Instituição e todos os princípios federativo-democráticos que sua existência representa.

    Nesse ponto, é interessante observar os vaivéns da história e dos personagens que a integram: eleito Senador Constituinte, o mesmo Getúlio, a partir de 1946, passaria a frequentar o mesmo Palácio Moroe, anteriormente cerceado pelo autoritarismo de seus governos.

    Restabelecida a democracia por meio da nova ordem constitucional, o Senado voltou a ser o cenário de debates memoráveis, sobretudo em torno de questões políticas e econômicas. Entre essas últimas, ganha destaque a questão do petróleo, com a criação da Petrobrás.

    A campanha “o Petróleo é Nosso” mobilizou mentes e corações brasileiros, e não foi diferente nessa Casa. A força dos escritos e discursos da oposição, na eloquência firme do então Senador Assis Chateaubriand, faz parte da história política nacional.

    Após grande articulação política — incluindo a previsão do monopólio estatal em assuntos petrolíferos —, o projeto de criação da estatal foi sancionado em setembro de 1953, por meioda atuação comedida e realista de senadores como Alberto Pasqualini e João Vilas Boas.

    Anos desafiadores

    No entanto, os anos seguintes mostraram-se uma vez mais desafiadores para esta Instituição.

    Assim que o país havia saído dos anos prósperos, a crise política, que já vinha sendo prenunciada pelos incidentes que antecederam a posse de Juscelino Kubitschek, acabou por se instaurar.

    Novamente, o Senado se viu profundamente envolvido nas turbulências institucionais.

    O Senado, que foi recebido na imponente Palácio do Congresso Nacional na recém-inaugurada Brasília, enfrentou seu batismo de fogo pouco mais de um ano após a transferência da Capital.

    Após assumir a Presidência da República em 31 de janeiro de 1961, Jânio Quadros renunciou em 25 de agosto, em uma movimentação até hoje polêmica entre estudiosos.

    Essa atuação resultou em um impasse político que foi temporariamente remediado pela adoção do parlamentarismo através de Emenda Constitucional, com Tancredo Neves (que mais tarde se tornaria membro desta Casa, entre 1979 e 1983) assumindo o cargo de Presidente do Conselho de Ministros de setembro de 1961 a julho de 1962.

    Mais adiante, foi a ditadura militar que desrespeitaria os valores representados por esta Instituição.

    De fato, após o golpe de 1964, em 20 de outubro de 1966, o General Castello Branco decretou o “recesso” do Congresso Nacional por vinte dias, seguindo os poderes que lhe foram concedidos pelo Ato Institucional nº 2.

    E então, em 13 de dezembro de 1968, com a publicação do Ato Institucional nº 5, o Marechal Costa e Silva fechou o Congresso para combater a subversão e as “ideologias contrárias às tradições de nosso povo”.

    Posteriormente, em 1977, o General Ernesto Geisel colocou o Congresso em recesso por duas semanas, em um movimento político que lhe permitiu anunciar, dias depois, o infame Pacote de Abril.

    Lembro esses eventos sombrios de nossa história para afirmar e reconhecer de maneira veemente: o Senado, mesmo diante desses momentos trágicos, nunca falhou com o povo brasileiro.

    Esse contexto, vivenciado por mim de perto durante meus anos acadêmicos, está vivo em minha memória, especialmente no que diz respeito à atuação de grandes personalidades como Franco Montoro, Itamar Franco, Marcos Freire e Paulo Brossard – todos eles defensores da causa democrática, senadores que representam o que há de melhor em nossa tradição política.

    André Franco Montoro (1916-1999)

    Dou destaque à postura firme e dinâmica de Brossard, diretamente envolvido nos múltiplos triunfos políticos do MDB que foram respondidos por Geisel com o controverso pacote.

    A brutalidade, as agressões institucionais e o autoritarismo descarado presentes nos 25 anos de ditadura militar mostram claramente que esta Casa, mesmo ameaçada e constrangida, nunca se omitiu, nunca se calou, nunca vacilou na defesa da Constituição e do Estado de Direito.

    Constituinte de 1988

    Depois, com o processo de redemocratização, foi promulgada a Carta Magna de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, que representou um verdadeiro acerto de contas com o passado, em uma transição muito delicada, liderada, entre outros, pelo presidente Sarney (também um destacado parlamentar que presidiu esta Casa por várias legislaturas).

    De forma inédita em qualquer outro texto constitucional, a nova Carta contou com uma vasta e poderosa mobilização de diversos setores da sociedade civil, o que se reflete na ampla gama de direitos individuais e sociais por ela reconhecidos.

    Não tenho dúvidas de que esta Casa está à altura dos compromissos assumidos pelos constituintes de 1988. Seguindo o espírito que fundamenta a nova Constituição, o Senado tem atualizado a ordem normativa brasileira, dando efetividade aos objetivos constitucionais.

    Já na década de 1990, implementaram-se mudanças decisivas no ordenamento, com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Código de Defesa doComprador, a Norma que regulamenta os proveitos previdenciários e a legislação que trata dos proveitos assistenciais, tendo o Senado participação decisiva no arranjo normativo que originou o plano real.

    No início dos anos 2000, surgiram, entre diversos outros, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o novo Código Civil, o Estatuto do Idoso, a Lei Maria da Penha, a Lei de Biossegurança e a Lei dos Alimentos gravídicos.

    Depois de 2010, foram promulgadas a Lei de Acesso à Informação, a nova Lei de Defesa à Concorrência, a Política Nacional de Mobilidade Urbana, o Marco Civil da Internet, a nova Lei de Migração e a Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica.

    E, por fim, mais recentemente, nos anos 2020, esta Câmara deu demonstração de seu compromisso com a Nação por meio da elaboração de normas voltadas ao enfrentamento da Covid, da aprovação da Lei do Saneamento Básico, e da legislação que trata dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, sem ignorar ainda a Lei Geral de Proteção de Dados e a recentíssima Reforma Tributária.

    Todos esses feitos demonstram concretamente que, ontem e hoje, o Senado não tem se omitido em sua missão de colaborar para o aprimoramento institucional da Nação, sem jamais descurar das balizas democráticas que fundamentam e direcionam toda a atuação dos Poderes Públicos.

    Mencionei verdadeiros ícones do Senado Federal: Nabuco e Duque de Caxias; Epitácio Pessoa e Rui Barbosa; Tancredo Neves, Itamar Franco, Paulo Brossard e José Sarney.

    E, referindo-me a eles, estou seguro de que as legislaturas de nosso tempo — presentes e futuras — hão de seguir o exemplo de altivez e desassombro legado por esses brasileiros notáveis, sob a observância do Águia de Haia, cujo busto repousa afixado acima da Mesa, no Plenário da Câmara.

    Com tal convicção, endereço aos senadores meus efusivos e respeitosos cumprimentos, na certeza de que cada cidadão brasileiro e cidadã brasileira orgulha-se do Senado Federal e, nele, deposita suas mais altas esperanças para a construção de uma sociedade “livre, justa e solidária”, como exige o texto constitucional.

    _______________________________________

    1 Assis, Machado. O velho Senado. 2. ed. Brasília: Senado Federal, 2021, p. 21.

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