terça-feira, 2 julho, 2024
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    Marçal e Macêdo: Valores para contratação de obras e serviços

     

    No contexto das aquisições públicas, assim como para o setor de infraestrutura, é importante discutir a possibilidade de usar os registros de preços para a contratação de obras e serviços de engenharia. O artigo 6º, da Lei nº 14.133/2021 listou, entre outros assuntos, definições de obras e serviços de engenharia. Destaca-se:

    Art. 6º Para fins desta Lei, consideram-se: (…)

    XII – obra: toda atividade estabelecida, por exigência da legislação, como exclusiva das profissões de arquiteto e engenheiro que envolve intervenção no meio ambiente por meio de um conjunto harmonioso de ações que, combinadas, formam um todo que inova o espaço físico da natureza ou causa alteração significativa das características originais de um imóvel; (…)

    XXI – serviço de engenharia: toda atividade ou conjunto de atividades destinadas a obter determinada utilidade, intelectual ou material, de interesse para a Administração e que, não classificadas como obra conforme definido na alínea XII deste artigo, são estabelecidas, por exigência da legislação, como exclusivas das profissões de arquiteto e engenheiro ou de técnicos especializados, que englobam:

    a) serviço comum de engenharia: todo serviço de engenharia que tem como objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos bens;

    b) serviço especial de engenharia: aquele que, devido à sua alta heterogeneidade ou complexidade, não pode ser enquadrado na definição constante da alínea “a” deste inciso; (…)

    As definições acima são ainda mais importantes para a discussão devido ao tratamento jurídico conferido pela Lei nº 14.133/2021 ao sistema>de catálogo de preços (CDP) – artigo 82 e seguintes. Inovando em relação à interpretação então predominante no Tribunal de Contas da União (TCU) e em outros Tribunais de Contas, o parágrafo 5 do artigo 82 da nova lei de licitações permite o uso do CDP para as contratações de obras e serviços de engenharia.[1]

    É importante ressaltar que o CDP é o conjunto de procedimentos utilizados para o registro oficial de preços para a prestação de serviços, obras, aquisição e aluguel de bens para futuras contratações (artigo 6, XLV). Marçal Justen Filho argumenta que é “um contrato administrativo que estabelece regras vinculativas para a Administração Pública e um particular em relação a futuras contratações, precedido por um procedimento específico e de acordo com condições predefinidas”. [2]

    O termo de registro de preços, portanto, atua como o documento que formaliza as condições obtidas através dos registros no CDP, que podem ser usadas em futuras contratações, dependendo da demanda real das entidades da Administração que aderiram ao instrumento. As condições mencionadas abrangem informações como o objeto, as obrigações assumidas pelas partes, a qualidade exigida, prazos, locais de entrega, quantidades, etc.

    De acordo com Flávio Amaral Garcia, a vantagem do uso do CDP decorre do fato de que o instituto:

    “Visa racionalizar os processos de contratação de compras públicas e prestação de serviços. Sua principal finalidade é maximizar o princípio da eficiência, permitindo à Administração Pública celebrar o contrato administrativo na medida exata e no momento de sua necessidade, sempre precedido de licitação, independentemente do valor efetivo a ser praticado em cada situação específica.”[3]

    É importante ressaltar que a Lei nº 8.666/1993 já previa o uso desse sistema para a realização de compras (artigo 15, II). O Decreto Federal nº 7.892/2013, que regulamenta essa disposição, estabelece, entre outros critérios, a aplicação desse instrumento nos casos em que, devido às características do bem ou serviço, surgem a necessidade de contratações frequentes, bem como quando não é possível quantificar previamente a demanda dos órgãos da Administração devido à natureza do objeto (artigo 3º, I e IV).

    Em outras palavras, devido aos requisitos impostos pelo decreto, a aplicação desse sistema estava limitada aos casos em que o objeto pudesse ser identificado por meio de uma descrição objetiva. No caso de obras e serviços de engenharia, argumentava-se que a descrição prévia e a padronização exigidas no SRP não eram possíveis e, portanto, não era viável utilizá-lo nesses casos.

    A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos avança em relação às possibilidades de aplicação do SRP. O §5º do artigo 82 autoriza o uso desse sistema para a contratação de bens e serviços, incluindo explicitamente obras e serviços de engenharia. Além disso, o artigo 85 da nova lei condiciona a utilização do SRP aos casos em que existe um projeto padronizado de baixa complexidade técnica e operacional e quando há uma necessidade permanente ou frequente de sua contratação.

    A União publicou em 31 de março de 2023 o Decreto nº 11.462/2023, que regulamenta os artigos 82 a 86 da Lei nº 14.133/2021, que dizem respeito ao sistema de registro de preços, e destaca a necessidade de padronização, sem complexidade técnica e operacional, de documentos como termo de referência, anteprojeto, projeto básico e projeto executivo.

    No entanto, é importante ressaltar que o entendimento anteriormente predominante nos órgãos de controle, como o TCU, que orientavam sua jurisprudênciada seguinte forma:

    “REPRESENTAÇÃO. LICITAÇÃO VISANDO À REFORMA NAS INSTALAÇÕES E DEPENDÊNCIAS FÍSICAS DE ORGANIZAÇÃO MILITAR. UTILIZAÇÃO DA MODALIDADE DE CERTAME PREGÃO ELETRÔNICO E DO SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇO PARA CONTRATAÇÃO DE OBRAS. CONTRATO COM OBJETO GENÉRICO, SEM A ELABORAÇÃO PRÉVIA DE PROJETOS E SEM A ESPECIFICAÇÃO DOS LOCAIS EM QUE SERIAM EXECUTADAS AS REFORMAS. AUTORIZAÇÃO PARA PAGAMENTO DE ITENS DE MATERIAIS OU SERVIÇOS QUE NÃO FORAM LICITADOS. APLICAÇÃO DE MULTA AOS GESTORES. (…)  2. O sistema de registro de preços não é aplicável à contratação de obras, pois nessa situação não há demanda de itens isolados, uma vez que os serviços não podem ser dissociados uns dos outros (…)” [4]

    No mesmo sentido:

    “23. Nesse sentido, a jurisprudência deste Tribunal de Contas é no sentido de que o sistema de registro de preços não é aplicável a contratações de obras, uma vez que nessa situação não há demanda de itens isolados, pois os serviços não podem ser dissociados uns dos outros (Acórdão 980/2018 – TCU – Plenário, relatoria Ministro Marcos Bemquerer). Também o Acórdão 1281/2018 – TCU – Plenário, de Relatoria do Ministro Walton Alencar Rodrigues, enuncia que é cabível o registro de preços para a contratação de serviços de engenharia em que a demanda pelo objeto é repetida e rotineira, a exemplo dos serviços de manutenção e conservação de instalações prediais, não podendo ser utilizado para execução de obras.” [5]

    O Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ), em manifestação recente, manteve a aplicação do entendimento do TCU elucidado acima, fornecendo indícios, inclusive, de como a mudança da Lei nº 14.133/2021 se ajusta a esse cenário:

    “Da análise do Termo de Referência deste Edital fica– evidenciado que os objetos licitados não possuem relação com um projeto padronizado, não apresentam complexidade técnica e não são de necessidade permanente e frequente de obra, e também não estão alinhados com as previsões de adoção do SRP conforme estabelecido no art. 3º do Decreto Federal nº7.892/13, que regula o Sistema de Registro de Preços, como demonstrado a seguir.

    (…)

    O objetivo do sistema de registro de preços (SRP) é viabilizar contratações futuras que, além de serem imprevisíveis em termos de momento e quantidade necessária para a contratação, são de interesse comum de vários órgãos.

    De acordo com a OT-IBR 002/2009 do IBRAOP, o recapeamento seria classificado como uma obra e não como um serviço padronizado. Portanto, a utilização do registro de preços é proibida de acordo com a Lei 8.666/93.

    Apesar disso, conforme mencionado na instrução anterior, a nova Lei nº 14.133/2021 possibilita a contratação de serviços de engenharia sob certas condições, e há acórdãos recentes do TCU que permitem a contratação de obras de pavimentação realizadas pela CODEVASF através de pregão com registro de preços. No entanto, não parece ser o caso da contratação em questão.” [6]

    O julgado ressalta a questão importante relacionada à exigência de que o objeto não contenha serviços específicos que aumentem a complexidade técnica e operacional da intervenção. Portanto, o relator utilizou a técnica de distinguishing para rejeitar o precedente do TCU que autorizava a Codevasf a licitar serviços de pavimentação pelo SRP, justificando-se com base nas especificidades técnicas de cada objeto. Veja outra passagem do voto:

    “No caso mencionado acima, as licitações para pavimentação ocorreramna variante Leilão Eletrônico e com os processos do Sistema de Registro de Preços (SRP). A CODEVASF executou a contratação para as construções direcionadas a vias consolidadas, com baixa trafegabilidade e que não demandam de intervenções específicas, o que possibilitaria sua padronização, divisão e pagamento por unidade de medida – características de serviços comuns na engenharia. A deliberação do TCU teve fundamentação em deliberações anteriores do próprio órgão, que considerou necessária a realização de leilão em caso de contratações de serviços comuns de engenharia, ACÓRDÃO 3144/2012 – PLENÁRIO.

    No caso avaliado pelo TCU, os serviços contratados se enquadrariam no que o DNIT, considera como serviços comuns de engenharia de acordo com o Manual de Conservação Rodoviária. (sic)

    No entanto, o objetivo proposto e a estimativa de custos realizada, como observado no próximo tópico, indicam a tentativa de contratação de construções e serviços de restauração rodoviária, o que inviabilizaria o procedimento adotado pela administração, pois não se encaixa como atividade rotineira.” [7]

    Portanto, conclui-se, como bem resumido nas deliberações acima, que as situações de aplicação do SRP para contratação de construções e serviços de engenharia, caso prevaleçam, devem ser utilizadas pela Administração Pública a partir de uma interpretação literal e restritiva. Considerações do TCU anteriores à Lei nº 14.133/2021 devem ser de obrigatória observância pela Administração Pública, como é o caso da não aplicação do SRP para as situações em que não há demanda por serviços isolados. Se é que estas existem…

    É essencial que os agentes públicos envolvidos na formalização do SRP estejam atentos às especificidades técnicas de cada objeto, a fim de não descaracterizar a vontade do legislador e ampliar, de maneira irregular, a abrangência desse importante instrumento.

    __

    [1] Art. 82. O aviso de licitação para registro de valores seguirá as regras gerais desta Lei e deverá apresentar: (…)

    §5º O sistema de registro de preços poderá ser utilizado para a contratação de produtos e serviços, inclusive de construção civil e trabalhos de engenharia, atendendo às seguintes determinações: (…).

    [2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários sobre a Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei 14.133/2021. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1159.

    [3] GARCIA, Flávio Amaral. Licitações e contratos administrativos: situações e controvérsias. – 5. Ed. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 170.

    [4] TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Acórdão nº 980/2019 – Plenário. Rel. Min. Marcos Bemquerer, julgamento em 02/05/2018, publicado no D.O.U. em 13/08/2018.

    [5] TRIBUNAL DE CONTAS UNIÃO. Acórdão nº 1.238/2019 – Plenário. Rel. Min. Marcos Bemquerer, julgamento em 29.05.2019, publicado no D.O.U. em 12/06/2019.

    [6] TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Representação em relação à licitação nº 208856-9/2022. Rel. Conselheiro Christiano Lacerda Ghuerren. Julgamento em 16/05/2022.

    [7] Ibidem.

    Thaís Marçal é advogada e tem estudos de mestrado em Direito da Cidade pela Uerj. É membro do IAB.

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