quarta-feira, 3 julho, 2024
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    Segurança jurídica e a operosidade financeira do Estado


    Um dos princípios que mais frequentam os debates sobre tributação é o princípio da segurança jurídica. Mesmo sem uma pesquisa empírica, arriscaria manifestar que nenhum outro é tão mencionado no contexto de diálogos tributários quanto ele.

    De vestimenta, a noção de que qualquer ordenamento jurídico num Estado Democrático de Justo deve ter uma vez que término se fundar sobre textos normativos, o mais inteligíveis quanto provável, que possibilitem uma previsibilidade suficiente do porvir e uma razoável firmeza do pretérito, não pode ser questionada nessa quadra histórica.

    Todavia, há tempos que notamos um equívoco nas discussões sobre segurança jurídica em contexto tributário que, segundo vemos, apequena o princípio e gera uma incapacidade em alguns atores de seguir a sua emprego concreta, notadamente pelo Poder Judiciário. Refiro-me à visão de que o princípio da segurança jurídica somente se aplica em mercê do sujeito passivo de deveres tributários, e não dos interesses da sociedade que se corporificam no Estado.

    Essa visão, parcial e incompleta, do princípio da segurança jurídica, sugere que somente o sujeito passivo tributário pode discutir com base nele para tutorar suas pretensões, enquanto a instabilidade e a imprevisibilidade poderiam perfeitamente estar presentes nas situações em que interesses públicos estivessem em questão.

    Em texto anterior publicado nesta poste, tratamos brevemente das origens do Justo Tributário Brasílio e de uma vez que o seu desenvolvimento dogmático na estação da ditadura militar pode ter influenciado esse tipo de postura e nos legado essa visão do Justo Tributário uma vez que o regimento de resguardo do sujeito passivo contra o Estado.

    Ora, nenhum estudo jurídico pode ser feito desconsiderando o contexto histórico em que textos normativos foram editados e as teorias, desenvolvidas. Portanto, não nos parece que posturas teóricas desenvolvidas no contexto de um Estado de Restrição possam ser simplesmente transplantadas para o contexto dos debates em um Estado Democrático de Justo.

    Consequentemente, cremos ser evidente que o princípio da segurança jurídica não pode ter o mesmo perfil pré e pós-1988.

    Pois muito. Da mesma maneira que a Constituição Federal claramente alçou a segurança jurídica a um dos pilares do Sistema Tributário Vernáculo, prevendo regras de cultura com materialidades mais ou menos delimitadas para diversos tributos e veiculando regras uma vez que a legitimidade, a anterioridade e a irretroatividade, o Texto Constitucional incluiu diversos dispositivos que estabelecem uma vez que término uma segurança financeira pautada pelos mesmos requisitos de previsibilidade e firmeza que vimos supra.

    A Constituição Orçamentária está alicerçada em três pilares, refletidos em nível infraconstitucional no item 1º, § 1º da Lei de Responsabilidade Fiscal — a transparência, o planejamento e o estabilidade orçamentário. Toda a lógica estabelecida pelo item 165 da Constituição para o Justo Orçamentário segmento da premissa de que a lei vai veicular o planejamento financeiro do Estado de longo, médio e pequeno prazo, de modo que haja previsibilidade e firmeza da arrecadação e do gasto públicos.

    Tenho a vantagem de ser professor de Justo Financeiro e de Justo Tributário na Faculdade de Justo da Uerj. Essa junção das duas cadeiras é imprescindível para que se tenha uma visão global da operosidade financeira do Estado e dos princípios que a regem. A sintético cisão entre o Justo Tributário e o Justo Financeiro faz do primeiro uma “projétil perdida”, uma vez que o despe do que lhe dá razão de ser e sentido: o gasto e as políticas públicas.

    A esta fundura, é inegável que o princípio do estabilidade orçamentário é uma das pedras angulares da Constituição Financeira. Não desconhecemos as muitas polêmicas que existem sobre as demandas por estabilidade fiscal e austeridade, nem que muitos autores e autoras importantes defendem que países soberanos monetariamente não precisam pautar o gasto público pela arrecadação de tributos.

    Zero obstante, é só vermos a tarifa dos governos, independentemente do matiz ideológico, para notarmos que a lógica que se impôs é a do estabilidade orçamentário. Todas as grandes iniciativas do novo governo, todas as grandes pautas congressuais apresentadas foram diretamente relacionadas ao estabilidade das contas públicas.

    É interessante observar que esta não é, necessariamente, uma tarifa inata do governo de vez. Pelo contrário, o estabilidade orçamentário e as metas de austeridade são demandadas e às vezes praticamente impostas por essa entidade abstrata que chamamos de “mercado”. Tanto logo que uma mera notícia de progressão do “tórax fiscal” normalmente faz a Bolsa subir e anima as empresas de rating na revisão da nota atribuída ao Brasil.

    Cremos ser absolutamente inquestionável, portanto, que a segurança orçamentária é um princípio constitucional irmão do princípio da segurança jurídica tributária. Da conjugação de ambos temos o princípio da segurança da operosidade financeira do Estado.

    A incapacidade de compreensão de que a segurança jurídica não é um princípio de polaridade única deixa muitos operadores e operadoras do Justo Tributário míopes quanto ao direcionamento das instituições que atuam neste campo, notadamente no que se refere às decisões dos tribunais superiores.

    Com efeito, uma parcela de nossa teoria tributária, firme na premissa de que tributos, por natureza, restringem o correto de propriedade dos sujeitos passivos, vê, nas regras que materializam a segurança jurídica tributária, mandamentos de emprego irrecusável e absoluta que não podem ser ponderadas com outros interesses socialmente relevantes.

    Essa será a verdade na maioria das situações. Porém, em alguns casos difíceis, essa visão unidimensional da segurança jurídica não conduz à melhor versão da Constituição Federal.

    Um exemplo nos ajudará a compreender melhor o que estamos defendendo.

    Sabemos que, desde 2004, o item 27, § 2º, da Lei nº 10.865 estabelece uma delegação legislativa para que o Poder Executivo reduza e restabeleça a alíquota do PIS e da Cofins não cumulativos incidentes sobre receitas financeiras. Posteriormente mais de uma dezena reduzidas a zero, em 2015 tais alíquotas foram previstas em 0,65% e 4%, respectivamente, pelo Decreto nº 8.426.

    O restabelecimento dessas alíquotas gerou grande controvérsia, o que não é o foco de nossa discussão cá. O ponto a que queria chegar refere-se à edição do Decreto nº 11.322, de 30 de dezembro de 2022, que reduziu a alíquota do PIS de 0,65% para 0,33% e a da Cofins de 4% para 2%. Logo no dia 1 de janeiro de 2023, oriente ato foi revogado pelo Decreto nº 11.374, que repristinou expressamente as alíquotas previstas no Decreto nº 8.426/2015.

    Levante é o que podemos invocar de um caso difícil de emprego da regra da anterioridade e do princípio da segurança jurídica. A eficiência do Decreto nº 11.374/2023 estaria pautada pela anterioridade nonagesimal que rege as contribuições de financiamento da seguridade social?

    Um patrono ou defensora da segurança jurídica unidimensional, escudo do tributário, provavelmente diria que sim. Há um ato emitido pela mando formalmente competente para a sua emissão, o portanto presidente da República em treino. Levante ato foi revogado e uma novidade tributação instituída já em janeiro de 2023. Consequentemente, não haveria dúvidas quanto à urgência de proteção da expectativa criada nos contribuintes com a edição do Decreto nº 11.322/2022.

    Zero obstante, não nos parece que a resposta seja tão simples.

    Com efeito, a partir do momento em que entendemos a segurança jurídica uma vez que um princípio da operosidade financeira do Estado, que também protege a expectativa de arrecadação, percebemos que situações uma vez que esta não podem ser examinadas de uma perspectiva precípuo e exclusivamente formal.

    De vestimenta, considerando a situação das contas públicas, a decisão do portanto presidente da República, num governo que estava em seu penúltimo dia, pela redução de uma nascente de arrecadação relevante tem que ser considerada de um ponto de partida substantivo, o de suas motivações e justificativas, e não de uma perspectiva somente formal de existência ou não de cultura para a edição do ato administrativo.

    Nessa toada, um ato claramente atentatório à segurança orçamentária, editado sem qualquer motivação ou justificativa legítima, parece, em si, um não-ato, um decreto praticado, ao que tudo indica, com a finalidade última de fabricar embaraços financeiros para o governo que se iniciaria em janeiro e, consequentemente, para toda a sociedade.

    Só por isso já seria justificável repensarmos se oriente seria, de vestimenta, um caso de emprego da regra da anterioridade nonagesimal. Mas não é só. Também a própria anterioridade deve ser interpretada considerando o princípio da segurança jurídica da operosidade financeira do Estado.

    Em verdade, uma vez que vimos, o princípio da segurança jurídica tem uma vez que uma de suas vertentes a previsibilidade dos deveres tributários aos quais estão submetidos os sujeitos passivos. Portanto, uma regra uma vez que esta da anterioridade tem uma vez que término evitar a surpresa decorrente da instituição ou majoração de tributos.

    A todas as luzes, surpresa quanto à incidência não foi o que se passou nesse caso. Se houve alguma surpresa, foi com o decreto editado no ocaso do governo pretérito pelo hoje senador da República Hamilton Mourão, em 30 de dezembro de 2022, quando as pessoas compravam pão para a rajada e combinavam com familiares as celebrações do dia 31.

    Assim sendo, uma versão teleológica da própria regra da anterioridade põe em xeque a pretensão de se transformar um Decreto maculado de simples ramal de finalidade em ato gerador de expectativas legítimas.

    A compreensão do princípio da segurança jurídica desta perspectiva bidimensional normalmente gera reações enérgicas e inconformadas, uma vez que se estivéssemos, de alguma maneira, ressuscitando as teorias de prevalência do interesse público sobre o privado. Certamente não é isso que estamos defendendo.

    É importantíssimo deixar muito simples que não estamos propondo que a segurança orçamentária tenha prevalência ou precedência sobre a segurança jurídica dos sujeitos passivos de deveres tributários. Não é isso que estamos dizendo!

    O que estamos sustentando é que a segurança jurídica não é um princípio unidimensional e que, em alguns casos, a segurança jurídica orçamentária entrará em colisão com a segurança jurídica tributária. Nesses casos difíceis, que são a restrição, as condições de precedência serão definidas de modo casuístico.

    É generalidade que oriente tipo de visão, uma vez que a que estamos sustentando, seja tido uma vez que antagônico aos interesses dos sujeitos passivos. Não nos parece que assim o seja.

    Há muitos anos vimos denunciando os malefícios das posições binárias absolutas que pautam a fundamento tributária. Uma das suas principais desvantagens é a incapacidade de fabricar pautas para a solução dos problemas concretos que desafiam a perceptibilidade dos órgãos de emprego do Justo nos dias de hoje.

    Isso fica muito simples se olharmos o caso das modulações de efeitos em casos tributários, que não vasqueiro se inserem no tema deste breve texto, vez que justificadas pela proteção da segurança orçamentária do Estado.

    A posição da fundamento tributária muitas vezes é no sentido de que “modulações de efeitos” em decisões que reconhecem a inconstitucionalidade de tributos não deveriam ser autorizadas não, uma vez que violariam o princípio da segurança jurídica e seriam um fomento à “inconstitucionalidade útil”. Sendo assim, fincam sua posição e não debatem o mais importante: quais seriam as circunstâncias e a condições para uma modulação de efeitos de decisão que declare a inconstitucionalidade de um tributo?

    Nesse contexto, quando o Poder Judiciário rejeita essa visão absoluta de vedação da modulação, e começa a modular suas decisões, não encontra uma teoria sobre os limites da modulação legítima, e passa a ter um mar azul para resolver sem balizas doutrinárias.

    É nesse sentido que temos sustentado quão contraproducentes são essas posições binárias absolutas em um mundo marcado pela hipercomplexidade e pela ambivalência.

    O princípio da segurança jurídica é um princípio da operosidade financeira do Estado? Sem incerteza. Isso significa que ele tem um viés bidimensional que protege a segurança jurídica orçamentária, além da segurança jurídica do sujeito passivo de deveres tributários? Certamente. Logo, a segurança jurídica pode ser transformada em um argumento vencedor para que sempre prevaleçam as posições da Herdade Pública em casos tributários? Não! Porquê pontuamos anteriormente, a derrotabilidade de regras de segurança jurídica tributária deve ser a restrição, não a regra.

    Dessa forma, repensar o princípio da segurança jurídica não é, segundo vemos, pretender restringir direitos dos contribuintes. Muito pelo contrário! É essa releitura do princípio, a partir da Constituição Federal de 1988, que nos permite compreender muitas das decisões que estão sendo proferidas pelos tribunais superiores nos últimos anos, e concluir que, uma vez que fundamento, é nosso papel erigir os limites para a ponderação das duas vertentes da segurança jurídica diante de casos concretos. Do contrário, muitos e muitas seguirão na sina de se surpreenderem e se indignarem com decisões judiciais, sem perceber que por vezes acabam contribuindo para que os julgadores não tenham balizas claras para resolver.

    Sergio André Rocha é professor de Justo Financeiro e Tributário da Uerj, livre-docente em Justo Tributário pela USP, diretor vice-presidente da ABDF (Associação Brasileira de Justo Financeiro), jurista e parecerista.

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