quarta-feira, 3 julho, 2024
spot_img
Mais

    Últimos Posts

    spot_img

    Elthon Costa: Cláusula arbitral e renúncia nos contratos do UFC

    A batalha legal entre ex-lutadores do UFC (Ultimate Fighting Championship) e a promoção impactou de forma profunda ao longo dos anos nos contratos que ligam os atletas ao evento, e isso se dá supostamente como uma resposta ao processo antitruste.

    Parece que em algum momento de 2017, o UFC introduziu essas mudanças nos contratos, uma data que agora divide as duas ações judiciais em curso. A primeira ação abrange o período de 16 de dezembro de 2010 a 30 de junho de 2017, enquanto a segunda ação movida em 2021 se estende a todos os lutadores que competiram no UFC a partir de 1º de julho de 2017 em diante.

    Antes dessas mudanças, entre 2011 e 2016, os contratos padrão do UFC permaneceram notavelmente semelhantes ao que foi divulgado no processo envolvendo Eddie Alvarez e o Bellator, uma promoção rival do Ultimate Fighting Championship.

    Recentemente, o site esportivo norte-americano Bloody Elbow expôs algumas cláusulas controversas presentes nos contratos do UFC com os atletas, que aparentemente vêm se tornando padrão.

    Agora, segundo a reportagem, se um lutador tiver alguma discordância com o UFC em relação a qualquer aspecto de seu contrato, em vez de levar a questão ao tribunal, é obrigatório resolver por meio de arbitragem.

    Caso contrário:

    “Quando as partes envolvidas buscarem a resolução de quaisquer questões relacionadas a este Contrato, ao Contrato de Combate e a qualquer interação ou relacionamento entre a Zuffa e o Lutador, ambas concordarão expressamente em recorrer à arbitragem, em vez de procedimentos judiciais, para resolver as Reivindicações Cobertas (conforme definido abaixo).

    A arbitragem é o processo pelo qual um terceiro imparcial toma uma decisão vinculativa em relação a uma disputa. A Lei Federal de Arbitragem (9 U.S.C. Seções 1 e seguintes) regerá este contrato de arbitragem, juntamente com a lei de arbitragem estadual, na medida em que não seja substituída pela Lei Federal de Arbitragem. Este acordo de arbitragem faz parte do contrato do Lutador com a Zuffa. Tanto a Zuffa quanto o Lutador reconhecem que, ao optarem pela arbitragem para resolver disputas, estão renunciando a qualquer direito que possam ter a um julgamento por juiz ou júri em relação a todas as reivindicações cobertas por este acordo de arbitragem.”

    A menos que uma das partes solicite três árbitros, a arbitragem será conduzida por um único árbitro neutro e administrada pelo Judicial Arbitration and Mediation Service (JAMS) no Condado de Clark, Nevada. Com exceção do que está disposto neste contrato, os procedimentos de arbitragem serão regidos pelas regras e regulamentos abrangentes de arbitragem do JAMS em vigor no momento do início da arbitragem (nossa tradução).

    Além da arbitragem, a seção XXV do contrato inclui uma renúncia a ações coletivas:

    “Renúncia a ações coletivas, de classe e representativas. Até o limite máximo permitido pela lei aplicável, as partes concordam que nenhuma reivindicação poderá ser iniciada ou mantida como uma ação coletiva, ação de classe ou ação representativa, seja em tribunal ou em arbitragem. Isso significa que nenhuma das partes poderá servir ou participar como representante ou membro de uma ação coletiva, de classe ou representativa em qualquer processo relacionado a Reivindicações Cobertas, seja em tribunal ou em arbitragem.”

    “Reivindicações não cobertas. As reivindicações que não estão abrangidas por este acordo de arbitragem são, na medida do aplicável: reivindicações que não estão sujeitas à arbitragem obrigatória e vinculativa de acordo com a lei federal ou estadual aplicável, incluindo reivindicações trazidas de acordo com a Lei dos Procuradores Gerais Privados da Califórnia e reivindicações atualmente pendentes no processo intitulado Le v. Zuffa, LLC, Processo nº 15-cv-01045 no Distrito de Nevada.”

    Dessa forma, um lutador que assinar esse contrato não terá permissão para participar de nenhuma ação coletiva, mesmo que preencha todos os critérios para ser considerado membro.

    Se danos forem concedidos por um júri ou acordo (os autores estão buscando centenas de milhões de dólares em danos, potencialmente bilhões se forem triplicados), os lutadores que assinaram este contrato não terão direito a eles.

    Examinando o processo de ex-atletas do UFC contra a promoção à luz da legislação trabalhista brasileira, parece que estamos diante de uma subordinação integrativa em relação à configuração de um vínculo empregatício entre atleta e UFC. Isso ocorre devido ao foco nas atividades do atleta perante a empresa, em que ambos estão envolvidos nas atividades principais, somado às circunstâncias em que o atleta não possui um salário fixo da organização (pois recebe bolsas apenas quando luta), não assume verdadeiramente os riscos financeiros e não é proprietário dos frutos do seu trabalho, que pertencem originalmente à organização para a qual presta seus serviços. Portanto, poderíamos considerar que se trata de um contrato de trabalho.

    Além disso, embora os atletas de MMA não sejam reconhecidos como empregados pela legislação trabalhista norte-americana, essa cláusula arbitral, caso seja mantida, terá impacto mesmo em futuros contratos de trabalho, caso os atletas sejam considerados empregados.

    Isso se deve em grande parte ao caso Epic Systems Corp. v. Lewis, no qual a Suprema Corte dos EUA, por cinco votos a quatro, decidiu que o direito de participar em ações coletivas não constituiria uma forma de “outra ajuda ou proteção mútua” sujeita à proteção da lei federal, o que implica na possibilidade de renunciar antecipadamente ao direito de participar de ações coletivas ou arbitragens coletivas. Isso torna improvável que essas novas adições aos contratos do UFC possam ser contestadas sem uma nova legislação.

    É relevante observar que os contratos do UFC também incluem uma cláusula que obriga o lutador a reconhecer seu status como contratado independente, o que impede que o atleta reivindique direitos trabalhistas no futuro.

    No Brasil, a discussão se concentra na indisponibilidade e irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. O uso da arbitragem em contratos individuais de trabalho é um tema debatido, principalmente porque a Lei da Arbitragem sugere que ela pode ser usada apenas para resolver disputas relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis. No entanto, no Brasil, se um atleta com contrato no UFC buscar o reconhecimento de um vínculo empregatício por meio de uma ação trabalhista, a cláusula arbitral pode ser anulada, seguindo entendimento do TST em casos que envolvem contratos de atletas profissionais.

    Dessa forma, a inclusão de cláusulas arbitrais e renúncias a ações coletivas nos contratos do UFC parece ser uma estratégia antecipatória para proteger a promoção de uma possível reclassificação dos atletas como empregados. Isso levanta questões importantes sobre como a promoção, que está sendo processada por alegações de abuso de poder de mercado, pode forçar termos contratuais que impeçam seus atletas de recorrer à justiça comum para resolver disputas.

    _

    Referências

    PINHEIRO, Paulo Henrique Silva. Jurisdição desportiva trabalhista: a efetividade na resolução de conflitos. 1ª. ed. Brasília: Venturoli, 2023.

    [7] PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho. In: TEIXEIRA, Marcelo Tolomei; GUSMÃO, Xerxes. A prova da relação de emprego à luz da teoria crítica. Campinas, SP: Lacier, 2023. p. 43.

    [9] FERNANDES, João Leal Renda. O Mito EUA: Um País sem Direitos Trabalhistas. 2ª. ed. São Paulo: JusPodivm, 2023. p. 201.

    Elthon Costa é advogado trabalhista e desportivo, membro da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho do TST no Grau Oficial, especialista em Direito Desportivo (Cers), pós-graduado em Direito Processual Civil (Unileya), mestrando em International Sports Law (Isde), diretor jurídico do CNB (Conselho Nacional de Boxe), diretor do Departamento Jurídico da CBKB (Confederação Brasileira de Kickboxing), diretor do Departamento Jurídico da Wako Panam (World Association of Kickboxing Comissions Región Panamericana) e da CBMMAD (Confederação Brasileira de MMA Desportivo), membro do núcleo de estudos O Trabalho além do Direito do Trabalho: Dimensões da Clandestinidade Jurídico-Laboral (NTADT), da Faculdade de Direito da USP, auditor do TJDU-DF e membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB-DF.

    spot_img

    Últimas Postagens

    spot_img

    Não perca

    Brasília
    céu limpo
    13.5 ° C
    13.5 °
    13.5 °
    82 %
    0kmh
    0 %
    qua
    26 °
    qui
    28 °
    sex
    27 °
    sáb
    28 °
    dom
    22 °

    3.135.191.47
    Você não pode copiar o conteúdo desta página!