O antigo comandante da Força Armada, general Marco Antônio Freire Gomes, poderia ter ameaçado de encarceramento o antigo presidente Jair Bolsonaro (PL) caso ele optasse por usar uma medida de Garantia de Lei e Ordem (GLO) ou decretação de Estado de Defesa ou Sítio para questionar o desfecho das eleições e se manter no comando após o término de seu mandato em 2022. O relato foi feito pelo antigo comandante da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior, em testemunho prestado à Polícia Federal (PF), em 17 de fevereiro, o qual foi divulgado nesta sexta-feira (15), após o ministro Alexandre de Moraes levantar o sigilo de parte do inquérito.
Baptista alegou que “em uma das reuniões dos Chefes das Forças com o então presidente da República, após o segundo turno das eleições, quando o Presidente da República, Jair Bolsonaro, aventou a hipótese de atentar contra o regime democrático, por meio de alguns institutos previstos na Constituição (GLO ou Estado de Defesa ou Estado de Sítio), o então comandante da Força Armada, general Freire Gomes, disse que caso tentasse tal ato teria que prender o presidente da República”.
O antigo comandante da Força Armada também prestou testemunho à Polícia Federal. Ele afirmou ter comunicado pelo menos em uma ocasião a Bolsonaro e ao antigo ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, que a Força Armada não toleraria qualquer ato de quebra institucional. Contudo, não consta em seu testemunho que tenha ameaçado de prisão Bolsonaro.
O antigo comandante da Aeronáutica, Baptista Júnior, frisou que tanto ele quanto Freire Gomes tentaram dissuadir Bolsonaro de realizar qualquer ação para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo Baptista, se o comandante da Força Armada tivesse concordado, “possivelmente a tentativa de golpe teria se concretizado”.
Baptista também relatou que, inicialmente, Bolsonaro parecia ter aceitado o desfecho das eleições. Todavia, supostamente após ler um estudo do Instituto Voto Legal, que questionava a legitimidade do pleito, o antigo presidente “manifestou esperança em reverter o resultado”.
Encontros de Bolsonaro com militares
O testemunho detalha ainda um encontro realizado em 1º de novembro de 2022 no Palácio da Alvorada envolvendo militares e a equipe de Bolsonaro. Durante o encontro, o antigo presidente questionou o advogado-geral da União, Bruno Bianco, sobre “qualquer medida que poderia ser tomada contra o desfecho das eleições”. Bianco teria afirmado que o pleito ocorreu “de maneira legal, dentro dos parâmetros jurídicos”.
Baptista Júnior afirmou também que, em um dos encontros, “deixou claro para Jair Bolsonaro que não havia qualquer possibilidade de o então presidente permanecer no cargo após o término do mandato” e que “não aceitaria qualquer tentativa de quebra institucional”.
O brigadeiro também comunicou à PF que o antigo ministro da Justiça, Anderson Torres, era responsável por aconselhar Bolsonaro sobre medidas jurídicas que poderiam abrir caminho para um golpe.
A defesa do antigo ministro Anderson Torres afirmou em nota à Gazeta do Povo que ele não esteve presente em qualquer encontro com o antigo presidente Jair Bolsonaro e os comandos militares da época “para tratar de quaisquer medidas antidemocráticas”.
Em outra ocasião, Baptista revelou que os chefes das Forças Armadas se reuniram com o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, sem a presença de Bolsonaro. Durante o encontro, Nogueira teria mencionado ter uma minuta e gostaria de apresentá-la aos presentes.
“Este documento abarca a recusa de assumir o cargo pelo novo presidente eleito?”, indagou Baptista. O ministro da Defesa teria permanecido em silêncio, enquanto ele e Freire Gomes discordaram de analisar o conteúdo da minuta.
Em uma outra ocasião, o cabo contou ter avisado o antigo ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general Augusto Heleno, de que a Aeronáutica “não apoiaria nenhum movimento de rompimento democrático”. Pediu para Heleno reafirmar a mensagem a Bolsonaro. O cabo afirmou que o ministro do GSI ficou “surpreso e mudou de tema”.
Descobertas decorrem da Operação Tempus Veritatis
O testemunho de Baptista Junior é resultante da Operação Tempus Veritatis, iniciada em 8 de fevereiro pela Polícia Federal. A operação visa investigar suposta tentativa de golpe de Estado e os eventos de 8 de janeiro de 2023.
Além de Bolsonaro, aliados próximos do ex-líder também foram alvo de investigação, incluindo os ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil), Augusto Heleno (GSI), Anderson Torres (Justiça) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), o ex-auxiliar de ordens Marcelo Câmara, os antigos assessores Filipe Martins e Tercio Arnaud Thomaz, entre outros.
A alta cúpula militar do governo Bolsonaro também foi afetada pela operação, como o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha; o general Estevan Teóphilo Gaspar de Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército; e o coronel aposentado do Exército, Ailton Barros.