sexta-feira, 5 julho, 2024
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    Quais os limites da piada? Contornos jurídicos do humor


    Quais os limites da piada? Uma vez que estabelecer a tênue traço divisória entre a hipersensibilidade e a graçola que ofende, discrimina ou estimula a violência? O humor está relacionado à originalidade para explorar situações esdrúxulas do cotidiano e provocar o riso, trazendo diversão e entretenimento, por meio de piadas, comédias, sáfaixas etc. É a frase da perceptibilidade humana a desafiar padrões de comportamento culturais, sociais, políticos e até jurídicos, satirizando autoridades, expondo as hipocrisias da sociedade e criando reflexões críticas.

    Baseia-se na livre frase do pensamento assegurada pelo item 5º, incisos IV e IX da Constituição, os quais asseguram ser “livre a sintoma do pensamento, sendo vedado o anonimato” e “livre a frase da diligência intelectual, artística, científica e de notícia, independentemente de exprobação ou licença”. A tarefa do operador do correto é justamente traçar os limites dessa frase do pensamento, separando o humor tolerável daquilo que implica em violação da ordem jurídica.

    A liberdade de frase refere-se à capacidade de agir, pensar, escolher e se manifestar sem restrição, coerção ou premência de prévia autorização, porquê regra universal. Não se pode, mas, ignorar que a mesma Constituição que garante a liberdade de frase, estabelece no seu item 5º, um rol exemplificativo em 79 incisos de diversos direitos e garantias fundamentais, sem relatar os assegurados em vários outros dispositivos. Com isso, pode-se declarar que a liberdade de frase do pensamento não é absoluta e encontra limites quando confrontada com outros princípios.

    O confronto que se estabelece não é o de duas regras precisas e delimitadas, no qual a regra de maior jerarquia prevalece, ou onde a mais novidade revoga a anterior, ou ainda onde a peculiar tem preferência sobre a universal. Cá há uma colisão de princípios, colocando de um lado o correto à livre frase do pensamento e de outro, a intimidade, a honra e a vida privada dos cidadãos.

    Uma vez que lembra Rodrigo Capez, em sua obra “Prisão e Medidas Cautelares Diversas”, em incerteza, um marco divisório desse tema dentro do processo penal, o jurista e professor da Universidade de Kiel, Robert Alexy, define princípios porquê mandados de otimização, ou seja, normas que estabelecem metas a serem atingidas na medida do provável.

    Os princípios são disposições vagas e abrangentes, sem a propriedade da precisão de seu teor e apresentam comandos genéricos que não necessariamente devam ser seguidos no caso concreto, a depender das peculiaridades fáticas. Diferentemente, as regras contêm imposições de índole imperativo, normalmente associadas à cominação de uma penalidade em caso de descumprimento. Podem também veicular disposições de natureza autorizativa, permitindo a realização de comportamentos. Assim, diversamente dos princípios, as regras exigem que seja feito precisamente o que determinam, uma vez que seu teor é específico e preciso.

    A consequência, é a impossibilidade de duas regras contrárias uma em relação à outra. Duas determinações específicas em sentido contrário não podem permanecer ambas válidas no ordenamento jurídico, de modo que essa antinomia deve ser resolvida com a prevalência da norma mais recente ou hierarquicamente superior, a depender da situação concreta. Norberto Bobbio ensina que, no conflito entre regras, em primeiro lugar deve-se empregar o critério hierárquico, prevalecendo a norma superior dentro da pirâmide do ordenamento jurídico; sendo de igual jerarquia, há de prevalecer a peculiar; e dentre duas normas de igual posição e natureza, prevalece a mais recente, aplicando-se o critério cronológico [1].

    No caso de colisão entre princípios, caso prevejam consequências inconciliáveis, um deles terá que ceder, sendo necessário fixar as relações de precedência pelas quais um princípio prevalecerá no caso concreto. “A tensão entre princípios não se resolve com o estabelecimento de uma precedência absoluta, em abstraido de um deles, e sim mediante um sopesamento que tenha por base o caso concreto, a término de se definir qual incidirá… Tudo dependerá do caso em questão.” [2]

    Por essa razão, a revogação de uma regra específica, porquê, por exemplo, um tipo penal definindo porquê violação uma conduta que suprime a vida intrauterina, a partir de um suposto conflito entre princípios, de um lado o correto de escolha da gestante supostamente com base na pundonor humana, e de outro, o correto à vida do feto, cria enorme instabilidade jurídica. “Um sistema constituído exclusivamente de princípios (sistema puro de princípios) traria grave instabilidade jurídica, dada sua indeterminação e fraqueza. O sistema jurídico, portanto, necessita de uma distribuição equitativa de regras e princípios, e que as regras desempenham o papel referente à segurança jurídica — previsibilidade e objetividade das condutas — e os princípios, com sua flexibilidade, dão margem à realização da justiça no caso concreto.” [3]

    Indaga-se portanto: porquê conciliar os diversos princípios que podem eventualmente colidir no caso do humor? Não se pretende discutir o que é visível ou inexato na piada, mas os limites impostos pela própria Constituição ao humor.

    O item 1º da Constituição traz porquê fundamento da República Federativa do Brasil o princípio dos princípios, a pundonor da pessoa humana. O STF assim expressou sua valor:

    “A constitucionalização do princípio da pundonor da pessoa humana modifica, assim, em sua raiz, toda a construção jurídica: ele impregna toda a elaboração do Correto, porque elemento fundante da ordem constitucionalizada e posta na base do sistema. Logo, a pundonor da pessoa humana é princípio havido porquê superprincípio constitucional, aquele no qual se fundam todas as escolhas políticas estratificadas no protótipo de Correto plasmado na formulação textual da Constituição.”(ADI 3.510/DF —STF)

    Em linhas gerais, pode-se estabelecer porquê teor mínimo da pundonor humana, a interpretação de que cada ser humano possui um valor intrínseco e inalienável, independentemente de sua origem, raça, sexo, religião, quesito social, ou qualquer propriedade pessoal, o qual não pode ser violado. O correto penal preceitua normas de natureza proibitiva, descrevendo em seu texto as condutas mais reprováveis e capazes de ameaçar a tranquilidade social, atribuindo a cada uma, a respectiva pena na hipótese de seu cometimento.

    A Lei do Racismo (Lei 7.716/1989), os crimes contra a honra, a tranquilidade social, o regime democrático e aqueles que incitam à violência encontram-se devidamente tipificados em nosso ordenamento permitido. Ao praticar humor, importante constatar para determinados elementos da história, notadamente as grandes tragédias humanitárias, tais porquê o Imolação da Segunda Grande Guerra (1939-1945), o Tráfico Transatlântico de Escravos (séculos 15 a 19), o Genocídio Armênio (1915-1923), o de Ruanda (1994), dentre outros. No cenário pátrio, podemos lembrar da tragédia de Santa Maria (incêndio da boate Kiss, 2013), do Ninho do Urubu (incêndio no núcleo de treinamento do Flamengo, 2019), de Brumadinho (rompimento da barragem da Vale, 2019) etc. Ao entreter com esses temas, há grande chance de o teor incorrer em infração penal.

    Seguindo essa traço de raciocínio, situações do cotidiano jornalístico, porquê feminicídio, violência doméstica, discriminação de qualquer forma, mas principalmente de teor racial, sexual, religioso e etário, e sobre doenças graves, deficiências, porquê situações que envolvam suicídio, doenças mentais ou, ainda, que incitem o ódio e violência, são temas sensíveis, que demandam peculiar atenção do responsável, assim porquê os relacionados à pornografia e trabalho infantil, tortura, monstruosidade, estupro, afronta etc.

    O limite que separa a piada engraçada da ofensa reside em fatores subjetivos, mas quase sempre terminam no princípio da razoabilidade, nome jurídico atribuído ao bom tino. Evidentemente, que a trouxa de subjetividade exigirá sempre a estudo do caso concreto, suas circunstâncias e fatores objetivos capazes de indicar se o intuito foi o de ofender ou se tratou-se de teor de palato duvidoso.

    Note-se que há reduzido espaço constitucional para o humor sobre tais questões, porquanto em regra caracterizam violação. Embora a liberdade de frase permite a sintoma sobre temas sensíveis abordados, é vasqueiro que a irrupção do humorista sobre tal teor não implique em atingir a honra ou sentimento pessoal de indivíduos ou segmentos sociais, ou mesmo, provocar incitação ao racismo ou violência. Fazer humor com a desgraça real e alheia a pretexto de gerar entretenimento pode até trazer estranha diversão para alguns, mas a custa da violação de bens jurídicos guarnecidos pela legislação criminal, não importa se a troça é praticada em troca de remuneração (no caso de shows), likes (no caso das redes sociais) ou visa a satisfazer vontade pessoal do responsável.

    Outro ponto de estudo reside na intenção, já que o correto penal empresta relevância à finalidade do ato praticado, de maneira que o dolo estará presente quando o intuito da piada for o de desprezar, humilhar, menoscabar, tripudiar ou ofender determinada pessoa ou segmento da sociedade, o chamado animus injuriandi.

    A estudo do teor da narrativa, por si só, pode ser suficiente para a caracterização do excesso criminoso, sendo sua estudo objetiva capaz de indicar narrativa de ódio, incitação à violência ou mensagem discriminatória. Nas hipóteses em que não há teor manifestamente racista, ou seja, quando não envolve menosprezo ou sarcasmo contra determinada raça, cor, origem ou religião, o humor deve ser aceito, não se admitindo excessivo rigor na intolerância ao que desagrada. O racismo e a ofensa à honra, por meio de calúnia, injúria ou maledicência, quando ostensivos e inequívocos, são as barreiras jurídicas ao humor.

    Por término, além das implicações legais do humor no contexto penal, é fundamental considerar as ramificações da responsabilidade social. Em casos em que o humor envolve maledicência, calúnia ou danos à reputação de terceiros, as vítimas podem buscar reparação por meio de processos civis. A jurisprudência tem estabelecido que, mesmo que as ações humorísticas se encaixem dentro dos limites da liberdade de frase, elas não estão imunes a ações civis caso causem danos significativos a terceiros.

    Isso ressalta a valor de um estabilidade entre a liberdade de frase e a responsabilidade pelo impacto negativo das expressões humorísticas. Disto decorre a premência de seguir disputas judiciais envolvendo comediantes, sáfaixas políticas ou teor online incerto, os quais têm desafiado os tribunais a lastrar o correto à liberdade de frase com outros valores constitucionais. Estar cônscio desses casos e tendências atuais é crucial para compreender porquê o sistema jurídico está abordando essa questão complexa e em permanente evolução.

    Em última estudo, os contornos jurídicos do humor destacam a dificuldade e a delicadeza dessa forma de sintoma. Enquanto a Constituição consagra a liberdade de frase porquê correto fundamental, ela também estabelece um quadro permitido que limita essa liberdade em prol de outros valores também importantes, porquê a pundonor da pessoa humana e o reverência aos direitos de terceiros.

    A jurisprudência e a legislação fornecem diretrizes e precedentes essenciais para guiar a emprego dessas restrições, mas é o bom tino, em última estudo, que deve ser o farol a orientar e iluminar a geração e a disseminação do humor. A liberdade de frase não é uma licença para desrespeitar, prejudicar ou difamar outros seres humanos. Mesmo em ambientes permissivos, a moral e o reverência reciprocamente são os alicerces a sustentar a frase do pensamento, devendo nascente se ater aos limites da lei e da CF. Tolerância de um lado, reverência de outro, essas são as balizas dentro das quais o correto deve operar no caso do humor.

     

     

    [1] (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 90/91 e BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico – lições de filosofia e correto. São Paulo: Ícone editora, 1995, p. 203-20, apud Rodrigo Capez. Prisão e Medidas Cautelares Diversas. Quartier Latin. São Paulo. 2017, p. 50/57).

    [2]  (CAPEZ, Rodrigo. Op. cit. p. 58).

    Fernando Capez é procurador de Justiça do MP-SP, rabi pela USP, doutor pela PUC, responsável de obras jurídicas, ex-presidente da Tertúlia Legislativa de SP, presidente do Procon-SP e secretário de Resguardo do Consumidor.

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