sexta-feira, 5 julho, 2024
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    Justiça Popular, assassinato de mulheres e a questão genérica de absolvição


    Ações comuns, rotineiras ou contemporâneas que desrespeitam os direitos das mulheres devem ser proibidas e eliminadas. Realizada em Beijing, 1995, a 4ª Conferência Global sobre a Mulher, em sua Plataforma de Ação, item 224, estabeleceu que a agressão contra as mulheres representa ao mesmo tempo uma transgressão aos seus direitos humanos e liberdades básicas e um obstáculo e impedimento para que elas usufruam desses direitos.

    No recente julgamento RHC 229.558 AGR/PR, resultado de um recurso interposto pelo Ministério Público contra a decisão individual do ministro Nunes Marques, que concedeu a ordem para restabelecer a decisão de absolvição proferida pelo Tribunal Popular (questão genérica), foi decidido pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal que, mesmo que baseada em eventual indulgência, a decisão do júri não pode implicar o perdão a crimes que nem mesmo o Congresso teria competência para perdoar.

    Para uma melhor compreensão do julgamento no referido acórdão de 46 páginas, houve a síntese em dez tópicos:

    Mesmo que os critérios extrajurídicos possam ser considerados na absolvição pelo júri, isso não significa que a decisão seja imutável apenas por conta da questão genérica, que permite aos jurados votar sem a obrigação de justificar suas escolhas;
    Apesar de os jurados do Tribunal Popular não serem obrigados a justificar suas decisões, é essencial que haja uma análise da racionalidade mínima por trás delas, a fim de garantir uma justiça adequada e evitar arbitrariedades;
    A introdução de novas formas de absolvição por meio da questão genérica não implica que essas formas sejam indefinidas ou ilimitadas. Pelo contrário, devem ser identificáveis e estar dentro dos limites estabelecidos pela legislação e jurisprudência;
    Mesmo que uma absolvição seja motivada por indulgência por parte do júri, isso não pode resultar no perdão de crimes que estão além da competência do Congresso Nacional para perdoar, principalmente em casos de crimes graves;
    Na falta de clareza sobre o motivo da absolvição ou de evidências que a justifiquem, a instância superior tem o poder de determinar um novo julgamento para assegurar que a justiça seja feita e que os direitos das partes sejam respeitados;
    Especificamente em casos de assassinato de mulheres, onde a indulgência não deve ser permitida, essa circunstância não deve ser vista como justificativa para negar o recurso de apelação, uma vez que a gravidade desse tipo de crime demanda uma análise cuidadosa e imparcial;
    Cabe ao Tribunal de Apelação investigar as possíveis razões para a absolvição, mesmo que extrajurídicas, quando solicitado pelo Ministério Público, a fim de garantir a integridade do processo judicial e a correta aplicação da lei;
    A participação democrática do júri é essencial para o sistema de justiça, mas essa participação não deve resultar em decisões arbitrárias, especialmente em assuntos delicados como gênero e raça, onde há o risco de preconceito e discriminação;
    A recomendação do CNJ destaca a importância de os tribunais seguirem a jurisprudência da Corte IDH em casos de violações de direitos humanos, garantindo assim uma aplicação mais uniforme e eficaz dos direitos fundamentais;
    Além disso, as leis brasileiras devem estar em conformidade com os tratados internacionais de direitos humanos, conforme previsto na Constituição Federal, para garantir a proteção dos direitos humanos e a promoção da justiça em todos os níveis do sistema jurídico.

    No caso em questão, apesar de ter sido reconhecida a materialidade e autoria dos crimes, o Conselho de Sentença optou por absolver o acusado na questão genérica (artigo 483, inciso III, do CPP); aliás, cabe ressaltar que o réu admitiu a prática criminosa e que a defesa alegou que o delito foi cometido por uma “paixão doentia”.

    Assunto nº 1.087 e a legítima defesa da honra

    Não devemos esquecer que há pendência de análise do Assunto nº 1.087 da Sistemática.da Eficácia Geral, no qual se discute sobre “a capacidade do Tribunal de 2º grau, frente à supremacia dos vereditos do Tribunal do Júri, determinar a realização de novo júri em julgamento de recurso interposto contra absolvição estabelecida no quesito genérico, diante da suposta oposição à evidência dos autos”.

    Torna-se evidente que a controvérsia dos autos guarda semelhanças com a questão debatida no julgamento da ADPF nº 779 – DJe 6/10/23, onde o Pleno da Corte, por unanimidade, estabeleceu que a alegação de legítima defesa da honra é inconstitucional e que não viola a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri o acatamento de apelação que invalide a absolvição baseada em quesito genérico, sempre que isso possa resultar na reintrodução da repudiável tese da legítima defesa da honra.

    Caso a soberania dos vereditos fosse utilizada, neste caso, como justificativa para evitar novo julgamento, haveria o perigo de implicar, de alguma forma, a reintrodução da tese da legítima defesa da honra, mesmo que sob a alegação de “paixão doentia”.

    Recomendação do CNJ

    No decorrer da 61ª Sessão Extraordinária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Plenário resolveu recomendar aos tribunais que sigam a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e priorizem o julgamento dos processos derivados das condenações impostas ao Estado brasileiro por essa corte.

    Essa recomendação também engloba a necessidade de os juízes considerarem tratados e convenções de direitos humanos em suas decisões, além de assegurar a conformidade da legislação brasileira com tais instrumentos internacionais.

    Uma das questões ressaltadas foi a importância de os tribunais de apelação verificarem a coerência das decisões proferidas pelos júris, identificando as razões das absolvições. Se necessário, os tribunais podem determinar a realização de novo julgamento.

    Isto se torna especialmente crucial em casos de delitos hediondos, como o feminicídio, os quais não podem admitir clemência.

    A recomendação do CNJ reforça princípios já estabelecidos tanto na legislação brasileira quanto nos tratados internacionais de direitos humanos. A Constituição Federal prevê que os direitos e garantias constantes em tratados internacionais ratificados pelo Brasil possam complementar as prerrogativas expressas na própria Constituição.

    A Convenção Americana de Direitos Humanos, por exemplo, possui status supralegal no Brasil desde 1992, quando foi integrada à legislação brasileira por meio do Decreto nº 678/1992. Tal convenção protege a população contra a discriminação por diversos motivos, incluindo raça, cor, gênero, religião e origem nacional ou social.

    A Corte IDH, existente desde 1979, é responsável por interpretar a Convenção Americana de Direitos Humanos e julgar casos relativos a conflitos entre indivíduos e Estados-parte. Ela emite sentenças, monitora a execução de suas decisões e pode determinar medidas provisórias aos Estados. Sua jurisdição abrange 20 países, com uma população total de 560 milhões de habitantes.

    Esses princípios são aplicáveis em situações concretas, como o caso de um réu acusado de assassinato qualificado por feminicídio.

    Se a decisão do júri for contrária às provas apresentadas nos autos e não houver fundamentos válidos para a absolvição, os tribunais de apelação podem determinar novo julgamento. Isso é válido mesmo em crimes graves, como o feminicídio, os quais não devem permitir clemência ou anistia.

    Conclusão

    O aumento dos casos de feminicídio no Brasil é uma questão alarmante, como destacado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A entidade ressalta a urgência de implementar medidas para prevenir esses crimes, garantir investigações e julgamentos justos, e fornecer proteção e reparação integral às vítimas.

    Dados recentes indicam um crescimento nos casos de feminicídio em 2022 em comparação com o ano anterior. Essa tendência vai de encontro à redução geral no número de homicídios, destacando a necessidade de ações efetivas para lidar com esse problema persistente.

    Diante do exposto, a absolvição pelo Tribunal do Júri com base em quesito genérico não é absoluta e pode ser questionada — revogada por novo julgamento — sob a justificativa de que os jurados decidiram de maneira oposta às provas dos autos.

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