terça-feira, 2 julho, 2024
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    Está na hora de uma avaliação da legislação?



    Ponto de vista

    Nos últimos anos a política expansiva do Direito Penal englobou uma diversidade de condutas antes não classificadas. Muitas dessas novas categorias ficavam sob responsabilidade apenas do Direito Administrativo sancionador — uma espécie intermediária do Direito Penal, visto que não resulta nas consequências legais da pena nem no estigma de processado e/ou condenado.

    Esse fenômeno expansivo resultou, entre outros crimes, na tipificação da lavagem de capitais, com uma finalidade específica de tutela de um bem jurídico não claramente definido pela doutrina ou pelo legislador.

    Devido à falta de organização em nosso Código Penal, a lei se encontra em normas extraviadas sem nenhum indicativo do objetivo de proteção do legislador, deixando esse debate para a doutrina.

    Observa-se que a intenção do legislador em 1998 não era abranger todo e qualquer crime antecedente como potencial crime gerador de lavagem de capitais.

    Havia uma preocupação do legislador em criminalizar crimes antecedentes graves e de alcance internacional, conforme se depreende na justificativa da Lei 9.613/98. Na época da promulgação da referida lei, também havia a preocupação legislativa de limitar a lista de crimes capazes de gerar bens, direitos e valores à conduta de lavagem de capitais (segunda geração da lei de lavagem).

    No entanto, já em 2012, atendendo às demandas internacionais de combate à lavagem de dinheiro, houve mudança legislativa que eliminou a lista taxativa de crimes antecedentes, permitindo que qualquer crime que gere bens, direitos e valores possa dar origem ao crime que estamos discutindo neste artigo.

    Essa alteração impulsionou, juntamente com a Lei 12.850, de forma significativa as acusações penais a diversos indivíduos investigados, independentemente de qualquer outro critério objetivo, como a lesão ao bem jurídico ou valor supostamente lavado.

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    Por outro lado, o rol de indivíduos obrigados a relatar atividades financeiras suspeitas cresce na mesma proporção das acusações, inclusive transformando certas pessoas em garantidoras do Estado (crimes comissivos por omissão).

    A explicação lógica é a busca desenfreada pelo controle de ativos supostamente ilícitos que entram no mercado legal nacional. Como a descoberta pelas autoridades não é tarefa fácil, os indivíduos obrigados tornam-se uma espécie de fiscais ou “policias” do Estado, devendo relatar as informações de atividades financeiras suspeitas.

    Segundo Feijóo Sanchez, “é evidente que a globalização está provocando uma expansão da ‘lógica da lavagem de dinheiro’”.

    “Nos anos oitenta do século passado, quando se viu a necessidade de perseguir a dimensão econômica das grandes organizações criminosas, especialmente aquelas dedicadas ao narcotráfico, os países ocidentais tomaram a seguinte decisão: como era extremamente custoso criar uma polícia financeira, atribuiu-se a determinados particulares os deveres de quase-policias de prevenção ou colaboração com o Estado.”

    Evidentemente que o Brasil criou seus órgãos e departamentos especializados no combate à lavagem de dinheiro, porém, isso não justifica o aumento legal dos indivíduos obrigados, pois a famosa regra do “conheça o seu cliente” tem assumido outra dimensão, inclusive diante do ímpeto de incluir os advogados nesse rol.

    Sobre este aspecto já escrevi dizendo que o advogado litigante, ou seja, defensor do seu cliente em processo, não está obrigado a relatar dúvida ou suspeita sobre os valores que lhe foram entregues a título de honorários advocatícios.

    Fazendo essa digressão, há outra questão importante: a problemática não está propriamente nos indivíduos obrigados ou no eficaz combate ao ocultamento de capitais de origem ilícita, mas na ausência de limites objetivos sobre quais crimes concretamente merecem uma punição em conjunto com.o crime de branqueamento de capitais.

    Dito de outra forma: nem todo crime precursor provoca um dano ao bem jurídico protegido que justifique um reforço da penalidade por meio de uma combinação de crimes com o branqueamento de capitais (na forma de concurso material).

    Em muitos casos, pode ocorrer a contradição de que a pena do crime precursor seja mais baixa do que a do branqueamento, levando à conclusão de que o bem jurídico protegido seria o do crime precursor.

    Isso porque o branqueamento, como crime acessório, seria apenas um agravamento da pena pelo crime antecedente. Como o objetivo não é discutir o bem jurídico neste artigo, essa questão foi apresentada apenas como crítica.

    O ponto central é se toda conduta que resulta em bens, direitos e valores por meio da prática de um crime merece a qualificação de branqueamento de capitais. Atualmente, devido à alteração legislativa de 2012, a resposta é afirmativa.

    O que podemos modificar sem alterar significativamente a lei de combate ao branqueamento de capitais?
    É importante ter em mente que não se está defendendo a abolição desse enquadramento penal, mas sim um ajuste adequado dentro dos critérios de lesão ao bem jurídico protegido e proporcionalidade. Dessa forma, a pena, que já começa em três anos, deveria passar por uma adequação legislativa em relação ao bem jurídico que a norma visa proteger no crime antecedente, se a ideia é realmente um agravamento da penalidade.

    Na Espanha, por exemplo, a pena pelo branqueamento de capitais começa em 6 (seis) meses e é aumentada progressivamente em relação aos crimes cometidos (crimes antecedentes).

    Também pode-se mencionar um ponto relevante que seria em relação ao valor gerado pela prática do crime anterior, que, se não for significativo, não justificaria uma penalidade alta ao se aplicar a punição pelo branqueamento de capitais.

    Toda essa questão é levantada em um momento no qual os anseios de combate à criminalidade econômica com medidas mais severas estão cada vez mais evidentes, porém, o aumento de penas privativas de liberdade, embora possa ser uma solução em termos de prevenção em sua modalidade especial, não parece ser o caminho adequado do ponto de vista dogmático.

    Isso significa que está na hora de o Brasil refletir sobre a ampliação da responsabilidade penal da pessoa jurídica para crimes econômicos. Isso talvez possa incentivar as normas de integridade, conformidade criminal, colaboração com as autoridades, além de evitar penas longas e estabelecer sanções específicas às empresas.

    Muitos países já adotam essas medidas como alternativas à prisão, desde que haja uma colaboração efetiva das pessoas físicas e jurídicas na elucidação do crime cometido dentro do ambiente empresarial. Essa discussão encontra opositores, já que nem todos concordam que as pessoas jurídicas possam cometer crimes em face de sua falta de capacidade de ação. Mas este seria um assunto para outro artigo.

    Neste breve texto, o objetivo foi provocar discussões sobre o tema do branqueamento de capitais, inclusive instigando o legislador a considerar uma revisão da lei. Claro que há muitos outros pontos para debater, mas acredito que este já seja um bom começo.

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