O economista que participou do primeiro mandato de Lula, afirma que a sociedade deveria debater maneiras de tornar o Estado mais eficaz.
Com 59 anos, o economista Marcos Lisboa declarou que nos últimos 10 anos o país negligenciou a discussão sobre a qualidade dos gastos públicos.
Doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia, defensor da economia de mercado, atuou como secretário de Política Econômica de 2003 a 2005, durante o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Além disso, foi diretor do Itaú-Unibanco de 2006 a 2009 e vice-presidente de 2009 a 2013. Também esteve à frente do Insper de 2015 até março de 2023.
Lisboa observou a ausência de apoio da sociedade para o ajuste fiscal. Ele avalia que, independentemente da orientação ideológica, o tema tem recebido pouca atenção das pessoas. Além disso, ele destacou que tanto pessoas de esquerda quanto de direita se opõem ao ajuste fiscal.
O economista criticou o aumento da influência de emendas parlamentares no Orçamento, afirmando que tal medida prejudicou a alocação de recursos públicos.
A seguir, trechos da entrevista:
- equilíbrio das contas públicas – “Seria mais transparente o governo assumir sua intenção de equilibrar as contas públicas aumentando a carga tributária”;
- primeiro mandato de Lula – “Recebemos o governo em boas condições. Havia desconfiança em relação ao governo, alta inflação e dificuldades em vender títulos da dívida pública. No entanto, as contas públicas estavam organizadas. Os primeiros 6 meses foram desafiadores, com aumento do superávit primário. O Banco Central estava elevando os juros. No final de 2003, a economia começou a se recuperar, iniciando um ciclo de crescimento”;
- apoio ao ajuste – “Uma parcela significativa da sociedade, incluindo simpatizantes do governo, acredita que o ajuste fiscal não é uma questão relevante. Acreditam que o papel do governo é gastar, apoiar investimentos, aumentar os salários dos servidores, e que isso não gera problemas. O governo tenta realizar mais obras e também busca reduzir os juros”;
- receita tributária – “O governo alega que não tinha conhecimento das medidas adotadas em 2017, o que é surpreendente. Muitas pessoas alertaram que a PEC da transição tinha um valor muito elevado. No entanto, o governo insistiu. O segundo ponto é que o Brasil que cresce é o que paga menos impostos, incluindo o agronegócio. Há empresas no Brasil que vendem para o mercado local e pagam poucos impostos. No entanto, o governo hesita em tributar tais setores, como empresas que faturam R$ 60 milhões por mês ou optam pelo Simples”;
- desempenho do gasto público – “Nós não conseguimos discutir a qualidade da educação e da infraestrutura. Ficamos presos em um debate interminável sobre ser a favor ou contra o Estado. Eu prefiro um Estado funcional. Neste ambiente polarizado, as pessoas preferem inventar inimigos em vez de enfrentar os problemas”;
- abandono de políticas – “Houve uma melhora na gestão de Fernando Henrique Cardoso e no início do governo Lula. Foram implementados programas inovadores e avaliações de impacto. Houve uma agenda de reformas, possibilitando a redução dos juros sem subsídios, com consignação e alienação fiduciária. Então veio essa agenda desenvolvimentista: o que importa é crescer, com subsídios. E isso teve suas consequências”;
- reforma tributária – “É lamentável que tenha sido comprometida. No Brasil, somos muito suscetíveis aos interesses de grupos como o agronegócio, médicos, advogados e companhias aéreas. Esses setores nem mesmo compreendem que suas condições vão piorar. No entanto, o que foi aprovado é melhor do que o sistema atual”;
- sustentabilidade ambiental – “O agronegócio de grande porte, voltado para a exportação, é incrivelmente sustentável. Mas isso não se aplica à Amazônia. É necessário abordar os dilemas. Precisamos de uma máquina pública eficiente para regulamentar e controlar o que é ilegal. Atualmente, estamos longe disso”;
- desinteresse na adesão à OCDE – “É mais uma oportunidade desperdiçada. Os acordos internacionais geram compromissos. Muitos são benéficos em termos de comércio e governança. No Brasil, há uma tendência no setor público de evitar regras. Basta observar as dificuldades com as agências reguladoras”.