quarta-feira, 3 julho, 2024
spot_img
Mais

    Últimos Posts

    spot_img

    Estudo indica que variedade de espécies pode impedir entrada de plantas estrangeiras no Cerrado


    Dados divulgados em janeiro deste ano mostram que, enquanto o desmatamento da Amazônia diminuiu pela metade, o do Cerrado aumentou 43% em 2023.

    A recuperação, no entanto, apresenta vários obstáculos. Um deles é a constante retomada por plantas estrangeiras. Introduzidas em áreas de pastagem, essas plantas se espalham, eliminam espécies nativas e modificam o estrato herbáceo, que representa a maior reserva de biodiversidade e o suporte de vários serviços ecossistêmicos no Cerrado. Uma vez estabelecidas, tornam-se muito difíceis de erradicar, mesmo depois de o pasto ter sido abandonado. É o caso das braquiárias (Urochloa spp.), do capim-gordura (Melinis minutiflora) e do capim-gambá (Andropogon gayanus).

    Para definir estratégias de resistência à entrada ou retomada por plantas estrangeiras, um estudo pioneiro foi realizado no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás.

    Artigo sobre o assunto, assinado pelo biólogo Guilherme Mazzochini e colaboradores, foi publicado no Journal of Applied Ecology, da British Ecological Society.

    O trabalho é resultado do Projeto Temático “Restaurando ecossistemas neotropicais secos – seria a composição funcional das plantas a chave para o sucesso?”, coordenado por Rafael Oliveira na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Também participou Lucy Rowland, da University of Exeter, Reino Unido. O grupo é apoiado pela Fapesp e pelo Natural Environment Research Council (Nerc), dos Estados Unidos.

    “Grande parte dos projetos de recuperação atuais tem como objetivo promover uma rápida cobertura vegetal da área a ser recuperada. No entanto, neste trabalho, mostramos que isso nem sempre é a melhor estratégia. Por falta de embasamento científico mais consistente, muitos projetos acabam tendo baixa taxa de sucesso, pois não conseguem criar ecossistemas biodiversos e resistentes a eventos como seca, entrada de espécies estrangeiras e fogo. Qualquer iniciativa de recuperação deveria ser baseada em um entendimento profundo da ecologia do ecossistema a ser recuperado, o que, infelizmente, ainda não é uma prática comum”, diz Oliveira, que foi o supervisor da pesquisa de pós-doutorado de Mazzochini.

    Oliveira destaca o papel da diversidade de espécies no aumento da resistência à entrada de plantas estrangeiras. “Nossos resultados mostram que a maior diversidade reduz a entrada, provavelmente devido à competição por recursos nos solos pobres e ácidos do Cerrado.”

    fapesp cerrado unicamp 2

    Em projetos convencionais de recuperação, para eliminar as plantas estrangeiras antes do plantio de espécies nativas, adotam-se estratégias de manejo como a queima controlada do terreno seguida de aragem recorrente durante a estação seca. Esse processo visa extrair estolões e raízes das plantas estrangeiras e eliminar as mudas recém-germinadas. No entanto, o persistente banco de sementes subterrâneo dessas plantas e a constante chegada de sementes do entorno fazem com que as espécies estrangeiras recolonizem e dominem as áreas recuperadas em poucos anos.

    “Por décadas, ecólogosAs comunidades locais que possuem uma grande diversidade de espécies mostraram ser mais resistentes às invasões se comparadas às comunidades com poucas espécies. Experimentos realizados em ambientes campestres temperados confirmaram essas observações sobre biodiversidade e funcionamento de ecossistemas. Nessas experiências, foram avaliadas comunidades de plantas com diferentes números de espécies, com o intuito de compreender como a biodiversidade afeta variáveis como produtividade, ciclagem de nutrientes e resistência a invasões. O pesquisador Mazzochini conta que este é o primeiro experimento desse tipo realizado no Cerrado e um dos poucos em regiões tropicais.

    De acordo com o pesquisador, estudos em ecossistemas temperados mostraram que comunidades mais diversas tendem a ter níveis reduzidos de recursos disponíveis, o que se supõe ser resultado da utilização complementar de recursos por espécies com estratégias ecológicas distintas. Isso diminui a invasão por espécies exóticas, as quais geralmente demandam grandes quantidades de recursos para sustentar seu crescimento rápido.

    As plantas são capazes de sobreviver e crescer em determinados ambientes devido a uma série de estratégias ecológicas relacionadas às características anatômicas e morfológicas de suas folhas, caules e raízes, denominadas “atributos funcionais”. Assim, por meio da mensuração desses atributos, as espécies de plantas costumam ser classificadas em um espectro que vai do conservador ao aquisitivo. No extremo aquisitivo, encontram-se espécies com crescimento rápido e órgãos vegetativos mais leves e tenros, que necessitam de uma maior quantidade de recursos. Tais espécies, como as exóticas, são consideradas mais competitivas. Em contrapartida, as espécies mais conservadoras crescem de forma mais lenta e, com sua estrutura robusta, formada por folhas, caules e raízes mais densos, são capazes de suportar condições adversas, como secas severas e baixa disponibilidade de nutrientes, descreve Mazzochini.

    A variação dos atributos funcionais entre espécies é utilizada para classificar as espécies ao longo do “eixo conservativo”. Recentemente, os ecologistas introduziram um novo eixo para compreender melhor a adaptação das plantas: o “eixo colaborativo”. Este conceito se baseia em um atributo funcional, o “comprimento específico da raiz” (SRL, da expressão em inglês específico root length), uma medida que representa a relação entre uma unidade de aquisição de recursos (comprimento radicular) e o investimento (massa).

    De acordo com o pesquisador, existe uma correlação direta entre o SRL e o diâmetro das raízes. Raízes mais finas são capazes de absorver nutrientes de forma autônoma e com maior eficiência. Por outro lado, raízes mais espessas frequentemente dependem da simbiose com fungos micorrízicos, os quais estabelecem uma relação mutualística com as raízes, acessando nutrientes inacessíveis para as plantas, geralmente fósforo, em troca do carbono produzido pela fotossíntese.

    Os dois eixos, conservativo e colaborativo, foram considerados no estudo em questão, o qual foi realizado em uma antiga pastagem incorporada pelo Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. “Instalamos 302 parcelas quadradas de dois metros por dois metros, plantando nelas de zero a oito espécies de gramíneas nativas, com uma densidade de mil sementes por metro quadrado”, relata Mazzochini.

    As oito espécies nativas plantadas foram: Axonopus aureus (pé-de-galinha), Axonopus siccus (capim-colonião), Andropogon fastigiatus (andropogon nativo), Aristida flaccida (carrapato), Aristida riparia (rabo-de-burro), Loudetiopsis chrysothrix (brinco-de-princesa), Schizachyrium sanguineum (capim roxo) e Trachypogon spicatus (fiapo).

    Como esperado, devidoAo longo da história da pastagem, foi registrado um aumento na invasão por gramíneas exóticas, como o capim-gordura, capim-gambá e três tipos de braquiárias. Para estimar a quantidade de invasão em cada parte da pastagem, os cientistas removeram todas as espécies exóticas e mediram sua biomassa. De acordo com os resultados de experimentos anteriores em ecossistemas temperados, verificou-se que comunidades com maior diversidade de espécies tinham menos biomassa exótica. Em particular, as áreas onde foi semeada apenas uma espécie nativa tinham 3,6 vezes mais biomassa de espécies exóticas do que aquelas com oito espécies. Isso levantou questões sobre qual mecanismo conferia maior resistência a invasões em comunidades mais diversas.

    “Nossos resultados sugerem que uma maior diversidade funcional, tanto na altura das plantas quanto no comprimento específico das raízes [SRL], está associada à redução na invasão por espécies exóticas. A diversidade na altura, relacionada à biomassa aérea das gramíneas nativas, parece criar múltiplas camadas de vegetação, que limitam a quantidade de luz solar necessária para o crescimento das espécies invasoras. Além disso, descobrimos que a diversidade de SRL é um fator crucial. Isso indica que, além da sombra proporcionada pela biomassa aérea nativa, uma variedade mais ampla de estratégias de raízes é eficaz na redução da invasão. Especificamente, as áreas com monoculturas tinham, em média, 4,7 vezes mais biomassa exótica do que aquelas com maior diversidade funcional de SRL”, relata Mazzochini.

    Esse resultado é especialmente importante porque muitas comunidades herbáceas do Cerrado não têm grandes quantidades de biomassa aérea, já que os solos ácidos e relativamente pobres limitam a produtividade. A maior parte da biomassa está armazenada abaixo do solo, nas raízes e estruturas subterrâneas.

    “Também comparamos a biomassa de espécies exóticas em áreas de monocultura e em áreas não semeadas, para determinar se a presença isolada de espécies nativas facilitava ou competia com as espécies invasoras. Nessa análise, descobrimos que o efeito isolado das espécies variava, com uma espécie facilitando o estabelecimento das exóticas, enquanto outras espécies reduziam a invasão, mesmo em monocultura. Para nossa surpresa, a espécie nativa anual com crescimento mais rápido, a espécie nativa anual com crescimento mais rápido, a Andropogon fastigiatus, facilitou o estabelecimento das exóticas, com 2,9 vezes mais biomassa de exóticas em suas monoculturas do que em áreas não semeadas”, revela Mazzochini.

    Esse resultado pode levar a uma grande revisão das estratégias de restauração adotadas no Cerrado, já que o Andropogon fastigiatus é uma espécie semeada com alta densidade nesses projetos. A ideia era que, devido ao seu crescimento rápido, que teoricamente cobriria o solo em menos tempo, essa espécie nativa impediria o estabelecimento das exóticas. No entanto, por ser anual, ela morre com a chegada da estação seca e sua biomassa, rapidamente decomposta e incorporada ao solo, aumenta a fertilidade, favorecendo o estabelecimento das espécies exóticas de rápido crescimento nos anos subsequentes.

    “As duas espécies que reduziram a invasão foram, para nossa surpresa, as mais funcionalmente distintas entre si. O Capim roxo é a mais baixa, com maior SRL e maior comprimento total de raízes, enquanto o Capim-colonião é a mais alta, com menor SRL e menor comprimento total. Nas monoculturas dessas duas espécies, verificamos, respectivamente, 73% e 92% menos biomassa em comparação com as áreas não semeadas. Esses achados contradizem a noção de que uma única espécie nativa, se semeada em alta densidade, poderia ser a chave para conter as invasoras. Em vez disso, os resultados mostram a importância de incorporar uma diversidade de estratégias ecológicas nas práticas de semeadura”, destaca Mazzochini.

    E Oliveira resume: “Quanto mais biodiversidade maior a chance de vitória contra as espécies exóticas. Os resultados também sugerem a importância de revisar as práticas de manejo e restauração que usam espécies anuais ou bianuais de rápido crescimento. Contrariamente ao que se acreditava, tais espécies podem facilitar o estabelecimento das invasoras no decorrer dos anos”.

    spot_img

    Últimas Postagens

    spot_img

    Não perca

    Brasília
    céu limpo
    15.5 ° C
    15.5 °
    13.1 °
    67 %
    0.5kmh
    0 %
    qua
    26 °
    qui
    28 °
    sex
    27 °
    sáb
    28 °
    dom
    20 °

    18.118.184.169
    Você não pode copiar o conteúdo desta página!