domingo, 7 julho, 2024
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    O fatídico 2023: um ano, duas versões

    Escrever sobre um momento histórico que ainda está sendo vivido é sempre uma tarefa arriscada. Parece claro, porém, que o ano de 2023 que agora se despede será tema de uma disputa narrativa em pleno vigor.

    De um lado, haverá os que apontarão o primeiro ano do novo ciclo de Lula da Silva, o ex-presidiário, no poder, como tendo sido um ano marcado por tudo aquilo que, servindo-se de uma expressão de Paulo Mercadante, poderíamos chamar de “avanço do retrocesso”. A lista é imensa:

    A presunção do presidente de “afirmar” o Brasil no concerto das nações exaltando o modelo da China, acariciando as pretensões de Pequim sobre Taiwan e apontando o dedo em direção à Ucrânia, enquanto o PT assinava acordo de cooperação com o Partido Comunista Chinês.

    A campanha despudorada pelo Projeto de Lei da Censura, com direito a medidas governamentais e judiciais para silenciar as plataformas que se opunham à quimérica proposição.

    Defesa do regime da Nicarágua e os cumprimentos em relação ao ditador da Venezuela, saudando sua “democracia relativa” e levando o Brasil a ser criticado por governos vizinhos de diferentes espectros ideológicos.

    Críticas a Israel (e não ao Hamas)

    A atitude patética do governo em relação à crise Israel-Hamas, basicamente condenando o direito de defesa de uma nação democrática contra um grupo terrorista.

    As indicações de Cristiano Zanin e Flávio Dino ao Supremo Tribunal Federal.

    A cassação de Deltan Dallagnol, o deputado mais bem votado do Paraná, acolhida prontamente pela Câmara dos Deputados.

    O elogio aberto do presidente da República ao comunismo no encontro do Foro de São Paulo.

    O Tribunal Superior Eleitoral fabricando peças de propaganda.

    Ministro do Supremo discursando em claro “comício” no congresso da UNE.

    Bloqueios de verbas para educação — que, em outro governo, seriam motivo de escândalo.

    E crescimento de invasões do MST.

    Ainda sobre 2023

    Tudo isso não passa de uma seleção dos fatos que chamam a atenção apenas neste primeiro ano de retorno do lulopetismo, deixando-se de lado as consequências econômicas de uma mentalidade sistematicamente gastadora, que só não se manifestam plenamente porque alguns fatores, como o trabalho do Banco Central autônomo, ainda resistem.

    Configura-se a intensificação do consórcio entre Executivo, Judiciário e setores da velha imprensa na condução dos rumos do país, com alguns laivos muito tímidos de reação do Legislativo, jamais à altura do que o problema exige. A democracia liberal-representativa está rendida diante da hipertrofia do poder togado, com o beneplácito de muitos jornalistas, que deveriam ser os primeiros a contestar a apoteose do arbítrio.

    Nem tudo é tragédia; por exemplo, os esforços de algumas vozes, como as do Instituto Livre Mercado e da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado, em Brasília, permitem que alguns “gols” da turma da tirania sejam impedidos, obstaculizando nosso mergulho na absoluta esquizofrenia. Muito pouco, porém, perto do que o Brasil pode e deve almejar.

    “‘Direitos humanos’ e ‘o amor venceu’ são apenas frases de efeito

    Lucas Berlanza

    Muitos, porém, vão deliberadamente ignorar tudo isso e terão uma visão completamente diferente de 2023. Afirmarão que este foi o ano em que, em 8 de janeiro, um golpe de Estado fascista terrível perpetrado por alguns baderneiros na Praça dos Três Poderes legitimou uma resposta heróica das instituições republicanas, garantindo assim a democracia brasileira.

    Por conta desse imperativo, todas as aberrações que acabei de mencionar seriam distorções da extrema direita ou simples detalhes irrelevantes. Justifica-se, inclusive, que um dos presos pelos eventos de 8 de janeiro tenha falecido na prisão após ter seus pedidos de ajuda ignorados — afinal, “direitos humanos” e “o amor prevalece” são apenas frases de efeito.

    Sobre as duas interpretações do ano

    O que as duas principais interpretações sobre o ano político do Brasil em 2023 mostram é que estão em conflito visões totalmente opostas sobre a própria democracia, o próprio sistema político e a “sociedade aberta” de Popper, na qual ambos os lados afirmam querer viver.

    Para alguns, é uma sociedade em que correntes de opinião se organizam e são representadas, conferindo aos seus representantes a responsabilidade de formular as leis. Para outros, é um regime no qual os juízes podem e devem atuar como uma espécie de vanguarda iluminista para fazer avançar obrigatoriamente as opiniões “corretas” e proteger a sociedade de todas as correntes de pensamento indesejadas.

    O futuro do Brasil depende muito de qual das duas leituras prevalecerá nos anos seguintes. Veremos — e trabalharemos para que todos percebam, parafraseando o escritor britânico Chesterton, que, afinal, a grama é verde.

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