terça-feira, 2 julho, 2024
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    Justiça em diferentes partes do país permite retenção de salários, mas necessita padronizar critérios



    Débitos comuns

    Os 26 tribunais de apelação da Justiça estadual e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) têm autorizado a retenção dos salários dos devedores para quitar obrigações não alimentares, uma possibilidade que não está prevista na lei.

    Impossibilidade de retenção do salário é tratada de forma diversa nos 27 tribunais estaduais

    Levantamento realizado pela revista eletrônica Consultor Jurídico mostra que a posição foi adotada com base em decisões anteriores do Superior Tribunal de Justiça, especialmente o EREsp 1.874.222, julgado pela Corte Especial em abril do ano passado.

    A corte superior decidiu pela possibilidade de flexibilizar a regra do artigo 833, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil, que proíbe a retenção de salários exceto para pagar prestação alimentícia e para valores que ultrapassem 50 salários mínimos mensais.

    O problema que permanece é que não existem critérios sobre como a flexibilização deve ser feita. Isso tem levado desembargadores estaduais e distritais a adotar uma variedade de entendimentos.

    A padronização do tema poderá ser realizada pelo próprio STJ, que vai estabelecer tese vinculante sob o rito dos recursos repetitivos. O julgamento será feito na Corte Especial, sob a relatoria do ministro Raul Araújo.

    O Tema 1.230 dos repetitivos visa a “definir ​o alcance da exceção da regra da impossibilidade de retenção de salário para efeito de pagamento de débitos não alimentares, inclusive quando a renda do devedor for inferior a 50 salários mínimos”.

    Primeiras tentativas
    Devido à quantidade de processos sobre endividamento em um país de superendividados, alguns tribunais tomaram a iniciativa de buscar uma padronização. Dois deles julgaram o tema em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR).

    Trata-se de um instrumento semelhante aos recursos repetitivos do STJ, por meio do qual o tribunal estabelece uma tese em temas de efetiva repetição de processos e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

    O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) foi um deles. A 2ª Seção Cível da corte concluiu que é permitida, de forma excepcional, a retenção do salário para pagar dívida não alimentar, desde que o percentual não ultrapasse o limite de 30% da verba líquida (clique aqui para ler o acórdão).

    Esse percentual é o mesmo usado pela Lei 10.820/2003 para limitar o desconto no salário nos casos de empréstimo consignado.

    Raul Araújo é o relator do recurso em que a Corte Especial do STJ vai uniformizar a questão

    Relatora do IRDR no tribunal mineiro, a desembargadora Juliana Campos Horta chegou a apontar que melhor seria liberar os juízes para decidir em cada caso. Mas ela concluiu que, para evitar abusos, esse limite deveria ser adotado para “tornar a tese menos sujeita a divergências de interpretação”.

    Outro tribunal a usar o IRDR foi o TJ do Mato Grosso do Sul (TJ-MS), que também permitiu a mitigação da regra de impossibilidade de retenção dos salários com o limite de 30% sobre os vencimentos, “desde que a constrição não comprometa a subsistência do devedor” (clique aqui para ler o acórdão).

    Esse é o critério mais popular. Nenhuma das decisões analisadas pela ConJur autorizou a retenção de mais de 30% do salário. Outros tribunais a usar esse limite são os de Mato Grosso, Pará e Maranhão.

    No TJ de Goiás (TJ-GO), um acórdão da 3ª Câmara Cível adotou o limite de 30% porque, nesse montante, é possível presumir a preservação da subsistência digna do devedor, especialmente porque ele nada alegou a respeito na ação.

    Novos limites
    O Tribunal de JustiçaDo estado de São Paulo (TJ-SP) é o único a utilizar um critério numérico. Julgamento recente da 34ª Câmara de Direito Privado examinou a jurisprudência do STJ e concluiu que, se o devedor recebe até cinco salários mínimos (R$ 7 mil), o salário é sempre não penhorável.

    No entanto, se os vencimentos estiverem entre cinco e 50 salários mínimos (R$ 70,6 mil), a penhora vai depender das particularidades. A maior parte das cortes, entretanto, tem optado por essa análise caso a caso.

    O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), por exemplo, rejeitou a uniformização ao não aceitar uma proposta de IRDR em julgamento feito pelo Órgão Especial (clique aqui para ler o acórdão).

    O relator da matéria, o desembargador Jorge Wagih Massad afirmou que uma tese não seria cabível porque a suposta divergência no padrão decisório das câmaras do tribunal não é fruto de concepções distintas de Justiça.

    “O dualismo decisório está intimamente relacionado com as nuances fáticas das demandas julgadas pelos órgãos fracionários. Não há, portanto, diversidade de orientação jurídica entre câmaras, mas distinta qualificação dos fatos que servem de subsídio para que o órgão adote uma determinada razão.”

    Punho firme
    No TJ do Rio de Janeiro (TJ-RJ), a orientação adotada pela 17ª Câmara de Direito Privado indica que a situação em que a não penhorabilidade representa um abuso de direito do devedor requer firmeza do Poder Judiciário — logo, caberá a penhora do salário.

    Essa firmeza é maior em algumas cortes do que em outras. A ConJur identificou acórdãos que admitem a penhora de parte do salário de pessoas que recebem valores módicos.

    A 3ª Câmara Cível do TJ da Bahia (TJ-BA), por exemplo, considerou apropriada a penhora de 20% do salário de uma devedora que recebe R$ 1,9 mil por mês, de modo a fazer o pagamento da dívida sem comprometer sua existência digna, segundo os julgadores.

    A 1ª Câmara Cível do TJ de Tocantins (TJ-TO) determinou penhorar 30% do salário de uma servidora pública, de R$ 3,9 mil.

    E a 2ª Câmara Cível do TJ do Piauí (TJ-PI) entendeu ser possível a penhora de 30% dos vencimentos de uma pessoa que recebe R$ 2,7 mil, até quitar a dívida, que naquele momento era de R$ 39,2 mil.

    A quem cabe a prova?
    Outra grande questão enfrentada pelos tribunais brasileiros com frequência é a seguinte: a quem cabe comprovar que a penhora ameaça ou não a subsistência digna do devedor e de sua família?

    Há uma linha, adotada pela 14ª Câmara Cível do TJ-PR, segundo a qual essa comprovação é de responsabilidade do credor, enquanto autor do pedido, conforme o artigo 373, inciso I, do CPC.

    Uma das câmaras do TJ de São Paulo determinou limite para não penhorabilidade completa

    Outros tribunais, como os do Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Tocantins, Amazonas, Roraima e Pará, têm acórdãos que atribuem esse ônus ao próprio devedor, que é quem mais facilmente poderia fornecer a prova.

    Frequentemente, essa posição vem baseada no artigo 854, parágrafo 3º, inciso I, do CPC, segundo o qual cabe ao executado demonstrar que as quantias tornadas indisponíveis são não penhoráveis. É essa a jurisprudência da 1ª Câmara Especial do TJ de Rondônia (TJ-RO).

    Quando a 7ª Turma Cível do TJ-DF decidiu dessa forma, o voto vencido do desembargador Getúlio Moraes Oliveira trouxe considerações relevantes sobre o tema (clique aqui para ler o acórdão).

    Ele argumentou que não seria razoável impor ao devedor provar aquilo que a própria lei já lhe conferiu (a não penhorabilidade). Caberia ao credor, para afastar a regra legal, demonstrar a capacidade financeira da outra parte.

    “Todavia, como as exceções, para sua observância, terminam por gerar outras exceções, creio que seria razoável que, antes de se efetuar a penhora, pelo menos se intimasse o devedor, dando-lhe conhecimento da pretensão do credor e facultando-lhe prazo para impugnar o pedido.”

    Há, ainda, os tribunais mais flexíveis.Um veredicto da 2ª Câmara Cível do TJ do Acre (TJ-AC) anteriormente manifestou que o credor não demonstrou que esgotou outras alternativas de satisfação do crédito, nem apresentou a falta de prejuízo na penhora do salário do devedor.

    No entanto, autorizou a penhora em 15% do salário do devedor, com o propósito de “não criar uma proteção injustificada ao devedor em detrimento do direito fundamental à efetividade dos provimentos jurisdicionais e à segurança jurídica do credor”.

    Melhor padronizar
    No ponto de vista da advogada Nara Rodrigues, do escritório GVM Advogados, essa situação torna crucial uma definição pelo STJ, uma vez que os julgamentos até agora não resultaram em súmula ou vinculação.

    Elvis Cavalcante Rosseti, da banca Elvis Cavalcante Rosseti, destaca que, uma vez flexibilizada a impenhorabilidade do salário, a falta de critérios poderia levar a abusos ao ponto de jogar o devedor em uma situação de miserabilidade ou bancarrota.

    “É natural e salutar que o STJ enfrente a questão. Devemos lembrar que o entendimento fixado até então nessas decisões era utilizado como uma referência argumentativa, e os magistrados não estão obrigados a seguir o mesmo entendimento. Isso acaba por gerar insegurança para o jurisdicionado.”

    Rafael Felisbino, do Peixoto & Cury Advogados, afirma que a flexibilização é necessária porque o critério do CPC de penhora só acima de 50 salários mínimos é inadequado e pouco factível. Mas ele faz um aviso:

    “A flexibilização deve ser exercida na forma de flexissegurança. Não se pode tirar um texto fora de seu contexto para se conseguir um pretexto. Nada impede a flexibilização da norma, desde que realizada com parcimônia, prudência e, acima de tudo, justiça”.

    “O Tema 1.230 certamente buscará uniformizar as decisões da própria Corte Cidadã sobre a questão para o fim de criar segurança jurídica e dar o direcionamento que será replicado nos tribunais inferiores”, concorda Rodrigo Forlani Lopes, do Machado Associados.

    REsp 1.894.973, REsp 2.071.335, REsp 2.071.382, EREsp 1.874.222 (STJ)
    Processo 2247856-73.2022.8.26.0000 (TJ-SP)
    Processo 0093214-40.2023.8.19.000 (TJ-RJ)
    IRDR 1.0182.16.001439-1/001 (TJ-MG)
    IRDR 0061787-14.2020.8.16.0000, Processo IRDR 0061787-14.2020.8.16.0000 (TJ-PR)
    Processo 020540-09.2021.8.24.0000 (TJ-SC)
    Processo 0122783-86.2020.8.21.7000 (TJ-RS)
    Processo 5009515-72.2023.8.08.0000 (TJ-ES)
    Processo 0742428-81.2023.8.07.0000 (TJ-DF)
    Processo 1001540-96.2022.8.01.0000 (TJ-AC)
    Processo 0005289-50.2023.8.03.0000 (TJ-AP)
    Processo 8042140-63.2021.8.05.0000.1 (TJ-BA)
    Processo 8042140-63.2021.8.05.0000.1 (TJ-PB)
    IRDR 1403693-36.2019.8.12.0000/50000 (TJ-MS)
    Processo 1019858-17.2023.8.11.0000 (TJ-MT)
    Processo 5572528-40.2023.8.09.0006 (TJ-GO)
    Processo 0012432-15.2022.8.25.0000 (TJ-SE)
    Processo 0012432-15.2022.8.25.0000 (TJ-PE)
    Processo 0806963-02.2023.8.22.0000 (TJ-RO)
    Processo 0013244-17.2023.8.27.2700 (TJ-TO)
    Processo 0635475-23.2023.8.06.0000 (TJ-CE)
    Processo 0814956-87.2022.8.20.0000 (TJ-RN)
    Processo 0018642-70.2007.8.18.0140 (TJ-PI)
    Processo 0006142-32.2023.8.04.0000 (TJ-AM)
    Processo 0807174-93.2023.8.02.0000 (TJ-AL)
    Processo 9000143-14.2023.8.23.0000 (TJ-RR)
    Processo 0802187 -83.2020.8.14.0000 (TJ-PA)
    Processo 0810362-72.2023.8.10.0000 (TJ-MA)

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