O investimento em equipes técnicas capacitadas e multidisciplinares, a gestão da qualidade, participação de diferentes setores, visão sistêmica e governança democrática são fatores-chave para ampliar a capacidade das cidades reduzirem a fome e o desperdício de alimentos por meio de sistemas sustentáveis.
A conclusão está no estudo de caso feito pelo projeto “Cidades e Alimentação”, executado pela Embrapa Alimentos e Territórios (AL), em parceria com o Instituto Comida do Amanhã por meio do programa Diálogos União Europeia-Brasil.
“As cidades podem ser o centro das mudanças desejadas para acelerarmos a transformação dos sistemas alimentares por meio da implementação de programas e políticas alimentares urbanas intersetoriais”, destaca o analista da Embrapa, Gustavo Porpino, líder do projeto.
O projeto selecionou cinco cidades: Curitiba (PR), Maricá (RJ), Recife (PE), Rio Branco (AC) e Santarém (PA), todas participantes do programa Laboratório Urbano de Políticas Públicas Alimentares (Luppa), para a realização de estudo de caso dos programas, ações e políticas públicas voltadas para o fortalecimento de sistemas alimentares circulares.
Nesses locais, foram realizadas entrevistas e coleta de dados com as respectivas prefeituras, e visitas técnicas aos equipamentos públicos e espaços de atuação de políticas alimentares.
Além disso, em Curitiba, Recife e Rio Branco foi feita análise dos resíduos orgânicos de feiras livres das cidades, por meio de gravimetria, a fim de quantificar o desperdício de alimentos. Gravimetria é uma análise dos resíduos gerados pelas feiras livres com a categorização do que pode ser considerado desperdício de alimentos evitável.
Para Juliana Tângari, diretora do Instituto Comida do Amanhã, “a porta de entrada [prioridade] da agenda de sistemas alimentares varia de cidade a cidade. Às vezes é o combate à fome, às vezes o combate ao desperdício de alimentos, ou a garantia do abastecimento, a sensibilização para a agroecologia ou o fortalecimento da agricultura familiar”.
Tângari salienta que “o importante é perceber como cada temática prioritária pode ser catalisadora de uma transformação do sistema como um todo”.
O projeto também possibilitou que representantes das cinco cidades brasileiras participassem de uma missão técnica para conhecer programas e políticas de alimentação urbana implementadas em cinco cidades da União Europeia: Valência e Barcelona (Espanha); Turim e Milão (Itália); e Gante (Bélgica). Em Bruxelas, a comitiva interagiu com representantes da Comissão Europeia.
“O projeto tem aproximado as cidades brasileiras e europeias mostrando a importância que elas e seus habitantes têm no desenho e implementação de agendas urbanas”, destaca Noelia Barriuso, do programa Diálogos União Europeia-Brasil.
“Esperamos que os resultados alcançados neste projeto possam encorajar a transformação das nossas cidades, dando continuidade ao combate ao desperdício de alimentos e garantindo a qualidade de vida dos cidadãos e das gerações futuras, seja no estilo de vida, seja nas estruturas das cidades”, complementa a representante da União Europeia.
Para Porpino, a implementação de programas e políticas públicas alimentares permanentes demanda gestores técnicos com capacidade de liderança e capacitação contínua. “O eixo ‘pessoas’ é determinante para uma agenda alimentar robusta e eficiente”, destaca o analista. Porpino também ressalta que o relatório afirma que o passo inicial para o planejamento de políticas públicas é montar uma equipe técnica e mantê-la qualificada.
O relatório também traz a necessidade de haver recursos orçamentários bem definidos, marcos legais e a institucionalização dos programas. “As políticas públicas consideradas exitosas são aquelas que se tornaram bem comum da sociedade”, afirma um trecho do documento.
Segundo Porpino, não menos importante, o eixo intersetorialidade é evidenciado pelo relatório como principal modelo de gestão para a implementação de políticas alimentares urbanas. “A intersetorialidade é a capacidade de articular diferentes setores da sociedade em torno de um objetivo comum, no caso, a segurança alimentar e nutricional”, explica o analista.
Também relevante é identificar e notabilizar quais são as políticas de resiliência (combate à instabilidade nutrir, por exemplo) e quais têm o potencial de transformar o sistema nutrir. Esse diagnóstico deve estar na temporada de planejamento da agenda nutrir urbana, que também deve identificar quais são as vocações e oportunidades do território.
Governança multinível e democrática
Exemplo de porquê o poder público pode ser um facilitador do chamado “varejo social de mantimentos”, tendência observada em vários países, são o Arrecadação e o Sacolão da Família, em Curitiba (PR), e o Caminhão do Peixe, em Maricá (RJ).
Nesses locais, a gestão é feita por parcerias público-privadas, cada qual com um protótipo de gestão desempenado ao perfil e potencialidades do município.
Mas o ideal, segundo o relatório, é a adoção de uma agenda tripartite de responsabilidade, ou seja, relação e coordenação com os níveis de governo estadual e federalista e compartilhamento de dados, mormente os do Sisan, SUS, Suas, Recenseamento Escolar e outros.
“O bom diálogo e a coordenação com os níveis estaduais e federalista de governos garante destreza e progresso nas ações locais. A gestão ou coordenação eficiente de dados que permitam tanto a boa elaboração quanto a eficiente avaliação das políticas alimentares locais é um paisagem muito relevante”, diz um trecho do relatório.
Impactos gerados pelo projeto nas cidades brasileiras
O diagnóstico realizado localmente e a troca de experiência entre as cidades brasileiras e europeias despertou o interesse de algumas prefeituras em produzir novas iniciativas e ampliar programas já existentes.
Em Curitiba, a prefeitura está planejando novas ações para aproveitar os resíduos orgânicos da feira do Cumeeira da Glória e para conectar varejistas locais com o banco de mantimentos municipal.
Já a prefeitura de Recife elaborou um novo projeto de incentivo à colheita urbana a partir da experiência vivenciada com a gravimetria nas feiras e mercados locais e anunciou, em 2023, a exórdio do primeiro banco de mantimentos municipal.
A conexão entre o varejo e os bancos de mantimentos também está sendo pensada pela prefeitura de Rio Branco. Em Santarém, já está em temporada de elaboração um diagnóstico da produção de indígenas e quilombolas para destinar mais mantimentos da cultura familiar à merenda escolar.
Equipamentos de segurança
Implantar equipamentos públicos de Segurança Cevar e Nutricional (SAN) deve envolver, segundo o estudo, uma multiplicidade de iniciativas para atuação conjunta do combate à lazeira, enfrentamento ao desperdício de mantimentos e geração de renda para a população mais vulnerável.
Exemplos de iniciativas porquê essa são os bancos de mantimentos, restaurantes populares, cozinhas solidárias e hortas comunitárias, observados nas cinco cidades estudadas. Para Porpino, os restaurantes populares não podem ser vistos porquê mera política assistencialista.
“Quando muito implementados, em espaços arejados e muito iluminados que transmitem bem-estar, esses locais conseguem ir além da missão de ofertar mantimentos saudáveis à população mais vulnerável e transforma-se em locais de interação social para idosos e imigrantes, ou espaços para capacitação e treinamentos”, pontua.
O estudo também afirma que as cidades precisam fortalecer a gestão da qualidade de seus equipamentos públicos de SAN, com enfoque na segurança dos mantimentos ofertados em feiras livres e mercados municipais.
Em Curitiba (PR), chamou a atenção da equipe do projeto as normativas estabelecidas para a comercialização de proteína bicho em feiras e mercados públicos exclusivamente em gôndolas refrigeradas, uma iniciativa que, segundo Porpino, precisa ser implementada por outras cidades.
Compostagem e biogás
Outro ponto importante é a implantação de planos para reduzir a geração de resíduos, dando novo uso ao que sobra de feiras livres e mercados para, por exemplo, a compostagem e produção de biogás.
“As feiras livres de cidades porquê Curitiba e Recife geram, por ano, centenas de toneladas de resíduos orgânicos. Oferecido que secção dos resíduos pode ser considerada porquê desperdício de mantimentos evitável, a implementação de ‘colheitas urbanas’ pode ser uma selecção para evitar o descarte desnecessário de mantimentos ainda seguros para consumo”, aponta o texto.
A conexão de associações de varejistas com bancos de mantimentos é apontada porquê solução para o proeminente desperdício de mantimentos verificados em algumas regiões. “É uma forma de reduzir os custos do varejo com a destinação dos resíduos orgânicos e contribuir para o enfrentamento da lazeira e redução do desperdício”, afirma Porpino.
Visão sistêmica do alimento
Os autores do estudo ainda defendem uma visão sistêmica do alimento em todas as ações e programas governamentais. Dessa forma, por exemplo, os resíduos gerados por um determinado programa, tais porquê giro de feiras de produtores, podem ser transformados em insumo para o programa de hortas escolares.
Adicionalmente, o banco de mantimentos pode estar conectado com feiras, mercados e varejo tradicional por meio de “colheita urbana” e incentivo às doações de mantimentos. “Até mesmo os resíduos dos bancos de mantimentos, restaurantes populares e escolas podem lucrar qualquer tipo de uso por meio de soluções pensadas, por exemplo, em desafios de inovação”, sugere Porpino.
Compreender a circularidade demanda, segundo o estudo, essa visão sistêmica para determinar as interações desde o campo até a mesa. “O fomento à produção lugar sustentável é o ponto inicial da enxovia produtiva de mantimentos e pode, no contexto das cidades, ser fortalecido pela compreensão do papel e do potencial das compras públicas de mantimentos”, diz o estudo.
“Incentivar a produção agroecológica, porquê visto em Recife, é uma forma do poder público atuar em alinhamento aos anseios dos consumidores urbanos por alimento mais saudável.”
“A agroecologia aproxima produtores de consumidores, gera renda no entorno das cidades, e favorece a conexão da cultura com saúde e nutrição”, diz o estudo, que traz uma última recomendação: definir indicadores de resultado para todos os programas e políticas implementadas. “O monitoramento de políticas alimentares é a peça-chave de seu sucesso”, conclui.