sexta-feira, 5 julho, 2024
spot_img
Mais

    Últimos Posts

    spot_img

    Religião e governo: combinação sempre arriscada


    Recentemente, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro anulou o certificado do deputado estadual Fábio Francisco da Silva (União), basicamente por ter organizado, por meio de programa em rádio no qual atua como apresentador, festivais evangélicos em templos religiosos “similares a comícios”.

    Deputado Fábio Francisco da Silva

    Também foi observado que, do púlpito transformado em palanque, o parlamentar fez discursos políticos e distribuiu material de campanha, levando a Corte a considerar que houve caracterização de abusos de poder econômico e midiático.

    O assunto — abuso de poder religioso — embora não regulamentado, é, de tempos em tempos, reexaminado pela Justiça Eleitoral, como ocorreu agora.

    Sem entrar no mérito da decisão, uma vez que é passível de recursos, o que se pode inferir dos fatos é o quanto delicada é a fronteira que separa os fundamentos de origem constitucional em questão, tais como: as liberdades de expressão, religiosa (expressão, consciência, reunião, crença e culto) e a normalidade e legitimidade que devem orientar os pleitos para garantir a igualdade de condições entre os atores políticos.

    Alcance
    O poder religioso possui ampla abrangência, e seus protagonistas são frequentemente figuras carismáticas, detentoras de grande influência, fascínio e até mesmo reverência por parte dos fiéis, muitas vezes devido à sua suposta comunicação divina, acabando por, não raro, atrelar sua missão espiritual à política, estreitando laços e, desse modo, conquistando eleitores fiéis, os quais, não raramente, são envolvidos, seduzidos por uma verdadeira embriaguez litúrgica proferida por autênticos mestres da palavra, levando esses eleitores a depositar sua confiança em tais líderes.

    Essa influência nociva da religião na política, e da política na religião, é uma via de mão dupla que se alimenta mutuamente pela exploração mútua.

    Apresentar-se, ou ser apresentado à congregação, como “candidato da igreja”, seu representante que lá (na Assembleia Legislativa) irá defendê-la ou pedir orações e bênçãos por sua candidatura, não é incomum são, na verdade, pedidos de votos disfarçados.

    Por sua vez, a legislação é clara ao proibir a realização de propaganda política em templos religiosos, como já aconteceu com a distribuição de panfletos (com o perdão da ironia).

    Dito isso, não se está afirmando que sacerdotes e pregadores estejam impedidos de abordarem, em seus sermões, homilias, pregações ou reflexões os temas que afligem a sociedade, podendo ainda, livremente, expressarem suas opiniões e seus conselhos a respeito desses assuntos, no entanto, é necessário ter o cuidado para não transformarem seu discurso religioso em instrumento impulsionador de candidaturas.

    Nenhuma liberdade está acima da lei, nem mesmo os direitos fundamentais são absolutos; o argumento da liberdade de expressão não justifica nem apoia a transformação do culto ou da missa em local de pedido de votos.

    Não é possível, como já visto, apoiar a candidatura de cidadãos que defendam valores e princípios e expressar, por outro lado, seu antagonismo àqueles que expressem ideias contrárias à sua crença; isso seria opor-se ultrapassando os limites estabelecidos pelo contencioso eleitoral proibitivo.

    A mesma legislação também é muito clara ao vetar que confissões religiosas patrocinem candidaturas.

    Partidos políticos e candidatos são proibidos de receber, direta ou indiretamente, doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro dessas entidades, devido ao risco de se tornarem “apêndices” de instituições religiosas, embora a prática demonstre a grande dificuldade de conter essa drenagem informal de recursos, especialmente porque os dízimos, em sua maioria, são oferecidos em espécie, o que complica o rastreamento do dinheiro, um caminho doloroso em crimes.

    Assim como os de lavagem de dinheiro.

    Conforme mencionado, longe de não permitir que candidatos expressem suas preferências religiosas, ou mesmo não lhes permitir se inscrever utilizando seus nomes religiosos; em nenhum momento se pode negar a legitimidade da participação de religiosos na cena política, o Estado não é árbitro da religiosidade e da fé, e conter abusos não é equivalente a conter cultos, o que se busca coibir é que as estruturas eclesiásticas sejam usadas para promover o desequilíbrio do certame, permitindo que haja uma supremacia da identidade religiosa sobre a partidária.

    A busca de votos no segmento religioso — ou em qualquer outro — especialmente naqueles com público composto por vulneráveis sob os pontos de vista econômico e social, deve ser pautada pelo pleno respeito à liberdade do eleitor, prescindindo de qualquer elemento de coerção, ameaça ou repreensão.

    Em que pese o abuso do poder religioso não ser um crime em si, condutas exageradas, de grande impacto, podem configurar outras formas de abuso previstas na legislação, como costuma acontecer no caso apresentado, no qual, a meu ver, houve uma comercialização do sagrado.

    A liberdade religiosa deve avançar passo a passo em uma arena política que garanta a ampla liberdade do voto. Oportuno lembrar que o “estatuto da ética e da moralidade”, a famosa lei da ficha limpa, teve inspiração em campanha da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) que tinha como slogan “voto não tem preço, tem consequências”. Que assim seja.

    spot_img

    Últimas Postagens

    spot_img

    Não perca

    Brasília
    céu limpo
    12.5 ° C
    12.5 °
    12.5 °
    82 %
    0.5kmh
    0 %
    sex
    26 °
    sáb
    27 °
    dom
    29 °
    seg
    30 °
    ter
    29 °

    3.147.81.51
    Você não pode copiar o conteúdo desta página!