O antigo líder do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) que esteve presente na detenção de mais de mil pessoas que estavam no acampamento em frente ao QG do Exército em Brasília em 9 de janeiro de 2023 afirmou nessa quinta-feira, 21 de março, que todos “teriam sido levados à força” para os ônibus se não tivessem colaborado. Ele também relatou que não tinha conhecimento do mandado de prisão dessas pessoas, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, antes de encaminhá-las à Polícia Federal (PF), e que não presenciou delito no local.
As declarações do coronel Carlos Eduardo Melo de Souza foram feitas durante depoimento em audiência de instrução e julgamento de seis ações penais, realizada pelo desembargador Airton Vieira, juiz instrutor de Moraes, e o conteúdo da manifestação foi divulgado pela defesa dos presos do 8/1 nas redes sociais. “Está aí a prova de que essas pessoas não foram detidas, mas sequestradas”, disse o advogado Ezequiel Silveira na publicação.
Conforme
ele, as declarações do coronel indicam que essas pessoas “foram enganadas”, pois alguém somente
pode ser preso por ordem judicial ou em flagrante delito. “Então, se os
policiais não tiveram acesso à decisão do ministro e não viram ninguém
cometendo delito, a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), o Exército e a Polícia
Federal (PF) não prenderam essas pessoas, mas as sequestraram”, explica. “Só foi
dada voz de prisão 48 horas depois, e isso é ilegal”, completa.
No depoimento referido, o coronel afirma que, como não recebeu a determinação do ministro Alexandre de Moraes, não foi dada voz de prisão para nenhuma daquelas pessoas. Afinal, “não tínhamos até então a informação de que haveria prisão”, afirmou, ao citar que a ordem era desmantelar o acampamento e conduzir os manifestantes aos ônibus.
“Não estavam autorizadas a sair”, disse o coronel
De acordo com ele, “pessoas de todas as idades” foram orientadas a deixar o local nos ônibus enviados, sem permissão para que pegassem outros meios de transporte ou seguissem para destinos diferentes. Inclusive, “várias pessoas me abordaram e perguntaram: ‘poxa, eu não sou de Brasília, e eu tenho que pegar meu ônibus’, mas elas não estavam autorizadas a sair porque o local estava cercado”, relata.
O
ex-comandante do Bope e atual subchefe de operações da PMDF informa ainda que os
manifestantes aceitaram pacificamente o “recolhimento”, mas que os responsáveis
pela operação estavam cientes de que usariam força, se necessário. E “não
poderíamos empregar agentes químicos naquele ambiente, porque não seria
conveniente”, disse.
Ainda segundo o coronel, o acampamento foi desmantelado por volta das 10 horas, e ele só descobriu a respeito das prisões quase quatro horas depois. “Entre 12 horas e 13 horas eu estava na PF prestando declarações junto ao delegado para conduzir o que seria a apresentação dessas pessoas ao departamento de polícia, e o delegado informou [da prisão].”
O coronel foi questionado novamente no depoimento se “não teve acesso à íntegra da decisão antes de cumpri-la”, e reiterou que não. “Tanto que o delegado comentou no departamento assim: ‘você leu a decisão?’, e eu falei que não tive acesso.”
Defesa afirma que conduta da PMDF, PF e Exército configura “sequestro”
Para
o advogado Ezequiel Silveira, essas declarações confirmam que “a conduta da
PMDF, PF e Exército configuram, em tese, o crime de sequestro”, pois as prisões
foram ilegais, privando centenas de pessoas de sua liberdade “por meio
ardiloso, que leva ao engano da vítima”.
Segundo ele, isso evidencia “que as prisões foram ilegais, tornando os processos nulos” e, por isso, os advogados de defesa dos réus devem se mobilizar para solicitar essa nulidade.