sexta-feira, 5 julho, 2024
spot_img
Mais

    Últimos Posts

    spot_img

    Legalidade para reembolso do IRRF sobre transferências para fora do país



    Diretamente do Carf

    A atuação no campo do Direito Tributário nos mostra que certos temas são como a fênix, personagem da mitologia grega capaz de renascer de suas próprias cinzas. O assunto tratado na coluna de hoje é um desses temas, que ressuscita o interesse sobre o já considerado inativo artigo 166 do Código Tributário Nacional (CTN).

    Refere-se à avaliação sobre a legalidade para pleitear o reembolso, administrativa ou judicialmente, de valores recolhidos indevidamente a título de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre as transferências para fora do país, haja vista a regra limitativa desse direito prevista no artigo 166 do CTN, cujo fundamento é a repercussão econômica dos tributos.

    Spacca

    São muitas as particularidades dos casos que podem ser avaliados dentro desse tema e não pretendemos aqui esgotá-las todas, mas sim trazer algumas ponderações, especialmente sobre situações em que a entidade estrangeira não possui qualquer vínculo formal com o Brasil (DTE, CNPJ ou representante legal), as quais trazem ainda mais vida ao tema.

    Para tratar da questão, cumpre pontuar que com o advento da Lei nº 13.105 (Código de Processo Civil/2015), a muito conhecida expressão “condições da ação”, bem como a figura da “possibilidade jurídica do pedido”, ambas previstas no Código de Processo Civil/1973 (Lei nº 5.869/1973) foram extirpadas. Todavia, a legalidade das partes e o interesse de agir, figuras vinculadas às “condições da ação”, foram mantidos incólumes, notadamente no artigo 17 [1], o qual enuncia que “para postular em juízo é necessário ter interesse e legalidade”.

    Assim, em que pese a categoria “condições da ação” (gênero) não mais existir, as figuras processuais da “legalidade ad causam” e o “interesse de agir” (espécies) continuam a ser reguladas pelo Código de Processo Civil vigente [2]. Afinal, legalidade ad causam e o interesse de agir são figuras processuais exigidas para qualquer postulação em juízo, uma vez que a composição do litígio (mérito) depende da satisfação ou cumprimento de condições processuais mínimas [3].

    No campo tributário, tais diretrizes processuais se manifestam em diversas situações. Aqui, preocupar-nos-emos com o tema já lançado aos leitores: a legalidade para o pleito do reembolso do IRRF pago indevidamente, no contexto de transferências feitas para fora do país.

    Em regra, o sujeito passivo detentor do direito subjetivo de crédito [4] em relação ao Fisco será a parte legítima para pleitear o reembolso do indébito, em estrita consonância com o artigo 165 do CTN.

    Ocorre que a retenção na fonte do imposto sobre renda, por sua natureza jurídica, torna complexa a discussão sobre quem seria o detentor do direito subjetivo de exigir a restituição da prestação pecuniária indevida. Afinal, aí entra em jogo uma terceira figura na relação jurídico tributária e exsurge a dúvida se não seria o caso de aplicação das limitações à legalidade para reembolso de tributos do artigo 166 do CTN.

    O tema é controverso no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

    De um lado, vemos decisões recentes que, ao apreciar pedidos de reembolso de IRRF pagos em razão de transferência de valores para fora do país, reconheceram a legalidade ativa da fonte pagadora brasileira, afirmando a inaplicabilidade do art. 166 do CTN ao tema, uma vez que a incidência do IRRF ocorre de forma isolada e definitiva[5]. Por outro lado, há casos anteriores que se apoiam na redação do art. 166, concluindo pela ilegitimidade de fontes pagadoras à devolução do IRRF quando não comprovem ter assumido o ônus econômico do imposto [6].

    Vale lembrar que mencionado dispositivo legal realmente declara que a devolução de impostos que impliquem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove ter assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

    A referência da legislação tributária ao imposto que implique, por sua natureza, a transferência do encargo financeiro trata da clássica (ou mais divulgada) classificação dos impostos em diretos e indiretos: “comumente define-se o imposto indireto como aquele que, apesar de ser devido por determinado sujeito passivo, é economicamente suportado por terceiro, sendo este o contribuinte de fato, e aquele o contribuinte de direito” [7].

    Ao julgar os Embargos de Divergência nº 1.318.163-PR, em 2017, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) expressamente assinalou que “o imposto de renda não se inclui dentre aqueles que se enquadram como ‘tributos indiretos’ a exigir qualquer análise quanto ao art. 166 do CTN, sendo desnecessário tecer mais comentários a respeito de referidos casos anteriores”. Esse entendimento está em linha com a jurisprudência do Tribunal, a qual vem se fortalecendo no sentido de que os impostos diretos não necessitam de comprovação da ausência de repercussão econômica do imposto (AgInt no REsp 1.774.837 / MG, e EREsp 775.761 / RJ o REsp 457.155-SE).

    No entanto, nos parece que, até o momento presente, o STJ não se debruçou suficientemente sobre o específico tema do presente artigo.

    Isso porque, no ordenamento jurídico vigente, é possível verificar a existência de mais de uma modalidade de IRRF [8], como: (1) o IRRF sobre o produto do capital ou do trabalho do contribuinte recebido por qualquer forma (parág. quarto, artigo 3º, da Lei nº Lei nº 7.713/1988); (2) o IRRF sobre os pagamentos sem causa ou a benefícios não identificados (parág. primeiro, do artigo 61, da Lei nº 8.981/1995); e (3) o IRRF sobre as remessas realizadas ao exterior (alínea “a”, caput, do artigo 97, do Decreto-Lei nº 5.844/1943).

    Em 2012, a 1ª Turma do STJ, apesar de ter sido provocada, não considerou a questão da diferença das espécies de retenção na fonte, analisando o caso sob a perspectiva de que a figura da retenção seria “responsabilidade tributária por substituição”, para declarar que o responsável pela retenção do imposto de renda devido em razão da remuneração paga a empresa estrangeira deteria legitimidade ativa ad causam (AgRg no REsp 1.041.032-ES).

    Posteriormente, em 2018, a 2ª Turma do STJ afastou a legitimidade da empresa brasileira que reteve imposto de renda incidente sobre as remessas de lucros às sócias domiciliadas no exterior, sob o fundamento de que o IRRF seria “tributo indireto”, aplicando o disposto no artigo 166 do Código Tributário Nacional, em desacordo com o que foi julgado no EREsp nº 1.318.163-PR, mencionado acima (AgInt no AREsp 974.997-SP).

    Em nossa opinião, a conclusão alcançada no EREsp 1.318.163-PR deve ser aplicada ao IRRF sobre remessas ao exterior, o qual não pode ser classificado como “tributo indireto”. Como lembra Sérgio André Rocha, o IRRF é imposto sobre a renda e, por isso, deve seguir as balizas constitucionais a respeito desse tributo federal, bem como aquelas estabelecidas pelo artigo 43 do CTN a respeito da materialidade tributável[9].

    A imputação de responsabilidade de retenção e recolhimento do tributo (responsabilidade tributária por substituição, no caso da retenção na fonte sobre remessas ao estrangeiro) [10], com base no § único, do artigo 45 do CTN, não modifica a natureza do tributo. A retenção na fonte é incumbência de responsabilidade a terceiro, que não é o contribuinte – esse está no exterior, auferiu a renda em questão e tem a capacidade contributiva em relação ao evento tributável -, de forma que não há qualquer alteração dessa figura ou da natureza jurídica do tributo que justifique a aplicação da regra do artigo 166 do CTN [11].

    Diferentemente do IRRF sobre o produto do capital ou do trabalho do contribuinte, o IRRF sobre as remessas realizadas ao estrangeiro não poderia ser cobrado diretamente pelo Fisco brasileiro do beneficiário dos rendimentos (contribuinte), em virtude do princípio da territorialidade, que o torna inalcançável. Guardadas as devidas particularidades, é o que ocorre no caso do IRRF cuja materialidade pressupõe a ausência de identificação do beneficiário dos rendimentos, que, não podendo ser alcançado para realizar o pagamento dos montantes devidos aos cofres da União, responsabiliza-se a fonte pelo adimplemento do imposto (cf. artigo 61 da Lei nº 8.981/95).

    Dessa forma, para o caso das remessas ao estrangeiro, o IRRF incide de forma individual e definitiva, e não como mera antecipação do imposto sobre a renda do contribuinte. Nessa linha, a Solução de Consulta COSIT nº 255, de 26 de maio de 2017 assinalou que “os rendimentos auferidos por residentes ou domiciliados no exterior, provenientes de fontes situadas no País, sujeitam-se à incidência do Imposto sobre a Renda na fonte, forma isolada e definitiva, no momento do pagamento, do crédito, da entrega, do emprego ou da remessa dos rendimentos” (destacamos).

    Assim, a relação jurídico-material tributária do IRRF-remessas se estabelece, desde o momento da ocorrência do fato gerador, entre a União e a fonte pagadora, com ênfase no fato de que o beneficiário de rendimentos (contribuinte) não está situado ou domiciliado no Brasil.

    Por isso é que, a princípio, o beneficiário dos rendimentos localizado no estrangeiro nada poderia requerer à Administração Tributária brasileira em termos de repetição de indébito [12]. A pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no estrangeiro não apura imposto de renda devido ao Brasil e não possui qualquer viabilidade operacional para requerer a devolução de valores indevidamente pagos à União Federal. Não à toa que a Instrução Normativa RFB nº  2055/2021, em seu artigo 20, condiciona a possibilidade de restituição ao não residente à adesão ao Domicílio Tributário Eletrônico (DTE) e inscrição no CNPJ/CPF, quando inexistente representante legalmente constituído no Brasil. Nas demais situações, concede o direito ao responsável por substituição que está em território nacional, porém requerendo a demonstração da fonte ter arcado com o ônus financeiro do tributo ou cumprimento dos requisitos do seu artigo 17.

    Ocorre que, eventual reconhecimento de ilegitimidade da fonte pagadora para pleitear a restituição de valores pagos a maior a título de IRRF relativamente a remessa de valores ao estrangeiro, ensejaria enriquecimento sem causa da Fazenda Pública, eis que a pessoa física ou jurídica que recebe os valores no estrangeiro jamais teria legitimidade para requerer a restituição de valores pagos indevidamente ao Fisco brasileiro afora das hipóteses previstas no art. 20 da IN 2055/2021. Nessa linha, foi proferido o voto vencedor do Acórdão nº 1201-005.988.

    Como adiantado, o tema ora abordadopossui várias dificuldades, que se acentuam na diferenciação dos casos específicos. O objetivo do texto em questão é apresentá-las e levá-las à discussão. No entanto, o ponto crucial, que não deve ser passível de controvérsias, é que o direito (material) à restituição de tributos pagos indevidamente não pode ser diminuído. Além disso, é importante lembrar que a legitimidade ativa (processual) para esse pleito não deve resultar em interferência do Direito Tributário nas negociações privadas, que permitem que os particulares resolvam entre si as questões relacionadas às suas transações, principalmente em nível internacional, onde a territorialidade impõe limites jurídicos e técnicos à atuação da administração tributária.

     

    [1] BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 66

    [2] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, p. 342

    [3] THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I. 56. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015 p. 1.022

    [4] A relação jurídica de indébito tributário é o vínculo abstrato que enseja (i) o direito subjetivo do sujeito passivo de exigir do sujeito ativo a restituição da prestação pecuniária indevida (crédito) e, ao mesmo tempo, (ii) o dever jurídico do sujeito ativo de restituir essa mesma prestação (débito). Para tanto, o sujeito passivo poderá optar pela via judicial ou pela via administrativa.

    [5] Acórdãos 1201-005.145, 1201-005.988, 1402-006.061, 1402-006.062, 1402-006.063, 1302-004.820, 1302-004.821, 1302-004.822 e 1302-004.823.

    [6] Acórdãos nos 1201-005.452, 1201-005.145, 1301-005.523, 1401-005.629 e 1003-001.150.

    [7] LAURENTIIS, Thais de. Restituição de Tributo Inconstitucional. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo: 2014, p. 113-114.

    [8] Nessa linha, SERGIO ANDRÉ ROCHA consigna que “a figura da retenção é utilizada pela legislação tributária com vistas à realização de mais de uma finalidade, a depender da sua caracterização como antecipação ou como tributação definitiva”. (ROCHA, Sérgio André. Análise estrutural do IRRF de não residentes: fato gerador, sujeição passiva, base de cálculo e alíquota. Revista Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte. 2022 v. 20 n. 155 jan/.fev.)

    [9] ROCHA, Sergio André. Análise estrutural do IRRF de não residentes: fato gerador, sujeição passiva, base de cálculo e alíquota. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 20, n. 115, p. 29-70, jan./fev. 2022.

    [10] “Haverá caso de substituição tributária, em nossa visão, apenas no caso de retenção exclusivamente na fonte de imposto sobre a renda. Afinal, neste caso, a responsabilidade tributária recairá sobre a fonte pagadora desde o momento do fato gerador e exclusivamente sobre ela. Assim, nessa hipótese, a dívida é da fonte pagadora e o impacto patrimonial, isto é, a responsabilidade, também o é.” (SANTOS, Bruno Cesar Fettermann Nogueira dos. A Natureza Jurídica da Fonte Pagadora no Imposto de Renda na Fonte e seu Regime Jurídico. Revista Direito Tributário Atual n. 55. ano 41. p. 73-104. São Paulo: IBDT, 3º quadrimestre 2023, p. 84).

    [11] Trazendo diferentes ponderações sobre o tema, ver: NOGUEIRA, Julia de Menezes. Imposto Sobre a Renda na Fonte. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 215-216.

    [12] Em sentido contrário, ver: ROCHA, Sérgio André. Estudos de Direito Tributário Teoria Geral, Processo Tributário, Fim do RTT e Tributação Internacional. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2015, p. 356.

    spot_img

    Últimas Postagens

    spot_img

    Não perca

    Brasília
    céu limpo
    12.5 ° C
    12.5 °
    12.5 °
    82 %
    0kmh
    0 %
    sex
    26 °
    sáb
    27 °
    dom
    29 °
    seg
    30 °
    ter
    25 °

    3.139.70.106
    Você não pode copiar o conteúdo desta página!