sexta-feira, 5 julho, 2024
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    Libertários buscam espaço no Legislativo para “destruir Estado por dentro”

     

    À luz da eleição do presidente Javier Milei, na Argentina, o movimento liberal brasileiro está confiante na ampliação da representação legislativa nas próximas eleições. A visibilidade gerada pela eleição do chefe de estado do país vizinho é comemorada pela maioria da comunidade que, embora fundamente sua premissa na extinção do Estado, preconiza a eliminação das amarras estatais “por dentro” do sistema.

    “O propósito é agir como um Cavalo de Troia”, explica o deputado Gilson Marques (Novo-SC), único parlamentar assumidamente liberal no Congresso, atualmente em seu segundo mandato. Sem lideranças orgânicas, uma vez que se opõem à centralização por princípio, os liberais brasileiros enxergam no partido Novo, de orientação liberal, um ambiente propício para atuação.

    “Na eleição de 2022, tínhamos um grupo com cinco candidatos a deputado estadual e federal em todo o país. Para as próximas eleições, minoritárias, já temos mais de 25 nomes até agora. O objetivo é eleger vereadores nas principais capitais e preparar terreno para as eleições majoritárias de 2026”, afirma Gabriel César, assessor parlamentar que concorreu ao Legislativo de Santa Catarina, também pelo Novo.

    Expandido em organizações, institutos, think tanks e partidos políticos, o movimento liberal teve um crescimento significativo nos últimos dez anos, impulsionado pelos protestos de 2013.

    “Alguns movimentos surgiram dentro de universidades levantando bandeiras em prol das liberdades individuais. Cartazes com dizeres como ‘Menos Marx e mais Mises’ [em alusão aos teóricos do comunismo e do liberalismo] ganharam repercussão nas ruas”, lembra Dennys Xavier, professor de Filosofia Antiga na Universidade de Uberlândia e uma figura de destaque no meio acadêmico sobre o libertarianismo no país. A partir desse momento, os liberais passaram a utilizar a internet como um canal importante de interação. Surgiram youtubers, grupos de estudos e instituições voltadas à promoção do ideário. Uma das mais significativas é o Studentes for Liberty (SFL), organização mundial dedicada ao desenvolvimento e formação de “líderes da liberdade” presente em 110 países.
    Fundada nos Estados Unidos, a organização chegou ao Brasil em 2012 e funciona como uma plataforma para ideias liberais, conservadoras e, sobretudo, libertárias.
    “Entre os estudantes, temos desde liberais clássicos, que defendem a importância do Estado em esferas como justiça, educação, segurança, até anarcocapitalistas, os ‘ancaps’, que acreditam que o Estado é uma tecnologia ultrapassada, um contrato social que deveria ser abolido”, explica Nycollas Liberato, diretor executivo da organização.
    Não há dados consolidados, mas pesquisas informais estimam que existam 500 mil liberais no país, a maioria composta por jovens entre 20 e 30 anos.
    “Isso levando em conta aqueles que se identificam como tais”, esclarece Liberato. “Houve um crescimento substancial. Em 2012, éramos um grupo pequeno, que cabia talvez em uma Kombi. Eu conhecia praticamente todos pelo nome. Hoje isso é impossível. No mínimo, já enchemos um estádio de futebol”, destaca.

    Segundo ele, a representação parlamentar é apenas um dos braços da organização, que atua conforme uma estratégia denominada “estrela-do-mar” por Hélio Beltrão, fundador do Instituto Mises Brasil, que é também uma referência na difusão de ideias liberais desde 2007.
    “A estrela-do-mar simboliza nossa atuação em diversas frentes. Dessa forma, se um dos braços for atingido, os demais continuam ativos. A intenção é disseminar e explicar os ideais de liberdade para promover uma mudança cultural e transformar a sociedade a partir do indivíduo em várias esferas”, esclarece Liberato.

    Os defensores da liberdade individual

    A perspectiva liberal abrange todas as correntes que defendem a autonomia do indivíduo na estruturação da sociedade e na economia. Esse pensamento sempre este presente no Brasil desde o período imperial e voltou a ganhar destaque, recentemente, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

    O auge da representação institucional ocorreu durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), com a presença do ministro Paulo Guedes à frente da Economia. Nesse período, membros associados à “escola de Chicago”, com destaque para o economista liberal Milton Friedman, ocuparam cargos ministeriais e influenciaram políticas públicas.

    Os liberais clássicos, por definição, advogam por uma redução gradual do papel do Estado. Eles defendem a privatização de empresas e parcerias público-privadas, com o Estado atuando como garantidor de regras e fiscalizador de serviços.

    Os libertários e anarcocapitalistas são considerados subgrupos mais radicais na defesa dos direitos individuais em oposição ao poder estatal. Integrantes da Escola Austríaca, que tem como principais referências os economistas Ludwig von Mises (1881-1973) e Friedrich Hayek (1899-1992), representam o oposto das ideologias utópicas estatizantes e coletivistas, como o socialismo e o comunismo. Eles também se opõem ao anarquismo de esquerda, embora compartilhem de algumas ideias em comum.

    O termo “austríacos” é mantido apesar da diversidade de nacionalidades dos integrantes desse grupo, nomeado em referência às teorias originadas na Áustria. Para eles, a liberdade individual constitui a base do progresso econômico e as decisões devem ser tomadas pelos indivíduos, não pelo Estado ou qualquer outra autoridade central.

    Defendem um modelo de sociedade composto por comunidades autônomas, em que os serviços são organizados por instituições e pela esfera privada, sem a interferência de um Estado central, que, segundo eles, explora a população por meio de impostos. “Imposto é roubo” e “o Estado não é uma instituição moralmente defensável” são algumas das premissas fundamentais propagadas por esse grupo.

    Da influência de Hayek a Rothbard na defesa da liberdade individual

    O pensamento dos austríacos ganhou destaque após Friedrich Hayek receber o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 1974. Ao mesmo tempo, os conceitos elaborados por um de seus expoentes, o norte-americano Murray Rothbard (1926-1995), também passaram a figurar proeminentemente nos debates.

    Rothbard contestava a noção hobbesiana (de Thomas Hobbes) de que o Estado é um contrato social, afirmando que este sempre derivou da conquista e da exploração. A ele é atribuída a criação do termo “anarcocapitalismo” na década de 1950. Em 1971, fundou o Partido Libertário americano.

    Suas assertivas e diretas declarações têm ganhado cada vez mais visibilidade na internet, atraindo aqueles que valorizam a liberdade individual. Uma delas é: “O Estado é, e sempre foi, o grande inimigo da raça humana, sua liberdade, felicidade e progresso”. Outra citação marcante: “O resultado inevitável da ação fiscal desigual do governo é dividir a comunidade em duas grandes classes: (…) pagadores de impostos e (…) consumidores de impostos”.

    Seus seguidores, em oposição ao predomínio do keynesianismo nas últimas gerações, têm exercido significativa influência no cenário mundial. Entre os expoentes atuais está o economista espanhol Jesús Huerta de Soto, criador de um mestrado em economia baseado na Escola Austríaca na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri. O presidente argentino, Javier Milei, fez questão de mencioná-lo em sua posse como uma de suas referências.

    Impacto e desafios do movimento libertário

    A atuação do movimento libertário abrange diversas áreas, sendo a academia, de acordo com Liberato, o campo que mais apresenta resistência. “Devido ao modelo da ditadura militar, houve uma disseminação do coletivismo de esquerda nas universidades, com professores que tendem a transmitir as ideias de forma cada vez menos imparcial”,afirma.

    Dennys Xavier, doutor em História da Filosofia, atesta a dificuldade. “De fato, eu ingressei na academia porque passei despercebido. Naquela época, a vigilância não era tão intensa. Hoje, com meu registro de livros e artigos sobre o tema, minha chance de ser aprovado em um concurso para a universidade seria menor que zero”, acredita.

    Segundo Liberato, a maneira de romper a dominância esquerdista é fortalecer grupos de estudos dentro das universidades. Como exemplo, menciona movimentos jovens dentro dos partidos políticos e organizações como a União Juventude e Liberdade (UJL), composta por representantes do partido Novo, Podemos, União Brasil e PL, que, apesar da resistência, continuam avançando.

    Recentemente, membros da UJL foram hostilizados durante a 4.ª Conferência Nacional de Juventude, que ocorreu em Brasília. O relato foi de socos, empurrões, água no rosto e hostilidades por parte de lideranças do outro espectro político durante as discussões de propostas como a revogação da CLT e a criação de um ICMS educacional. Registros da confusão foram compartilhados nas redes sociais e o incidente terminou em investigação policial.

    Enfrentando grande oposição nos meios acadêmicos, as ideias têm maior aceitação na sociedade civil, onde o movimento aposta em atividades e políticas com enfoque em valores libertários.

    “Temos pessoas trabalhando em todas as áreas, especialmente dentro das empresas, nos negócios e em iniciativas de empreendedorismo. Há pessoas discutindo a ausência do Estado completo em seus empreendimentos, na vida daquele momento, pessoas que desejam abolir o Estado por dentro. Estamos trabalhando para que a sociedade consiga se desenvolver na ausência de políticas estatais. Eu vejo que é muito difundida e não tem como dar errado”, aposta Liberato.

    Internet: local de difusão, sonhos e inspiração

    A internet é um campo mais fértil e um capítulo à parte na disseminação da visão libertária. Influenciadores causam impacto nas redes com discussões da agenda política e de temas do dia a dia.

    Um dos temas de maior envolvimento são o bitcoin e demais criptomoedas, considerados pela comunidade como uma ferramenta de proteção da própria riqueza fora do controle do Estado. A história do enigmático criador do bitcoin, Satoshi Nakamoto, que desapareceu do mapa após enriquecer com a moeda virtual, estimula a imaginação dos internautas.

    Inicialmente visto como uma excentricidade, o bitcoin já se tornou relevante na economia mundial, sendo incorporado a ETFs (Exchange Traded Funds) e diversos fundos de investimentos. Tentativas de regulamentação das criptomoedas surgem a todo momento, mas libertários confiam na supremacia da moeda, que ignora fronteiras e prescinde do sistema bancário internacional.

    Há várias histórias cativantes envolvendo a moeda. Um dos pioneiros do tema no Brasil, o libertário Daniel Fraga, tornou-se uma lenda da comunidade por enfrentar o Estado brasileiro graças à criptomoeda.

    Após acumular vários processos de políticos, juízes e autoridades devido a seus vídeos denunciando descasos, incompetência e desmandos do Estado, Fraga também desapareceu sem deixar rastros, deixando as contas bancárias vazias, e partindo com uma “carteira” repleta de criptomoedas.

    Figuras extravagantes e controversas também invadem as redes. Paulo Kogos, um dos anarcocapitalistas mais famosos do Brasil, gerou grande repercussão nas redes ao se candidatar para deputado estadual pelo PTB nas eleições de 2022, com propostas arrojadas, entre elas a possibilidade de pagar impostos usando ouro e bitcoin.

    O ativista Raphaël Lima, fundador do Canal Ideias Radicais, no YouTube, com mais de 600 mil seguidores, é outro expoente. Seguindo os passos de seus antecessores, Lima se destacou abordando temas do cotidiano sob a visão libertária. Além de oferecer consultoria.e capacitação na formação de lideranças libertárias dentro do Partido Novo, é a principal aposta do movimento para a Câmara Municipal de São Paulo no próximo ano.

    “O meu plano é ser eleito e auxiliar o maior número de representantes libertários. Para inicializar a alteração por dentro. Porque não é suficiente apenas discutir, é necessário também fornecer resultados, certo? Para evitar que as pessoas digam: ‘bem interessante a sua ideia. Mas e aí?’ Então precisamos participar do jogo para demonstrar que podemos melhorar as coisas em 30%, 40%. Para que as pessoas vejam que é viável melhorar”, declara.

    Rodrigo Marinho, executivo da Frente Parlamentar do Livre Mercado e um dos fundadores do Mises Brasil, está bastante otimista em relação ao aumento da participação parlamentar. “Não há um botão mágico para acabar com o Estado. É necessário trabalhar por dentro”, afirma.

    Dennys Xavier destaca que, mais importante do que eleger o presidente do país, como ocorreu na Argentina, é contar com uma base parlamentar sólida no Legislativo para respaldar as decisões.

    “A ideia de parte da comunidade libertária de não querer fazer parte do sistema está equivocada. É verdade que ao ingressar no jogo, as pressões se tornam muito mais complexas. Mas existem pessoas dentro combatendo contra a máquina. O próprio Gilson [Marques] é um exemplo disso. Você tem um político libertário dentro das comissões, derrubando uma lei obsoleta após a outra, e isso faz uma diferença colossal”, afirma o acadêmico.

    O mesmo otimismo é compartilhado pelo diretor do IFL. “Esperamos que os libertários aumentem sua representação parlamentar, juntamente com os demais braços de atuação do movimento. Temos certeza de que o libertarianismo veio para ficar”, conclui.

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