sexta-feira, 5 julho, 2024
spot_img
Mais

    Últimos Posts

    spot_img

    Medidas executivas atípicas coercitivas e os direitos fundamentais dos devedores

    Medidas jurídicas excepcionais coercitivas e os direitos primordiais dos devedores


    Opinião

    Recentemente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade das medidas atípicas, previstas na redação do inciso IV do artigo 139 do Código de Processo Civil de 2015, as quais emergiram como alternativa às tradicionais formas de execução de dívidas, buscando conferir maior efetividade às decisões judiciais diante das manobras legais adotadas pelos devedores em adiar ou evitar o cumprimento de suas obrigações com a proteção de seu patrimônio.

    A inclusão deste dispositivo no sistema jurídico representou uma resposta legislativa à necessidade de modernizar o processo de execução, capacitando os magistrados a explorarem abordagens não convencionais quando as medidas tradicionais se mostrassem insuficientes, podendo ser compreendidas como aquelas que decorrem da prerrogativa do poder-dever dado pelo legislador ao julgador.

    Embora a redação que concedeu ao juiz a autoridade de adotar “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial” esteja presente no ordenamento jurídico brasileiro desde a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, foi com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.941, que o tema voltou às discussões jurídicas de maneira exacerbada em meados de fevereiro de 2023.

    A corte reconheceu a importância dessas medidas na busca pela efetividade das decisões judiciais e na garantia de que os devedores cumpram suas obrigações perante a justiça. No entanto, o tribunal também enfatizou que a aplicação das medidas atípicas deve ser criteriosa e analisada caso a caso, levando em consideração os direitos fundamentais do devedor, buscando a satisfação da execução pelos meios menos gravosos a este.

    Os ministros do STF ressaltaram, no julgamento da ADI, a necessidade de equilibrar a efetividade do processo de execução com a proteção dos direitos individuais, como a dignidade da pessoa humana e o direito de ir e vir, de modo que a sua aplicação deve ser feita com a devida ponderação dos direitos fundamentais dos envolvidos.

    Após aproximadamente oito anos da entrada em vigor do Código de Processo Civil 2015, verifica-se que as medidas atípicas coercitivas têm sido aplicadas em uma variedade de situações, incluindo a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e do passaporte do devedor, a suspensão do direito de dirigir, a proibição de participação em concursos públicos e licitações, entre outras. Tais medidas visam compelir o devedor a cumprir suas obrigações, independentemente das formas tradicionais de execução.

    Em detrimento disso, surgiu à tona questionamentos quanto a aplicação de tais medidas, as quais devem ser pautadas pela proporcionalidade e razoabilidade, observando o princípio da menor onerosidade da execução ao devedor e, consequentemente, a proibição do excesso desta.

    Há de se considerar que, segundo o último senso de 2023 do CNJ “Justiça em Números 2023 [1]“, no Brasil há aproximadamente 42 milhões de processos de execução pendentes de julgamento, ou seja, na aplicação desenfreada das medidas atípicas coercitivas certamente milhares — senão milhões — de devedores serão severamente prejudicados em esfera que supera a expropriação de bens.

    Sendo assim, verifica-se a necessidade em identificar e resguardar os direitos fundamentais dispostos na Constituição, tais como a dignidade da pessoa humana, o direito de ir e vir e o devido processo legal, a fim de assegurar ao devedor a não violação a estes.

    Em que pese os tribunais de justiça e as cortes superiores ressaltem a importância nas decisões judiciais quanto ao resguardo de tais princípios, especialmente no que diz respeitoa importância da pessoa humana, percebe-se que as medidas excepcionais podem configurar, em certos casos, uma afronta a esses.

    Isso se dá porque, ao permitir a limitação do direito essencial da liberdade de locomoção do devedor, o direito de ir e vir é restringido e, consequentemente, a importância da pessoa humana é ferida diante da restrição da liberdade.

    No que tange à apreensão da CNH ou do passaporte, essas medidas podem ter consequências sociais significativas, uma vez que limita severamente e, por vezes, de forma desproporcional, a liberdade de locomoção do devedor, violando não apenas o direito de ir e vir, mas também a importância da pessoa.

    Além disso, a apreensão da CNH ocasiona impactos significativos sobre o devedor, restringindo-o fisicamente a dirigir, afetando, em alguns casos, a capacidade de cumprir as responsabilidades familiares e acessar serviços básicos essenciais, como atendimento médico. Ademais, pode haver também restrição profissional, uma vez que muitos cidadãos dependem da CNH para desempenharem as atividades laborais, podendo resultar em perda do emprego e, consequentemente, agravar a precariedade da situação financeira.

    Dessa forma, além dos prejuízos mencionados, tais medidas podem ser vistas como humilhantes, expondo o devedor a constrangimentos e situações vexatórias, afetando também o seu bem-estar.

    Assim, as medidas excepcionais devem ser aplicadas de forma excepcional e subsidiária às ferramentas dispostas em lei, assegurando o equilíbrio do ordenamento jurídico no que tange à proteção dos direitos fundamentais e o bem-estar social do devedor, devendo, para tanto, ser a aplicação das medidas excepcionais avaliada em cada caso.

    Isso porque, a aplicação indiscriminada e inadequada dessas ferramentas pode levar a situações em que a busca pela eficácia das decisões judiciais resulta na violação dos direitos do devedor.

    Diante disso, com o intuito de garantir a efetividade das decisões e a preservação dos direitos fundamentais do devedor, o magistrado deve incentivar a adoção de medidas para solução do litígio, como a mediação e a conciliação, preservando a dignidade das partes envolvidas, permitindo que estas tenham controle sobre o desfecho do litígio.

    Desse modo, ainda que o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido a respeito da validade das medidas excepcionais coercitivas, percebe-se a importância quanto à ponderação dos princípios constitucionais, de modo a não violar os direitos fundamentais garantidos e protegidos constitucionalmente. Em síntese, a busca pelas alternativas menos onerosas e agressivas ao devedor deve ser priorizada visando equilibrar os interesses das partes de maneira justa, assegurando que a justiça seja alcançada sem comprometer a importância da pessoa humana.

    [1]

    spot_img

    Últimas Postagens

    spot_img

    Não perca

    Brasília
    céu limpo
    17.5 ° C
    17.5 °
    13.1 °
    63 %
    1kmh
    0 %
    sex
    26 °
    sáb
    27 °
    dom
    29 °
    seg
    30 °
    ter
    22 °

    3.138.113.59
    Você não pode copiar o conteúdo desta página!