sexta-feira, 5 julho, 2024
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    Lula falha na luta contra o crime enquanto onda de violência avança

     

    No longínquo período da República Velha, há mais de cem anos, foi a última vez em que o Senado rejeitou uma indicação do presidente ao STF. A tradição tem tudo para ser mantida na República Lula 3, mas a aprovação do nome de Flávio Dino ao Supremo, na sabatina prevista para a próxima quarta, 13, vem exigindo um esforço acima da média não apenas do Palácio do Planalto e de sua base política, mas também de alguns integrantes da Corte, de forma a evitar uma surpresa, por mais improvável que seja.

    Tão importante quanto garantir esse aval será a escolha de quem assumirá o Ministério da Justiça, sendo que essa substituição ocorre em meio a uma grave crise de segurança no país. À frente da pasta, Dino fez muito barulho com o lançamento de planos chamativos de combate à criminalidade, que tiveram a eficácia de tiros de festim — avaliação compartilhada até mesmo dentro de núcleos importantes do PT.

    Se não bastasse, o estilo espalhafatoso do ministro jogou no colo do Palácio do Planalto a responsabilidade sobre o problema, deixando por ora em segundo plano o papel fundamental dos governos estaduais nessa questão. “Foi um dos maiores erros políticos do Dino”, diz um aliado bastante próximo ao presidente.

    Esse protagonismo resultou, de fato, em um autêntico tiro no pé. Conforme mostram algumas pesquisas, a sensação de insegurança nunca foi tão grande. Em setembro, o Datafolha constatou que, ao lado de saúde, a violência aparece em primeiro lugar entre as maiores preocupações da população.

    Mais recentemente, uma sondagem do instituto Atlas Intel apurou que 60,8% consideram “criminalidade e tráfico de drogas” como os maiores problemas do país, enquanto 41% consideram “péssima” a atuação federal em relação à segurança pública.

    O mesmo levantamento indica que a aprovação a Lula caiu de 52% para 49,6% entre agosto e novembro, enquanto a avaliação do governo como “ruim” ou “péssimo” foi de 42% para 45%. “Pela primeira vez, o item aparece como o maior desafio a ser enfrentado pelo país”, diz Andrei Roman, CEO do Atlas Intel.

    RETRATO DOLOROSO

    Na noite de sábado 2, o dono de óticas Marcelo Rubim Benchimol (foto) caminhava pela Avenida Nossa Senhora de Copacabana, uma das principais do bairro carioca, quando tentou ajudar uma mulher que era assaltada. Foi agredido pelos ladrões e deixado nocauteado na calçada, uma cena que viralizou e chocou o país.

    A repercussão de casos emblemáticos de violência ajuda a aumentar essa sensação, como ocorreu na execução de três médicos na orla da Barra da Tijuca, no Rio. O medo de andar nas ruas é compartilhado atualmente por seis em cada dez brasileiros, segundo o Datafolha.

    O temor se agrava de acordo com o tipo de delito e a região do país. Notificações de estupro, por exemplo, cresceram 16,3%, em média, no primeiro semestre de 2023 em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Isso significa que a cada oito minutos uma menina ou mulher foi estuprada entre janeiro e junho no Brasil, maior índice da série iniciada em 2019.

    No caso de feminicídios, a alta geral foi de 2,6%, mas em São Paulo chegou a 33,7%. Já os registros de homicídios em Minas Gerais deram um salto de 25% nos dez primeiros meses do ano. A tentativa de combater o problema com endurecimento da ação policial vem se mostrando inócua em vários estados, tendo como agravante o efeito colateral da escalada da letalidade por força dos agentes.

    Líder desse ranking macabro, a polícia de Mato Grosso do Sul matou 66 pessoas no primeiro semestre, ante quinze no mesmo período do ano passado, uma alta de 340%. Em Santa Catarina, Roraima e no DF, os índices desse tipo de ocorrência dobraram.

    Na tentativa de assumir a frente ao combate à criminalidade, o governo federal realizou disparos a esmo, anunciando, de afogadilho, medidas mirabolantes e improvisadas para dar respostas ao justo clamor da sociedade.

    Em outubro, logo após o Rio vivenciar episódios de violência que chocaram o país, como a queima de 35 ônibus em um só dia em protesto pela morte de um miliciano, o ministério enviou 300 agentes da Força Nacional de Segurança ao estado.

    Nos primeiros 45 dias, o contingente gastou 10 milhões de reais e, em 10 000 abordagens, não apreendeu armas nem drogas. Apesar das críticas ao alto custo e à baixa efetividade, a presença no Rio foi estendida até janeiro de 2024, a pedido do governador Cláudio Castro (PL).

    TERROR FLUMINENSE

    Homem é preso pela Polícia Civil em julho na Baixada Fluminense suspeito de integrar a milícia de Danilo Dias Lima, o Tandera, acusada de tráfico de armas, extorsões e homicídios. A atuação desses grupos levou ao envio da Força Nacional de Segurança ao Rio em outubro. No mês seguinte, a PM Vaneza Lobão, que apurava a ação de milicianos, foi morta a tiros de fuzil.

    O esforço para federalizar o combate ao crime não parou por aí. Outra medida controversa foi a inédita aplicação da Garantia da Lei e da Ordem em portos e aeroportos do Rio e São Paulo, alvo de críticas de especialistas por obrigar os militares a atuar no combate ao tráfico de drogas, algo para o qual não foram treinados.

    “O Ministério da Justiça acelerou o ritmo das ações operacionais neste ano. É onde estão a força e a fraqueza da atuação de Dino na pasta”, afirma o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. “Alguns governadores perceberam que o Ministério da Justiça chamou para si a responsabilidade e jogaram a batata quente no colo do governo federal”, completa ele.

    Em outras palavras, as ações promovidas tiraram do alvo principal das críticas os governos estaduais. Em novembro, Cláudio Castro recriou uma secretaria para a área após sugestão do ministro Flávio Dino, que desejava um canal direto de interlocução. Pesquisadores, no entanto, afirmam que, mais do que pastas, o que falta na relação do governo federal com os estados é uma integração constante e efetiva entre as polícias e um plano de atuação conjunto que considere os índices criminais de cada região.

    A percepção éque o ministério se transformou em um ponto de atendimento para os estados, oferecendo auxílio individualizado disfarçado como uma ação coordenada, mas que pouco resolve na prática. “O Rio tem mais de 55 000 homens, somando as polícias Militar e Civil. Está evidente que não necessita de 300 agentes da Força Nacional”, diz José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da PM paulista.

    EXIBICIONISMO NO AEROPORTO

    Militar das Forças Armadas patrulha o Aeroporto do Galeão, no Rio, em virtude da decretação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) pelo governo Lula em novembro. A medida, que visa a combater o tráfico internacional de drogas, foi implementada também no aeroporto de Guarulhos (SP) e nos portos de Itaguaí (RJ), Rio e Santos. Segundo especialistas, o emprego de militares contra o crime é uma estratégia que gera boas imagens, mas poucos resultados.

    As medidas muitas vezes descoordenadas de combate ao crime organizado deparam-se do outro lado com quadrilhas cada vez mais armadas, especializadas e com maior presença territorial. Anos de negligência do poder público resultaram no fortalecimento de estruturas que hoje controlam o tráfico internacional, transformando o país em um dos principais centros de envio de drogas e armas para a Europa.

    Além disso, impõem um verdadeiro estado de sítio à população das grandes, médias e até pequenas cidades, em um processo de interiorização de suas atividades. Paralelamente, observa-se o aumento das milícias que dominam grande parte das atividades nas comunidades onde atuam, restringindo os direitos dos cidadãos e espalhando o terror.

    O PERIGO ESTÁ PRÓXIMO

    Em outubro, Erika Satelis Ferreira, de 33 anos, registrou um boletim de ocorrência no qual acusava o marido, o PM Thiago Cesar de Lima, de 36 anos, de apontar uma arma para ela. No último dia 3, ela foi agredida a socos no rosto e levou três tiros do companheiro durante uma discussão em rua de Perus, Zona Norte paulistana, flagrada por uma câmera de segurança. Em SP, o feminicídio aumentou 33,7% neste ano.

    Na Amazônia Legal, a histórica disputa por território na vasta área de 5 milhões de quilômetros quadrados ganhou contornos extremamente violentos desde que as principais facções do Sudeste — PCC e Comando Vermelho — romperam e passaram a rivalizar com grupos locais e internacionais pelo controle do tráfico internacional de drogas e de outras ilegalidades, como o garimpo em terras indígenas, a pesca ilegal e a exploração sexual.

    Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ao menos 22 quadrilhas atuam em 178 dos 772 municípios dentro e fora da floresta. É ali que a quantidade de mortes violentas intencionais, como homicídios dolosos e latrocínios, cresceu em 2022. O índice por 100 000 habitantes chegou a 33,8, quando a média nacional ficou em 23,3. Ou seja, 45% a mais. O mesmo estudo mostra que o número de assassinatos avançou 7,3% nas cidades rurais no ano passado. Já nos municípios considerados urbanos também houve alta, mas menor, de 0,8%.

    FLORESTA SOB AMEAÇA

    Prioridade devido à questão ambiental, a Amazônia passou a preocupar o governo pela atuação de facções como PCC e Comando Vermelho em aliança com grupos da Colômbia, Peru e Bolívia. O “portfólio” do crime na região inclui tráfico de drogas, extração de madeira (foto), garimpo, caça e pesca ilegais e grilagem e levou ao aumento e à interiorização da violência.

    Evidentemente, a possível nomeação dele para o STF já movimenta a disputa pelo comando da pasta. As articulações são acompanhadas do debate sobre a possibilidade ou não de divisão da pasta em duas, separando as ações de Justiça e de Segurança Pública. A preocupação do governo é encontrar um nome de peso político e operacional principalmente nas ações ligadas à segurança.

    Nesse contexto, surgem nomes como o do ex-ministro Ricardo Lewandowski, mas somente em caso de divisão da pasta — embora tenha sólida experiência no Judiciário, o que seria útil nas articulações com órgãos superiores, ele tem pouca articulação com as polícias. Também são citados o advogado-geral da União, Jorge Messias — que foi cogitado para o STF —, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas, e o atual se­cre­tá­rio-­exe­cu­ti­vo da pasta, Ricardo Capelli.

    MUDANÇA

    Os nomes aparecem acompanhados de argumentos que vão desde necessidade de apoio político até o aumento da representação feminina ou de partidos apoiadores do governo. Mas o importante é que seja um nome qualificado para fazer frente a um dos principais problemas enfrentados pela sociedade.

    Embora não seja de uma ação sob a responsabilidade do governo federal, não é possível aceitar episódios como o vivido pelo empresário Marcelo Benchimol, de 67 anos. Ele caminhava pela calçada de Copacabana, no Rio, quando viu uma senhora sendo assaltada. Ao tentar protegê-la, foi roubado e agredido por dois homens até desmaiar. “Eu fico chateado porque não sei se isso tem final.

    Se prenderem esse grupo, outro vem e assim por diante”,desabafou o homem de negócios, resumindo um pouco o desânimo que toma conta do brasileiro.

    Para conceber estratégias mais eficazes de combate à criminalidade, observar o entorno pode ser um bom ponto de partida para o governo petista, assim como para as administrações estaduais. Um dos exemplos mais marcantes de políticas bem-sucedidas vem de Medellín, na Colômbia.

    Em 1991, a ex-base de operações de Pablo Escobar foi classificada como a cidade mais violenta do planeta, contabilizando 380 homicídios por 100 000 habitantes. Por meio do desmantelamento do narcotráfico, projetos de urbanismo e investimentos públicos contínuos em educação e cultura, a taxa despencou para catorze por 100 000 habitantes em 2020.

    A integração entre ações federais e municipais foi fundamental — enquanto a prefeitura elaborava e executava ambiciosos programas sociais nas áreas mais vulneráveis, o presidente Álvaro Uribe conduziu amplas negociações com traficantes pelo desarmamento e queda dos assassinatos em troca de redução de penas.

    INFÂNCIA EM RISCO

    Tributo a quatro crianças, com idade entre 4 e 7 anos, mortas a golpes de machado por homem que invadiu a creche Bom Pastor, em Blumenau (SC) em abril. Uma onda de ataques fez o governo lançar o programa Escola Segura. Foram onze ocorrências desse tipo em 2023, um recorde, a última em outubro, em SP, com a morte de uma menina de 17 anos.

    Outro caso de relevância global foi a política da “Tolerância Zero” em Nova York, promovida pelo prefeito Rudy Giuliani entre 1994 e 2001. Baseado na ampliação do policiamento, fortalecimento da autoridade policial e endurecimento das penas, o modelo entregou uma drástica diminuição de 61% dos homicídios e 44% da criminalidade em uma cidade assolada pela violência nos 1970 e 80.

    “É possível se inspirar em políticas de segurança pública de outros países, mas não se pode importar um modelo generalizado. É preciso realizar estudos regionais e locais, com foco nas zonas mais vulneráveis, para implementar projetos mais eficientes”, avalia Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Mas algo precisa ser feito. O presidente e outras autoridades precisam definitivamente parar de tratar de forma errática e demagógica um tema tão sensível e complexo.

    Afinal de contas, os brasileiros merecem ter paz — e segurança.

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