sexta-feira, 5 julho, 2024
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    Legalização das substâncias piora saúde e segurança coletivas


    A legalização do transporte de entorpecentes pode agravar dificuldades de segurança e saúde coletivas, conforme especialistas nas duas áreas consultados pela Gazeta do Povo. O tema voltou a ganhar destaque com a votação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalização do transporte de maconha para consumo pessoal, e o Congresso discute uma proposta que busca criminalizar o transporte de qualquer quantia de quaisquer substâncias entorpecentes.

    O analista em defesa e proteção Alessandro Visacro avalia que a legalização das substâncias gera um aumento no consumo e, como a comercialização do entorpecente continuará sendo crime, a consequência lógica é o fortalecimento das atividades do tráfico e, consequentemente, das facções criminosas.

    Já na área da saúde coletiva, o médico psiquiatra e presidente da Associação Paulista para o Progresso da Medicina, Ronaldo Laranjeira, afirma que mesmo o uso recreativo de substâncias entorpecentes pode causar dependência química, acarretando danos irreversíveis à saúde. Além disso, o consumo dessas substâncias pode impactar nas relações interpessoais, no desempenho acadêmico e profissional.

    O médico explica que uma pesquisa nos Estados Unidos revelou que, pela primeira vez no país, após políticas de legalização do uso recreativo da maconha, o número de usuários diários dessa substância ultrapassou o número de pessoas que consomem bebidas alcoólicas diariamente.

    Sob a ótica da saúde coletiva, de acordo com Laranjeira, esse aumento pode ser devastador devido aos danos provocados pelo consumo da maconha, tais como esquizofrenia, depressão, propensão ao suicídio e ansiedade.

    No julgamento do STF, até o momento, cinco ministros votaram a favor da legalização do transporte de maconha para consumo pessoal, estabelecendo um limite quantitativo para diferenciar usuário de traficante. A tendência é que, nesta terça-feira (25), quando o julgamento for retomado, o tribunal forme uma maioria em torno desse entendimento. Dois ministros ainda necessitam registrar seus votos: Cármen Lúcia e Luiz Fux.

    O principal argumento em comum dos ministros que votaram pela legalização é que a Lei de Drogas, embora não penalize o transporte para consumo pessoal com prisão, não estabelece critérios para distinguir consumo de tráfico, o que abre espaço para “excesso de discricionariedade” dos agentes da polícia e do judiciário e “falta de isonomia” no tratamento dos flagrantes de drogas.

    Essa situação, conforme redigiu o ministro Alexandre de Moraes, estaria resultando em distorções, fazendo com que indivíduos presos com a mesma quantidade de drogas, mas com características socioeconômicas e raciais distintas, recebam punições diferentes.

    Durante o julgamento, o ministro afirmou que “o STF tem a obrigação de exigir que a lei seja aplicada de maneira idêntica a todos, independentemente de etnia, classe social, renda ou idade”.

    Legalizar o transporte prejudica combate ao tráfico, afirma jurista

    Um ponto em comum defendido pelos especialistas contrários à perspectiva dos cinco ministros do STF é que a legalização acarreta no aumento do consumo de drogas e, em sequência, do tráfico.

    Jurista e responsável pelo Centro de Pesquisa em Segurança (Cepedes), Fabrício Rebelo declara que o crescimento se dá até mesmo entre outras substâncias que não tenham sido liberadas, o que, por conseguinte, amplia a circulação criminosa de drogas e as atividades ilegais periféricas relacionadas ao tráfico.

    Nações como Holanda e Dinamarca, pioneiras nas políticas de uso recreativo destas substâncias, começaram a reavaliar estas medidas mais tolerantes. Outro exemplo citado é o Oregon, primeiro estado americano a liberar o uso recreativo de todas as drogas no país em novembro de 2020. Em fevereiro deste ano, o governo do estado resolveureverter a determinação, justamente devido ao aumento do consumo e da criminalidade.

    No ano de 2001, Portugal foi um dos primeiros países a aprovar uma legislação de descriminalização de substâncias entorpecentes. Até o ano de 2009, os dados indicavam resultados favoráveis em relação a essa medida, com destaque para a redução de 16,5% na quantidade de indivíduos privados de liberdade. Contudo, nos últimos anos, houve uma inversão nesse panorama. Uma pesquisa nacional realizada em 2023 constatou que, entre os anos de 2001 e 2022, a proporção de adultos que faz uso de drogas ilícitas subiu de 7,8% para 12,8%.

    O estudo também revela aspectos singulares, como os elevados índices de cocaína e cetamina detectados em amostras do sistema de esgoto de Lisboa, sobretudo durante os fins de semana, sugerindo um uso significativo em festividades. Na cidade do Porto, a quantidade de resíduos gerados pelo consumo de drogas nas vias públicas aumentou 24% no mesmo período. Além disso, houve um acréscimo nos índices de delinquência: 14% entre os anos de 2021 e 2022. Em parte, a polícia associa essa elevação na criminalidade ao uso de substâncias entorpecentes.

    O Coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro Fábio Cajueiro salienta ainda que o Brasil apresenta serviços públicos de educação, saúde, transporte e segurança “precários e incapazes de atender todas as demandas da população” e que, mesmo diante desse cenário, o tema da descriminalização do porte de drogas voltou a ser debatido publicamente, como se isso representasse um aspecto positivo para a qualidade de vida dos cidadãos. Ele afirma que o “narconegócio” e sua ala armada, a “narcoguerrilha”, “aplaudem qualquer iniciativa que expanda seu mercado e facilite suas vendas e lucros”.

    Determinação de quantidades para diferenciar usuário “facilita a vida do traficante”, alertam especialistas

    Os analistas consultados pela Gazeta do Povo também questionam a definição de um limite máximo da substância portada para distinguir o consumo pessoal do tráfico.

    Atualmente, na ação em avaliação no Supremo Tribunal Federal, há um entendimento dos ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber de que o porte de até 60 gramas ou de seis pés de maconha caracterizaria uso pessoal, enquanto quantidades superiores a esses limites configurariam tráfico.

    O coronel Cajueiro destaca que um cigarro de maconha possui, em média, de 0,3 g a 1,2 g, o que significa que a permissão para 60 g de maconha resultaria no porte não criminalizado de 50 a 200 cigarros da substância. Caso essa quantidade seja autorizada, ele prevê que o desdobramento será a multiplicação dos pontos de comercialização em todas as cidades, aumentando as transações. Essa ampliação, segundo ele, provocaria disputas locais por tais pontos, envolvendo o uso de armamentos e possíveis óbitos.

    Fabrício Rebelo ressalta ainda que, como os consumidores de drogas não são sancionados com prisão no Brasil – sendo sujeitos apenas a medidas pedagógicas –, os traficantes passaram a transportar quantidades menores consigo, deixando as maiores ocultas, justamente para, em caso de abordagem, se passarem por usuários.

    “Isso constitui um desafio considerável para o combate ao tráfico, e a possível decisão do STF tende a complicar ainda mais o cenário. Na prática, vão determinar que quantidade estará liberada para o traficante portar consigo”.

    Especialistas apontam impactos para a saúde

    Além dos efeitos no âmbito da segurança pública, a descriminalização das substâncias entorpecentes também tem repercussões na saúde da sociedade. Com experiência como Secretário de Saúde do Rio Grande do Sul e ministro da Cidadania, o médico e deputado Osmar Terra (MDB-RS) aponta que o sistema de saúde pública é afetado pelo aumento do consumo de drogas.

    Ademais, ele defende que é necessário oferecer tratamento para a dependência química, com investimentos em residências terapêuticas, ao invés de deixar o dependente desamparado para decidir se deseja ou não buscar ajuda e reincidir no vício. “É preciso convencer as pessoas (a se tratarem). Acredita que alguém na Cracolândia vai parar de consumir drogas? A mente dele está intoxicada ao extremo”.pela substância, ele nem raciocina”, afirma.

    Terra também adverte que não existe entorpecente que seja “leve”. Ele explica que a maconha, por exemplo, causa um transtorno mental específico, a psicose induzida por cannabis, que tem levado jovens à interdição, ficando incapazes de realizar qualquer atividade, prejudicando sua instrução e produtividade futura.

    Um artigo da plataforma Medscape, especializada em assuntos médicos, que trata sobre a psicose induzida pela cannabis, reproduz depoimentos de médicos afirmando sobre como a substância pode provocar crises psicóticas e esquizofrenia. Segundo o artigo, o Dr. Ken Finn, médico, presidente e fundador da clínica de reabilitação Springs, avalia que, mesmo após o exame toxicológico dar negativo, a crise pode persistir por semanas ou meses e, inclusive, jamais regredir.

    Sobre o uso recreativo da maconha, o doutor Ronaldo Laranjeira faz um aviso, mencionando uma pesquisa da revista norte-americana Addiction, que evidencia que, entre 2009 e 2022, o consumo de maconha cresceu 269% nos Estados Unidos, diante de uma redução em 7% no consumo de álcool.

    O uso recreativo da substância começou a ser permitido em estados americanos em 2012 e esse aumento exponencial fez com que, pela primeira vez no país, o número de pessoas que consomem maconha diariamente ultrapassasse o de usuários diários de álcool. Ao todo, 18 milhões de americanos já são usuários frequentes da maconha. Laranjeiras ainda destaca que o consumo da substância tem frequência de 15 a 16 dias por mês, superando os 5 dias de média de consumo do álcool.

    Conforme o psiquiatra, apenas substâncias que geram vício acabam criando esse tipo de padrão de consumo. “Então além do álcool, que é o entorpecente que produz maior impacto social, juntamente com o cigarro, que fica em segundo lugar, agora temos nos EUA aquilo que já vínhamos falando há muitos anos, que é o risco da maconha se tornar a terceira substância lícita que vai ter esse impacto”.

    O psiquiatra avalia que esses dados são importantes do ponto de vista da saúde coletiva, para que a sociedade brasileira decida o que deseja fazer, já que tendência de aumento no consumo se verificou em diversas nações que descriminalizaram o uso das substâncias, como Uruguai e Portugal, entre outras já citadas.

    Ação do STF pode descriminalizar posse de maconha

    Atualmente o debate sobre a descriminalização e a criminalização das drogas se dá em duas frentes, no STF e no Congresso Nacional. No Supremo, tramita uma ação iniciada em 2015, que pode descriminalizar a posse de maconha para consumo pessoal. A ação questiona a constitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343/ 2006, a Lei das Drogas.

    De acordo com o dispositivo, é crime adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, entorpecentes sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Aos usuários cabem penas alternativas, que variam entre advertências sobre os efeitos do uso de drogas, a prestação de serviços à comunidade ou a participação em programa educacional.

    Até o momento, a Suprema Corte contabiliza cinco votos favoráveis à descriminalização, três contrários e um entendimento que diverge das duas teses. Votaram pela descriminalização os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Alexandre de Moraes. Os ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça votaram contra.

    Na última quinta-feira (20), o ministro Dias Toffoli defendeu que a lei em vigor é “totalmente constitucional” e já descriminalizou a posse de drogas para usuários, pois fixa penas de cunho socioeducativo. Ele sugeriu um prazo de 18 meses para que o Executivo e o Legislativo elaborem uma política pública de drogas, estabelecendo a quantidade que deve diferenciar a posse para uso daquela para finalidades.

    de comércio ilegal.

    Proposta do Congresso busca tornar a criminalização constitucional

    No ano passado, em reação a essa decisão no STF, o líder do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deu início à tramitação da PEC 45/23 que inclui na Constituição Federal a proibição da posse ou transporte de substâncias entorpecentes e drogas ilegais, independentemente da quantidade.

    O responsável pelo parecer da proposta, Efraim Filho (União – PB), incluiu no texto a importância de diferenciar o usuário do traficante e que o Estado deve respeitar essa distinção. Além disso, também propõe a adoção de penas alternativas para os usuários, assim como a oferta de tratamento para os dependentes químicos.

    Em relação à iniciativa, o relator destacou que as drogas têm impacto na saúde coletiva, contribuindo para o aumento do consumo e da dependência química, e na segurança pública, fortalecendo o comércio ilegal e financiando o crime organizado.

    Após ser aprovada em sessão plenária no Senado, a PEC recebeu aprovação da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), já confirmou que a continuação da tramitação ocorrerá no segundo semestre.

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