sexta-feira, 5 julho, 2024
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    Lei de Urbanismo e o progresso das metrópoles no litoral catarinense


    O estágio atual das metrópoles situadas no litoral de Santa Catarina, principalmente no que diz respeito ao novo ciclo de expansão do setor imobiliário com grande valorização (Costa, 2024), gera uma questão relevante para os habitantes dessas metrópoles e para aqueles que almejam um local agradável e apropriado para viver e visitar: como será o destino delas e como está sendo planejado o seu crescimento para abrigar as inúmeras pessoas que anualmente vêm habita-las?

    Spacca

    Esse questionamento nos faz lembrar de um artigo de Slovij Zizek (2023), originalmente publicado na Jacobin, e no Brasil em Outras Palavras, sendo este último sob o título de “Zizek sugere uma quebra temporal”. Neste texto, o autor diferencia o futuro do porvir, indicando o primeiro como “[..] continuação do presente, como a plena atualização das tendências que já estão presentes, enquanto porvir aponta para uma ruptura radical, uma descontinuidade com o presente — porvir é o que está por chegar (por vir), não apenas o que será” (Zizek, 2023).

    Neste artigo, Zizek (2023) afirma que “[…] o passado está aberto a reinterpretações retroativas, enquanto o futuro está fechado, pois vivemos em um universo determinista”. Ao mencionar isso, o autor não quer dizer que o futuro não possa ser alterado. Ele apenas explica que isso quer dizer “[…] que, para modificar o nosso futuro, devemos primeiro (não “entender”, mas) modificar o nosso passado, reinterpretá-lo de modo que ele se abra para um futuro diferente daquele implícito na visão predominante do passado” (Zizek, 2023).

    Esta referência pode ajudar a compreender o atual crescimento (principalmente imobiliário e populacional) das metrópoles situadas no litoral de Santa Catarina. O Censo de 2022 mostrou que metrópoles como Florianópolis, Palhoça, São José, Itajaí, Balneário Camboriú, Camboriú e Itapema estão aumentando em população acima da média nacional (Santanella, 2023). Quem está presente no dia a dia dessas metrópoles já percebe o impacto desse crescimento, que se intensifica significativamente nos períodos de pico durante o verão, podendo ser visualizado como aquilo que é no presente, mas também será no futuro.

    O efeito do verão é apenas um experimento que antecipa efeitos que se tornarão permanentes nesse futuro praticamente determinado. É neste ponto que a noção proposta por Zizek se concretiza nessa realidade. O futuro do litoral de Santa Catarina e de suas metrópoles é certo, algo que já pode ser sentido durante os períodos de verão e também nas avaliações comparativas entre as maiores e menores. Mantido o modo atual de observar e compreender o progresso (principalmente econômico), o destino dessas metrópoles é mais do que garantido.

    A perspectiva de Zizek estabelece a necessidade de modificar o passado, que no contexto das metrópoles situadas no litoral de Santa Catarina deve ser compreendido em tudo o que foi feito até o momento e que, como resultado, geraram os atuais efeitos, positivos e/ou negativos. Nessa análise, certamente seriam identificados dados que refletiriam o aumento do PIB (Produto Interno Bruto), a melhoria de alguns padrões visuais, o surgimento de uma variedade de instalações e serviços, a ampliação da acessibilidade em determinados locais das metrópoles, bem como o aprimoramento de algumas infraestruturas. No entanto, também é certo que muitos problemas surgiram ou se agravaram, tais como congestionamentos, dificuldades habitacionais, ocupações em áreas de risco e de proteção, aumento da disparidade social, problemas no fornecimento de água e energia elétrica, ausência de balneabilidade em várias praias, entre outros.

    Essa suposição de um futuro certo, aqui no litoral de Santa Catarina, não é necessária para avaliar o modelo atual de progresso. Ele já se manifesta nos períodos de verão, exibindo suas carências que só poderão ser superadas com planejamentos que devem ser realizados agora em todos os níveis, desde os marcos legais,passar por processos educativos e de conscientização da população, até a obtenção dos recursos financeiros para a execução das políticas públicas que devem cumprir o que determina a Constituição Federal, em seu artigo 182, ou seja, o fato de que a política urbana objetiva o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem estar de seus habitantes (Brasil, 1988).

    Esse problema está intrínseco ao Direito Urbanístico, que talvez mais do que outros ramos do Direito, por sua função de moldar a realidade, representa em sua essência uma missão que vai além da regulamentação de atividades e conflitos atuais, tendo como objetivo a configuração da realidade da cidade, preparando-a para novas demandas ou para o seu crescimento, corrigindo deficiências históricas e alcançando o objetivo de quem vive nas cidades, elevado ao patamar constitucional no signo do “bem-estar de seus habitantes”.

    Esse bem estar está diretamente ligado, do ponto de vista jurídico, à garantia dos direitos fundamentais que cada pessoa necessita para atingi-lo. Isso também está relacionado às perspectivas que ultrapassam a esfera individual, adquirindo conteúdo intersubjetivo, de ordem coletiva e difusa, excedendo em muito os limites das próprias cidades, devendo ser pensado em nível planetário.

    Para enfrentar esse fenômeno de aumento populacional e crescimento econômico por meio do aumento do mercado imobiliário, é fundamental refletir sobre o que tem sido feito e o que pode ser alterado para que o futuro das cidades do litoral catarinense seja melhor do que hoje ou mesmo para que não piore o “bem-estar de seus habitantes”. Essa dimensão jurídica do Direito Urbanístico conceitualmente está bastante próxima daquilo que Zizek (2023) chama de futuro, o que significa que não basta desejar mudar, é necessário antes transformar o passado, romper com a lógica da realidade que a moldou da forma como se encontra.

    O fato é que a dimensão dessas cidades, segundo Peres, Abreu e Calheiros (2023, p.1145), em estudo sobre Florianópolis, mas que se replica em várias outras cidades do litoral de Santa Catarina, é de uma cidade com três dimensões predominantes, a cidade mercadoria, a cidade empresa e a cidade pátria. Segundo os autores, a cidade é dominada pelo capital privado, sobretudo imobiliário. Esse fenômeno permite observar que sua configuração ocorre a partir de uma visão única de desenvolvimento (o econômico), que produz uma relação direta e aberta entre o poder público e os empresários, deixando a população com uma participação meramente formal (Rizzo, 2013).

    Dessa forma, o que se percebe em quase todas as cidades do litoral catarinense no incremento de melhorias públicas, nas regulamentações legais, sobretudo relacionadas ao Plano Diretor, na tentativa de manter a excelência em determinados serviços (que muitas vezes ainda falham, como abastecimento de água e coleta de lixo) e na manutenção de certos padrões de beleza e estética, é que eles são garantidos para o crescimento econômico, com a conivência da opinião pública [1].

    O fato é que todas essas condutas e modelos de desenvolvimento, tanto públicos quanto privados, são realizados para uma parcela da população, não visando a universalidade da sociedade. A quase totalidade desses empreendimentos privados e dessas ações públicas não conseguem ou não alcançam toda a população, resultando em fortes processos de segmentação social e exclusão, rompendo a lógica de universalização da cidadania.

    A tendência do Direito e do Estado de Direito, como produto das revoluções liberais e de um aprimoramento em um Estado Social e Democrático, é a universalização e o equilíbrio de circunstâncias sociais que produzam certa igualdade de oportunidades, que permitam os mesmos acessos a todas as pessoas, garantindo-lhes direitos fundamentais constitucionalmente previstos paraUma vida digna. No âmbito do Direito Urbanístico isso implica em ajustar o desenvolvimento da política urbana para que a cidade como um patrimônio seja alcançada por intermédio de sua transformação em direitos coletivos e difusos acessíveis para todos e, especialmente, por meio de suas funções sociais direcionadas a garantir direitos fundamentais.

    Esse processo, como preconiza o Estatuto da Cidade, somente se torna viável por meio de extensa e incentivada participação popular. Entretanto, até essa participação, quando ocorre, demanda um futuro, que necessita, para ocorrer, de informação, tempo de reflexão, opinião pública crítica, oportunidades de participação reais, debates públicos etc. Planejar as cidades do litoral de Santa Catarina e programá-las com os mesmos fundamentos atuais, voltada para um único segmento econômico, apenas tende a determinar uma realidade que todos os anos, sobretudo entre o natal e o ano novo já são percebidas, pelo menos pela maioria da população.

    Da mesma forma, a não alteração do passado, como uma ruptura com o atual modelo de cidade que vem se desenvolvendo no litoral de Santa Catarina, para se programar um futuro diferente, no qual todos possam morar, viver bem e com dignidade, sem amplos congestionamentos, falta de água e serviços básicos, é retirar do Direito Urbanístico grande parte de seu potencial transformador e parte essencial de sua função conformadora na realidade das cidades, realizada para garantir direitos fundamentais e o bem-estar de seus cidadãos.

     

    [1] Ao se pesquisar no Google pela expressão “matérias da NSC sobre o setor imobiliário no litoral de Santa Catarina no ano de 2023” constata-se que foi publicado em seu portal de notícias, em média, uma matéria por semana sobre o setor, sendo que apenas quatro aparecem com elementos negativos ou algum tipo de contrapondo às virtudes do setor imobiliário.

    Referências bibliográficas

    BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acessado em 6.1.2024.

    COSTA, Vitor da. Por que o litoral de Santa Catarina tem os imóveis que mais se valorizam? OGLOBO. Economia, Rio de Janeiro, 2024. Disponível em Acessado em 5.1.2024.

    PERES, L.F.B., ABREU, M.S. e CALHEIROS, F.V. Cidade à venda: inflexão ultraliberal na produção do espaço em Florianópolis. Caderno Metrópole, São Paulo, v. 25, n. 58, pp. 1143-1169, set/dez 2023. Disponível em https://www.scielo.br/j/cm/a/TtcyGp47LqVBTyTSy8tLxWd/?format=pdf&lang=pt. Acessado em 6.1.2024.

    RIZZO, P. M. B. O planejamento urbano no contexto da globalização: caso do plano diretor do Campeche em Florianópolis, SC. Tese de doutorado. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina, 2013. Disponível em https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/101054/317524.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acessado em 6.1.2024.

    SANTANELLA, Thiago. Destaques nacionais, Itajaí e Palhoça sobem posições no ranking estadual das cidades mais populosas. Agência Catarinense de Notícias, Secom, 2023. Disponível em https://estado.sc.gov.br/noticias/destaques-nacionais-itajai-e-palhoca-sobem-posicoes-no-ranking-estadual-das-cidades-mais-populosas/. Acessado em 5.1.2024.

    ZIZEV, Slavoj. Žižek propõe um curto-circuito temporal. Outraspalavras. Descolonizações, 2023. Disponível em https://outraspalavras.net/descolonizacoes/zizek-propoe-curto-circuito-temporal/. Acessado em 5.1.2024.

     

     

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