sexta-feira, 5 julho, 2024
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    Por que o Brasil tem discriminação contra a iniciativa privada? –


    * Tiago Antoniolli

    “Ainda não superamos no Brasil a discriminação contra a iniciativa privada”, declarou Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, há três semanas. O magistrado também disse que “nós ainda somos viciados em Estado”. A frase faz alusão a uma tensão histórica entre o Estado brasileiro e os empreendedores, um conflito que remonta ao passado imperial, além de refletir um contraste marcante com nações mais bem-sucedidas quando o tema é industrialização e empreendedorismo, como os Estados Unidos.

    Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, e Robert Morris, um dos “pais fundadores” dos Estados Unidos, compartilharam inícios de vida semelhantes e desafiadores, ambos marcados por origens modestas, abandono dos pais e a necessidade de trabalhar desde a infância. Mauá começou sua carreira aos 11 anos, enquanto Morris, aos 13. Os dois surgiram como figuras centrais no comércio de seus respectivos países, construindo vastos impérios empresariais que influenciaram fortemente as respectivas economias e desenvolvimento de suas nações. Suas interações com os governos de seus países, no entanto, seguiram caminhos opostos.

    Mauá, o industrialista do Império

    Mauá foi um motor na industrialização do Brasil no século 19, criando empresas nos setores metalúrgico, de transporte ferroviário e fluvial, bancário, de iluminação pública, de comércio internacional e agrícola. Apesar do apelido de “industrialista do Império” dado por Jorge Caldeira, autor de sua biografia, Mauá sofreu nas mãos da elite aristocrática que governava o Império brasileiro na época, especialmente do próprio Imperador Dom Pedro II.

    Leis e regulações adversas, restrições a investimento estrangeiro em sua empresa e favorecimento a concorrentes aliados politicamente ao imperador foram apenas alguns dos obstáculos colocados pelo Império no caminho de Mauá, mas não foram os principais. Entre os maiores ataques contra o empreendedor destacam-se a estatização do Banco do Brasil e a desonesta concorrência de Dom Pedro II às linhas ferroviárias de Mauá.

    Embora a grande maioria das pessoas não saiba, o Banco do Brasil foi criado pela iniciativa privada, pelo Barão de Mauá. Houve um primeiro Banco do Brasil, criado em 1808 por Dom João VI, mas, com seu retorno a Lisboa em 1821, o rei português levou consigo boa parte dos recursos do banco, culminando com sua liquidação oito anos depois. Foi apenas em 1851 que o banco foi recriado por Mauá como um banco privado, com o intuito de financiar seus empreendimentos e tentar modernizar a estrutura financeira do país, concedendo acesso mais amplo ao crédito que poderia impulsionar a industrialização e a infraestrutura em um Brasil no qual o crédito era praticamente inexistente.

    Em 1853, porém, o governo imperial decidiu estatizar o Banco do Brasil, porque queria ter maior controle sobre as políticas monetárias e de crédito. A estatização retirou de Mauá a capacidade de financiar suas próprias iniciativas empresariais e reduziu sua influência no cenário econômico brasileiro. O banco estatizado passou a funcionar como um braço financeiro do governo, o que praticamente inviabilizou a disponibilidade de crédito para empreendimentos privados que não fossem dos “amigos do rei”.

    Na realidade, os congressistas estavam habituados a receber polpados juros remuneratórios sobre seu capital, que normalmente emprestavam a fazendeiros para comprarem mão de obra escrava. O tráfico de escravos estava sendo gradualmente proibido devido à pressão exercida pelos ingleses, mas ainda assim os membros do congresso ficavam extremamente incomodados com os empréstimos a juros baixos do Banco do Brasil de Mauá para iniciativas produtivas. Assim, os governantes decidiram acabar com a brincadeira, eO Brasil, em um ciclo aparentemente infinito, sempre retorna a ser o conhecido “paraíso dos rentistas”. 

    A competição do Império contra as linhas ferroviárias de Mauá representa mais um imenso exemplo de um governo altamente centralizador que impediu que a livre iniciativa melhorasse a infraestrutura no Brasil. Mauá, após ter visitado a Inglaterra e testemunhado o potencial das ferrovias para modernizar o transporte e impulsionar o crescimento econômico, iniciou a construção de ferrovias no Brasil. Em 1854, ele inaugurou a primeira ferrovia do país, a Estrada de Ferro Mauá, conectando a Baía de Guanabara ao pé da Serra de Petrópolis. 

    Robert Morris, o “financista” dos Pais Fundadores

    Em contraste com a trajetória de Mauá, nos Estados Unidos, Robert Morris não apenas encontrou um ambiente favorável para seus empreendimentos, mas também foi convidado a integrar o emergente governo americano em reconhecimento às suas realizações empresariais no comércio, navegação e outras atividades comerciais. Ele ficou marcado na história como um dos Pais Fundadores, que foram líderes proeminentes das 13 colônias originais que planejaram a Independência americana e estabeleceram a Constituição dos Estados Unidos.

    Além de Morris, entre os outros pais fundadores estavam George Washington, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, Alexander Hamilton e John Adams. A Constituição que elaboraram, ainda vigente, é um pilar fundamental do sucesso dos Estados Unidos, promovendo um sistema que valoriza e incentiva o empreendedorismo e alivia o peso do Estado Leviatã sobre os contribuintes. Morris teve um papel significativo no financiamento da revolução, inclusive comprometendo suas finanças pessoais para esse fim. Por isso, ele é considerado o arquiteto financeiro da Revolução Americana, o que lhe rendeu o apelido de “O Financista”.

    Contrastes governamentais e seus impactos na iniciativa privada

    É comum ouvirmos falar dos grandes empresários que construíram suas fortunas nos Estados Unidos: Ford, Rockefeller, Carnegie e, mais recentemente, Elon Musk, Steve Jobs, Bill Gates e outros. O que não é tão comum é ouvirmos falar dos magnatas brasileiros. Alguém poderia até brincar dizendo que “é porque não temos nenhum”, mas a história revela que no Brasil já tivemos um magnata capaz de estabelecer bancos de alcance nacional, iluminar a capital do país e cruzar o território brasileiro com ferrovias.

    Os Estados Unidos foram edificados sobre uma base meritocrática, que incentiva e celebra o empresário americano e a iniciativa privada. No Brasil, o sucesso geralmente é recebido com mais ceticismo e resistência do que apoio. A desconfiança em relação ao lucro e ao sucesso reflete uma visão mais abrangente que ainda permeia muitos aspectos da cultura e da política brasileiras. Há uma constante tensão na história econômica do Brasil entre o desenvolvimento promovido pelo Estado e o crescimento orientado pelo mercado. Sim, “ainda somos dependentes do Estado”, conforme afirmou Barroso.

    Não celebramos nossos grandes empreendedores, mas eles certamente existem. E a esperança por um Brasil melhor está nas mãos das futuras gerações empreendedoras. O estudo Global Entrepreneurship Report (2022) deixa claro: o Brasil continua sendo o único país da América Latina onde o principal sonho dos jovens é se tornar empreendedor, com 60% dos entrevistados citando o empreendedorismo como um de seus maiores anseios.

    Uma sociedade fundamentada em valores meritocráticos não apenas prospera economicamente, mas também cultiva líderes e visionários capazes de enfrentar desafios globais, como os Pais Fundadores. Reconhecer e apoiar o potencial empreendedor de nossos futuros “Mauás” pode ser a chave para desbloquear um futuro de inovação e prosperidade no qual o Brasil realizará seu pleno potencial no cenário global.

    * Tiago Antoniolli é membro do IFL-SP.

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