terça-feira, 2 julho, 2024
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    O protesto das togas contra o acúmulo das execuções fiscais


    Conforme o parecer da relatora, ministra Cármen Lúcia, o Supremo Tribunal Federal decidiu no RE 1.355.208 (Tema 1.184) que os magistrados podem encerrar processos de execução fiscal de pequeno valor, considerando o princípio constitucional da eficiência administrativa, uma vez que o montante recuperado seria inferior ao custo da tramitação do processo judicial, estabelecendo critérios para viabilizar sua propositura, já que não seria justificável sobrecarregar o Judiciário com a continuidade de demandas que poderiam ser resolvidas por meios extrajudiciais de cobrança.

    Cabe ressaltar que, no caso paradigmático discutido, o município demandante possuía norma que determinava a cobrança judicial de débitos acima de R$ 200, tendo a ação sido proposta para recuperar um valor de R$ 528,41. Na decisão, o STF entendeu que o ente municipal carecia de interesse processual, uma vez que poderia cobrar a dívida por meio de protesto da CDA, sem acionar o aparato judiciário.

    Como alternativas para a cobrança extrajudicial, o protesto do débito não seria a única opção, visto que os entes poderiam recorrer às Câmaras de Conciliação para solucionar as controvérsias.

    Posicionamento do Supremo
    De acordo com o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, o tema é “o maior problema da Justiça brasileira”:

    “Segundo relatório elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, existem 27,3 milhões de execuções fiscais em andamento, o que corresponde a um terço de todos os processos judiciais do país. Em 2023, de cada 100 execuções fiscais pendentes, somente 12 foram concluídas. O mesmo estudo revelou que tais processos levam, em média, 6 anos e 7 meses para serem finalizados. A elevada quantidade de execuções fiscais em aberto faz com que o Poder Judiciário seja mais moroso na resolução de todas as demandas, além de não proporcionar melhorias na arrecadação dos entes públicos”

    Nesse contexto, foram estabelecidas as seguintes teses:

    Tese de julgamento: “1. É legítima a extinção de execução fiscal de pequeno valor pela ausência de interesse processual, considerando o princípio constitucional da eficiência administrativa, garantida a competência constitucional de cada ente federado.

    A propositura da execução fiscal requer a adoção prévia das seguintes medidas: a) tentativa de conciliação ou busca de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, demonstrando-se a inadequação dessa medida.
    O andamento das ações de execução fiscal não impede os entes federativos de requererem a suspensão do processo para adotar as providências previstas no item 2, devendo, nesse caso, o juiz ser informado do prazo para as medidas cabíveis”

    Tese 1
    Com relação à primeira tese, é importante observar que, mesmo que o ente possua norma estipulando o valor mínimo para a propositura das execuções fiscais, caso esse montante seja insignificante, o Judiciário poderá desconsiderá-lo e ainda encerrar os processos de execução fiscal, conforme a seguir:

    Dessa forma, a União, os estados e os municípios devem estabelecer em norma um valor mínimo (base) para iniciar execuções fiscais que se relacione com o custo de movimentação desses processos. Quando o ente público não fixar esse mínimo ou quando ele for muito baixo, o Judiciário pode determinar o patamar de propositura a ser seguido. Assim, o juiz pode finalizar as execuções fiscais iniciadas para cobrança de débitos de baixo valor, com base nos princípios constitucionais da eficiência e da razoabilidade (art. 37, caput)” [1].

    O informativo divulgado à sociedade e o CNJ parecem ir de encontro à própria tese estabelecida, uma vez que o Tema 1.184 afasta a possibilidade de os tribunais aplicarem normas de entes diversos ou mesmo resoluções.para justificar a extinção das cobranças fiscais de quantias consideradas insignificantes.

    Nesse sentido, foi estabelecida a Portaria do CNJ no ato normativo 0000732-68.2024.2.00.0000, permitindo a extinção de cobranças fiscais de valor inferior a R$ 10 mil:

    Art. 1º – É legítimo o encerramento da cobrança fiscal de pequeno montante pela falta de interesse em proceder, considerando o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitando a competência constitucional de cada entidade.

    §1º. Deverão ser encerradas as cobranças fiscais de valor inferior a R$10.000,00 (dez mil reais) quando do ajuizamento, em que não haja movimentação útil há mais de um ano sem notificação do devedor ou, ainda que notificado, não tenham sido identificados bens penhoráveis.

    §2º. Para determinar o valor previsto no §1º, em cada caso específico, deverão ser somados os montantes de cobranças que estejam apensadas e propostas em face do mesmo devedor.

    Será preciso aguardar os próximos desdobramentos para saber se a competência constitucional de cada entidade será de fato respeitada, ou se foi apenas uma estratégia argumentativa para acalmar os ânimos no momento da elaboração da tese, mera retórica.

    Tese 2
    Quanto à segunda tese, apesar da falta de delimitação da abrangência da redação, devido à falta de clareza, o Judiciário pretende condicionar como requisito para qualquer cobrança fiscal, independentemente do valor, os novos pressupostos. Nesse sentido, foi divulgado o informativo à sociedade:

    Como norma geral, antes de iniciar o processo de cobrança fiscal, o órgão público precisa tentar recuperar a dívida por outros meios. Deve protestar a certidão da dívida ativa em cartório ou tentar uma solução amigável (conciliação) ou administrativa. Para evitar essas medidas alternativas, o órgão público precisa demonstrar que elas não são adequadas ou eficazes para tentar recuperar o crédito. Isso pode ocorrer, por exemplo, na cobrança de débitos de valor muito elevado ou de empresas que não estão mais em atividade.

    Com o intuito de esclarecer e dissipar a ambiguidade que envolve a redação da tese, o município litigante no leading case já apresentou embargos declaratórios para dissipar a dúvida e restringir, possivelmente, sua abrangência apenas para os casos de baixo valor.

    O autor do presente artigo, embora concorde com a compreensão do município, considerando que, pela interpretação sistemática, os requisitos/condicionantes devem ser aplicados apenas para os casos de baixo valor, não alimenta qualquer expectativa de que o Supremo acolherá.

    Dando um balde de água fria nas expectativas, o CNJ fixou em sua portaria as condições/requisitos para protocolar qualquer cobrança fiscal, independentemente do valor, nesse sentido:

    Art. 2º – O protocolo de cobrança fiscal dependerá de tentativa prévia de conciliação ou adoção de solução administrativa.

    1º. A tentativa de conciliação pode ser cumprida, por exemplo, pela existência de lei geral de parcelamento ou oferta de algum tipo de vantagem na via administrativa, como redução ou quitação de juros e multas, ou oportunidade concreta de acordo no qual o devedor, em teoria, esteja apto.
    2º. A notificação do devedor para pagamento antes do protocolo da cobrança fiscal configura adoção de solução administrativa.
    3º. Considera-se atendido o disposto nos §§ 1º e 2º quando a providência estiver prevista em norma do órgão credor.Art. 3º – O protocolo da cobrança fiscal dependerá, também, de prévio protesto do título, a menos por razões de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida

    Parágrafo único. A exigência do protesto pode ser dispensada nas seguintes situações, sem prejuízo de outras, mediante análise do juiz no caso específico:

    I – comunicação da inscrição em dívida ativa aos órgãos que operambancos de dados registrados referentes a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e similares;

    II – Existência da averbação, inclusive por meio digital, da certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos passíveis de arresto ou penhora; ou

    III – indicação, no momento de ajuizamento da execução fiscal, de bens ou direitos passíveis de penhora de propriedade do executado;

    Não satisfeito apenas em “legislar”, o CNJ, com o apoio do Supremo, foi além, sem estabelecer qualquer prazo de adaptação, prejudicando milhares de municípios pequenos devido à surpresa da nova interpretação e “legislação” sobre o assunto, desobedecendo o artigo 23 da Lindb:

    Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que trazer uma nova interpretação ou orientação sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo um novo dever ou novo condicionamento de direito, deve prever um regime de transição quando necessário para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de forma proporcional, equânime e eficaz e sem prejudicar os interesses gerais.

    Nesse sentido, o Judiciário local em várias regiões já está se preparando para aplicar a tese repetitiva automaticamente, buscando a extinção em massa de seu acervo de execuções fiscais.

    Apesar das severas críticas à base que levou a essa interpretação, considerando que a escolha do melhor meio para cobrar o crédito tributário está no mérito administrativo do próprio Executivo e que a Administração pode perdoar a dívida, bem como é de sua competência, dentro de sua margem de discricionariedade, escolher o meio que considera mais bem-sucedido para a cobrança, não cabe ao Judiciário extinguir ou forçar outras vias, em respeito ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.

    Procedimento sugerido
    Com isso em mente, a fim de ajudar outros municípios que estão enfrentando a mesma situação: como lidar com as execuções fiscais diante do novo entendimento do STF?

    Sugere-se agir em 3 frentes: judicial, administrativa e legislativa.

    No âmbito judicial, propõe-se manter o ajuizamento normal das ações exacionais, requerendo ao juízo a suspensão das execuções fiscais por 6 meses, conforme o art. 313, II, do CPC, até a adaptação das soluções administrativas e visando evitar prescrições, entendimento estabelecido pela própria tese do Supremo.

    No âmbito administrativo, sugere-se estabelecer convênios entre a prefeitura e os cartórios de protesto de títulos para permitir o protesto das CDAs; a notificação extrajudicial aos devedores antes do ajuizamento para resolução administrativa perante a administração;

    No âmbito legislativo, sugere-se a criação de câmaras de conciliação de tributos municipais, regulamentações de Refis, permitindo a transação tributária de juros, multa, correção, bens penhoráveis de interesse público, etc.

    Como pôde ser percebido, o desejo de reduzir o acervo nos tribunais foi maior do que o próprio interesse público de debater uma solução conjunta verdadeiramente eficaz com os entes públicos sobre a operacionalidade das execuções fiscais e das dívidas de pequeno valor, o que, com uma canetada, deixou inúmeros municípios com pouco tempo para se adaptarem à nova realidade.

    [1]

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