sexta-feira, 5 julho, 2024
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    Rumo dos contratos da Sabesp após a iniciativa de desestatização

    Uma vez que a desestatização da Sabesp foi autorizada, conforme estabelecido no Projeto de Lei paulista nº 1.501/2023, aprovado na sessão de 6 de dezembro de 2023 pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), a atenção se volta para a forma como a privatização substancial será realizada, especialmente em relação à regra estabelecida pelo artigo 14 da Lei nº 14.026/2021.

    Isso porque, se o objetivo é realmente atrair investimento privado em um leilão bem-sucedido para atingir a universalização do serviço em seis anos (artigo 2º, II, PL 1501/2023), o primeiro passo a ser dado é definir o que acontecerá com os contratos regulares e vigentes firmados pela companhia com outros entes federativos.

    Alesp

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    Além disso, considerando a alienação do controle por meio da venda de ações, a avaliação econômica para precificação tende a levar em conta a receita operacional que esses ajustes contratuais firmados em gestão associada com municípios poderão gerar para a Sabesp até o final da vigência, trazendo-a a valor presente.

    Portanto, a possibilidade de encerramento desses contratos de programa em decorrência da alienação do controle acionário se torna uma informação relevante que precisa ser tratada com transparência para evitar surpresas desagradáveis.

    Imaginemos a situação em que, após a alienação das ações no mercado, todos os contratos de programa sejam rescindidos pelos municípios. Isso poderia gerar euforia, eventual prejuízo à liquidez das ações e ao preço de comercialização da companhia, o que é indesejável, até mesmo por inviabilizar a redução de tarifas, um dos objetivos centrais da privatização. Afinal, como poderia projetar-se a diminuição tarifária com um efeito imediato de queda de receita operacional, paralelamente ao impacto também na receita devido ao rompimento desses contratos.

    Por isso, é crucial garantir segurança jurídica e previsibilidade no que se refere aos contratos de programa regulares vigentes, a fim de que o projeto de alienação do controle não seja prejudicado por falta de informações claras e pelo efeito adverso do rompimento repentino desses contratos de programa. Daí a importância de analisar, neste momento, o alcance do artigo 14 da Lei nº 14.026/2021 sob a ótica da compatibilidade constitucional.

    A relevância dessa discussão é proporcional à importância que os contratos de programa têm na estrutura do setor até o presente momento.

    É inegável que o artigo 175 da Constituição de 1988, a Lei de Concessões dos Serviços Públicos e a Lei das Parcerias Públicos-Privadas, na década de 1990 e nos anos 2000, abriram espaço para arranjos contratuais público-privados, oferecendo a empreendedores a possibilidade de executar projetos concessionários autossustentáveis. Além disso, as privatizações formais serviram como instrumento de arranjo fiscal, com injeção nos cofres públicos da outorga paga pelo vencedor da licitação, pressupondo-se que a introdução da lógica da competição por meio de processos seletivos estimularia a eficiência dos serviços.

    No entanto, apesar de o ambiente legal ter autorizado o ingresso de novos agentes econômicos por meio de concessão, o Estado ainda permaneceu como o principal agente no saneamento, em grande parte devido às concessões de longuíssimo prazo provenientes do Planasa. Além disso, a Lei nº 11.445/2007 não promoveu mudanças estruturais, garantindo a preservação do monopólio do setor às companhias estaduais, também a partir do diálogo com a Lei Geral dos Consórcios Públicos (Lei nº 11.107/2005), base normativa do federalismo cooperativo inaugurado na Constituição de 1988, assim como na gestão associada de serviços públicos disposta no artigo 241 da Carta Magna.

    A partir daí, por meio de contratos de programa, garantia-se privilégio às estatais sobre os serviços de saneamento, desta vez por meio de arranjo de gestão associada, por meio de consórcios públicos e sem a obrigação de licitar.

    Este arranjo cooperativo se mostrou como uma alternativa interessante para os titulares do serviço, principalmente para os municípios de pequeno porte e com pouca estrutura. Isso porque a prestação direta demanda orçamento, planejamento e execução, o que por vezes não é viável em algumas realidades locais; além disso, processos licitatórios para a contratação de empresas privadas por meio de concessão demandam um corpo técnico especializado, alto custo, além do risco judicial ou administrativo, situações indesejáveis para as municipalidades.

    Não é à toa que, para atrair capital privado, uma das medidas enérgicas trazidas pelo marco regulatório foi proibir contratos de programa na prestação de serviços, visando eliminar reserva de mercado para as companhias estaduais e fomentar a seleção competitiva por meio de licitações.

    O objetivo de garantir a competição para obter uma seleção melhor e, consequentemente, entregar valor ao usuário do serviço de saneamento não pode ser desviado. Se é proibido celebrar contratos de programa para garantir a concorrência, também deve ser quando da alienação do controle da estatal.

    A Sabesp, vale ressaltar, está inserida neste contexto: uma companhia estadual, cuja atividade operacional — até a privatização substancial se concretizar — é impactada diretamente pelos consórcios cooperativos firmados entre o estado de São Paulo e os municípios que entregam o serviço à companhia sem licitação, por meio de um contrato de programa. Uma vez desvinculando a Sabesp do aparato da administração pública, como ficariam esses contratos de programa? A questão é relevante para o período pós 6 de dezembro de 2023.

    Pelo menos em uma primeira análise, é incompatível a sua continuidade devido à impossibilidade jurídica total de estabelecer um contrato de programa entre o município e uma empresa privada que não faz parte da administração indireta de nenhuma pessoa política.

    A compreensão, no entanto, deve passar pelo marco do saneamento.

    Neste ponto, destaco o artigo 14 da Lei nº 14.026/2021, que estabelece que, em caso de alienação do controle acionário, “[…] os contratos de programa ou de concessão em execução poderão ser substituídos por novos contratos de concessão, observando-se, quando aplicável, o Programa Estadual de Desestatização”. A leitura desatenta e isolada talvez leve o intérprete a crer, com segurança, que os contratos de programa serão simplesmente substituídos por contratos de concessão, como se a mudança de nomenclatura fosse suficiente para garantir a legalidade e resolver o problema.

    Obviamente, o direito não opera dessa forma, uma vez que cada coisa tem sua natureza jurídica. Assim, se o contrato de programa é uma prerrogativa constitucional vinculada à gestão associada, não parece razoável simplesmente substituí-lo por contratos de concessão, cujo regime jurídico é diferente e levanta diversas questões relacionadas ao projeto de concessão.

    Além disso, não há autorização constitucional para a substituição de um por outro. O artigo 175 da Constituição é claro ao estabelecer que toda concessão deve ser previamente licitada, e não há margem para interpretações criativas nesse aspecto. Parece mais adequado ao regime das concessões e à livre concorrência admitir que, na hipótese de alienação do controle acionário, os contratos de programa ou de concessão em andamento devem ser revisados para se adequar às novas circunstâncias, observando-se, quando aplicável, o Programa Estadual de Desestatização.

    da estatal, os laços contratuais estabelecidos por causa de privilégios especiais de administração terminem, enquanto simultaneamente, o município realize um processo licitatório para selecionar o competidor mais qualificado. Neste contexto, a substituição do contrato de programa pode eventualmente acontecer, contanto que a compreensão do termo resulte em reconhecer a interrupção desse tipo de arranjo, seguida de concorrência vencida pela própria empresa privatizada.

    Em outras palavras: não nos parece ser constitucionalmente compatível admitir que a substituição ocorra sem licitação, pois estaria sendo criada uma nova forma de reserva de mercado dentro do setor do saneamento, desta vez, para companhias estaduais privatizadas.

    Ressalta-se que, mesmo assim, a Sabesp terá vantagem competitiva em processos licitatórios de projetos concedidos anteriormente por ela. Afinal, é a empresa que esteve durante décadas à frente do saneamento básico no estado de São Paulo, detendo conhecimento especializado decorrente do aprendizado ao longo do tempo de operação. No entanto, esse know-how deve se refletir em um processo licitatório transparente que permita ampla competição e possibilite que outros participantes também possam apresentar suas intenções e potenciais. Quem se beneficiará neste jogo é o usuário do serviço, pois a modelagem adequada de um processo licitatório tenderá a selecionar uma proposta que, por exemplo, pague valor justo pela outorga e também ofereça a menor tarifa possível, considerando o equilíbrio econômico-financeiro.

    De toda forma, o momento para discussão é agora. Não é conveniente realizar primeiro leilão, para depois discutir o alcance do artigo 14 da Lei nº 14.026/2021, já que eventual assimetria de informação, além de prejuízos ao próprio serviço, poderá gerar distorção na precificação do ativo. Além disso, é comum — o que inclusive já foi enfrentado pelo próprio Marco Legal do Saneamento — a judicialização como resposta à incerteza, deflagrando conflitos, aumentando risco e gerando insegurança jurídica ao investimento, o que é prejudicial quando se está diante de um serviço essencial cujo escopo fundamental é entregar dignidade ao cidadão.

    Daí a necessidade de ser determinado com urgência o destino dos contratos de programa, para que a venda do controle acionário da Sabesp cumpra seu objetivo, universalizando até 31 de dezembro de 2029 o saneamento no estado de São Paulo com redução tarifária.

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