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Posicionamento
Os fiscais da Receita Federal, autoridades federais responsáveis, entre outras incumbências, pela execução dos procedimentos fiscais relacionados aos tributos federais, incluindo os ligados ao controle aduaneiro (disposto nos artigos 142 e 196 da Lei nº 5.172/1966, artigo 6º da Lei nº 10.593/2002 e artigo 2º do Decreto nº 3.724/2001), foram surpreendidos dias atrás pela divulgação, aqui nesta ConJur, de texto intitulado “Setor jurídico público e supervisão dos atos da administração tributária”.
Divulgação
Em trabalho acadêmico anterior, também divulgado aqui (artigo “Carreiras próprias de Estado: simples e não simplório”, de 8/7/2021), o advogado da Fazenda Nacional já havia feito crítica sem fundamento à afirmação de que carreiras específicas do Estado são aquelas que não têm equivalência na iniciativa privada, atribuindo essa interpretação a alguns agentes políticos, econômicos e segmentos da mídia, quando, na realidade, tal determinação deriva de comando legal (artigo 2º da Lei nº 6.185/1974).
Agora, o texto em questão, datado de 23/4/2024, expressa declarações arriscadas, ao afirmar que: a) o setor jurídico público deve desempenhar papel ligado à supervisão dos atos realizados pela administração tributária; b) o ponto de equilíbrio na relação entre Fisco e contribuinte é alcançado a partir da atuação do setor jurídico público; c) a transação tributária prevista na Lei nº 13.988/2020 é centralizada na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; d) a autoridade fiscal deve contar, durante a fiscalização tributária, com advogado público para fornecer orientação jurídica; e) as manifestações da Receita Federal devem passar por análise jurídica posterior e aprovação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; f) no âmbito da administração pública, a decisão final, do ponto de vista jurídico, cabe ao advogado público; e g) há previsão de controle do lançamento tributário diretamente pelo advogado da Fazenda Nacional.
Sem interferência
Conforme a própria Constituição de 1988 estabeleceu, em seus artigos 37, incisos XVIII e XXII, e 131, § 3º, a cobrança de tributos pela União se dá em duas etapas principais: 1) uma administrativa e obrigatória, conduzida pela administração tributária (Receita Federal) e seus servidores fiscais (fiscais), que têm precedência sobre os demais setores administrativos, em suas áreas de competência e jurisdição, além de recursos prioritários para realizar suas atividades essenciais para o funcionamento do Estado; e 2) uma judicial, que ocorre apenas se a obrigação não for cumprida na fase administrativa, referente à execução da dívida ativa de natureza tributária, sob responsabilidade da procuradoria-geral da Fazenda Nacional.
Nas etapas mencionadas acima, não há possibilidade de um órgão interferir no outro, pois cada um é responsável por uma etapa específica visando facilitar a cobrança dos tributos pelo contribuinte. Enquanto o lançamento do crédito tributário é uma atividade exclusiva (porque não pode ser delegada) da autoridade fiscal, a inclusão da dívida ativa da União, para fins de cobrança judicial, é uma ação exclusiva da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, através de seus advogados públicos. O órgão, inclusive, tem dupla subordinação, estando administrativamente vinculado ao ministro da Fazenda e tecnicamente e juridicamente ao advogado-geral da União, conforme o Decreto-Lei nº 147/1967 (artigo 1º) e a Lei Complementar nº 73/1993 (artigo 2º, § 1º).
Spacca
O ponto aqui não está relacionado ao fato de que o advogado público não possui conhecimento para lidar com aspectos contábeis e financeiros do lançamento, mas sim que mesmo seus aspectos jurídicos estão sob a responsabilidade exclusiva da autoridade fiscal, já que, de acordo com a interpretação do ConselhoNacional de Justiça, as funções desempenhadas pelos auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil, envolvendo a constituição do crédito tributário, a manipulação e a resolução em processos administrativos e a interpretação das leis, caracterizam-se claramente como atividades jurídicas, dado que visam interpretar e aplicar normas e princípios jurídicos ao caso concreto (Pedido de Providências CNJ nº 1.438/2007).
Não é à toa que a lei determina que cabe exclusivamente à Receita Federal e suas autoridades fiscais, sem qualquer participação da advocacia pública, a solução de consultas sobre a legislação tributária (artigos 48 a 50 da Lei nº 9.430/1996). O julgamento administrativo dos processos de exigência de tributos federais, a ser realizado via delegacias de julgamento da Receita, compostas unicamente por auditores-fiscais, e pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda, integrado paritariamente por autoridades fiscais e representantes dos contribuintes (artigo 25 do Decreto nº 70.235/1972), também acontece sem qualquer participação de caráter decisório da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
O Decreto nº 90.928/1985, que aborda as funções das autoridades fiscais, é preciso ao mencionar que cabe ao auditor-fiscal da Receita realizar ações de grande complexidade e responsabilidade, com ampla autonomia em interpretação e aplicação da legislação tributária. O Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966), em seu artigo 108, inclusive, estabelece limites para a interpretação da legislação pela autoridade fiscal. E o próprio Supremo Tribunal Federal (Acórdão de 08/08/1991 — Medida Cautelar na ADI 536/DF), exprime entendimento de que os atos expedidos pelos auditores-fiscais têm por finalidade interpretar a lei ou o regulamento no ambiente das repartições fiscais.
Sem hierarquia
O autor do polêmico artigo menciona o respaldo constitucional para a atuação dos advogados públicos. Nos termos do artigo 131 da Constituição Federal de 1988, cabe à Advocacia-Geral da União (e, por decorrência, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) promover atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
De acordo com o Dicionário Michaelis, assessorar significa assistir, ajudar, auxiliar, enquanto prestar consultoria significa aconselhar, orientar, sugerir. Observa-se das expressões anteriores que não há caráter imperativo nas manifestações expedidas pelos advogados públicos, ao contrário de diversos atos decisórios elaborados pelas autoridades fiscais, como autos de infração, notificações de lançamento, atos declaratórios executivos, despachos decisórios e soluções de consulta.
Considerando que a Receita e a PGFN são ambos órgãos permanentes, específicos e singulares, subordinados ao Ministério da Fazenda, não há que se discutir hierarquia entre um e outro ou entre seus integrantes. Inclusive, até a promulgação da Lei nº 2.642/1955, a advocacia pública da área fazendária (primeiro como Diretoria do Contencioso, depois como Procuradoria Geral da Fazenda Pública) integrava e era subordinada à administração tributária. A mesma ausência de hierarquia se aplica entre a Advocacia-Geral da União e os demais ministérios.
A única maneira de um entendimento da advocacia pública vincular órgão diverso é receber aprovação da autoridade superior a ela (presidente da República, no caso da Advocacia-Geral da União, ou ministro da Fazenda, no caso da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), nos termos dos artigos 40 e 42 da Lei Complementar nº 73/1993.
Espera-se, com a presente publicação, esclarecer que auditores-fiscais da Receita Federal e procuradores da Fazenda Nacional realizam, cada qual em seu respectivo órgão, tarefas complementares e relacionadas, no entanto, resguardando suas autonomias técnicas, sem possibilidade de intromissão no trabalho alheio, devendo zelar, em suas respectivas áreas, pelo cumprimento da legislação de regência e pela eficácia e eficiência da arrecadação tributária federal.