terça-feira, 2 julho, 2024
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    Sinais de alerta para identificar abuso de poder político antes do período pré-eleitoral



    Ponto de vista

    No contexto das eleições municipais deste ano de 2024, é perceptível uma mudança de comportamento entre os pré-candidatos, principalmente aqueles que estão vinculados ao Poder Executivo ou que fazem parte dele, como secretários, diretores e assessores, com destaque para os mandatários.

    No entanto, pouco se comenta sobre a utilização da estrutura estatal e sua adequação para projetos eleitorais ainda na fase pré-eleitoral. A Justiça Eleitoral parece não fazer muito para coibir esses comportamentos antes que causem danos significativos nas eleições, desequilibrando o pleito e proporcionando vantagens injustas a alguns candidatos, devido à posição privilegiada que ocupam. Afinal, parafraseando Orwel, é imprescindível que todos os animais sejam tratados de forma igualitária. [1].

    Dito isso, antes de abordarmos a importância de mantermos a vigilância, é necessário revisitar alguns conceitos. Em primeiro lugar, é fundamental esclarecer o que constitui o abuso de poder político e quais são as suas repercussões nas eleições.

    Definido nos artigos 19 [2] e 22 [3], caput, da Lei Complementar nº 64/1990, o abuso de poder político pode ser caracterizado como uma distorção das ações ou atividades públicas, com o propósito de influenciar o eleitorado e obter votos em virtude da posição de poder conferida pela estrutura estatal.

    Conforme a explanação de José Jairo Gomes:

    “O abuso de poder político pode ser considerado uma forma de abuso de autoridade, pois ocorre no âmbito público-estatal sendo praticado por autoridade pública. Consiste na deturpação de ações ou atividades realizadas por agentes públicos no exercício de suas funções. A função pública ou a atividade da Administração estatal é desviada de seu propósito jurídico-constitucional com o intuito de condicionar o voto e influenciar o comportamento eleitoral dos cidadãos.”[4]

    Nesse mesmo sentido, Jaime Barreiros Neto leciona:

    “O abuso do poder político, nesse contexto, é observado quando o detentor do poder, no âmbito do Poder Executivo, principalmente, mas também no âmbito do Legislativo, aproveita-se de sua condição, atuando com abuso de autoridade, prejudicando a liberdade de voto.” [5]

    Evitar a todo custo a má gestão da administração pública é fundamental para assegurar a igualdade [6] do processo eleitoral, bem como a sinceridade e liberdade do voto [7], uma vez que o eleitor tem o direito de ser convencido, mas não de ser manipulado.

    Atuação da Justiça Eleitoral
    A prevenção e repressão de atos de abuso de poder político durante o período de campanha, que terá início em 15 de agosto de 2024, são eficazes e pacíficas, no entanto, existem práticas realizadas ainda na pré-campanha que podem perturbar as forças eleitorais e que demandam mais atenção da Justiça Eleitoral.

    Afinal, não se pode presumir que só ocorrerão atos de abuso de poder político durante a campanha eleitoral, como se tudo que aconteceu antes não tivesse o poder de influenciar o desfecho do pleito.

    O princípio republicano, quando aplicado ao direito eleitoral [8], tem a capacidade de proteger a democracia de qualquer atitude que possa comprometer a lisura das eleições.[9], assegurando que, mesmo antes da fase pré-eleitoral, aqueles que planejem concorrer tenham o direito de competir em um ambiente equitativo.

    É importante destacar que, com o avanço da tecnologia e a crescente presença das redes sociais na formação da opinião do eleitor, nem todo ato que possa ser considerado abuso de poder político precisa ser explícito ou pouco perceptível. Por vezes, uma comunicação social mais paternalista, conduzida de maneira sutil, pode ser suficientemente considerada uma violação da igualdade eleitoral. Tudo depende da forma como esse trabalho é realizado.

    Naturalmente, não se pode fomentar um comportamento obsessivo em que tudo possa ser considerado abuso de poder político. O fato de alguém ser mandatário e chefiar o Poder Executivo, por exemplo, já tem impactos eleitorais, e isso é inevitável.

    Por isso, a criação de sinais de alerta é importante, uma vez que se tratam de gatilhos que acionam a atenção da Justiça Eleitoral para comportamentos problemáticos que podem desequilibrar o jogo eleitoral, mesmo fora do período eleitoral. E o mais importante é que esses indícios sejam públicos e permitam a todos os pré-candidatos fiscalizarem uns aos outros.

    Identificação dos sinais de alerta
    A título de exemplo, pode ser considerado um sinal de alerta sinalizado o (mau) uso da máquina pública — o que infelizmente é comum — na autopromoção de políticos. Utilizar as redes sociais institucionais, canais que deveriam ser uma comunicação direta e fácil com o público, de maneira a transformá-las em veículos pessoais dos políticos é um sinal de alerta. Outro exemplo é a seletividade no direcionamento de ações governamentais para os redutos eleitorais de políticos específicos, o que certamente desequilibra a corrida eleitoral.

    Entretanto, não se trata de uma lista fechada, podendo haver diversos outros casos em que o abuso de poder político ocorre. Felizmente, conforme a fiscalização aumenta, novos meios de evitá-la são criados.

    O fato é que, como a lei impõe marcos temporais bem definidos para o início das vedações, a atividade política ardilosa acaba por ser eficiente em buscar métodos de influenciar na corrida eleitoral antes mesmo de serem iniciados os períodos de vedação e isso precisa ser fiscalizado.

    Da mesma maneira, deve-se ter cuidado para não passar a considerar todo o mandato político como sendo suscetível à aplicação dos sinais de alerta de maneira indiscriminada. É necessário, primeiro, averiguar se e em que medida certo ato praticado antes das eleições, de fato, pode influenciar no resultado do pleito. Essa medida de tempo deve ser mensurada.

    Isso porque não é interessante para a democracia um Poder Judiciário vigilante e interventor, devendo ser estabelecidas algumas medidas que permitam aos pré-candidatos saber os limites em que podem trabalhar. Do contrário, poderão sofrer sanções eleitorais ou ter prejuízos no momento de registrarem suas candidaturas. A insegurança jurídica também é um perigo. É necessário permitir aos candidatos que tenham efetiva ciência das regras do jogo e as consequências para eventuais violações dessas mesmas regras.

    Trata-se, portanto, de dar melhores contornos ao princípio da candidatura aparente [10], forçando os pré-candidatos que estejam em posição politicamente privilegiada a adotarem condutas públicas como se candidatos fossem, inclusive no tratamento dado à coisa pública.

    Enfim, a ideia deste texto não é trazer uma discussão sobre como aperfeiçoar o nosso sistema eleitoral com medidas simples e que podem garantir eleições mais éticas, republicanas e democráticas. O que se pretende é trazer uma reflexão sobre a necessidade de regulamentação de como agir diante de sinais de alerta nas pré-campanhas, de maneira que esse regramentoseja empregado como instrumento efetivo para equilibrar verdadeiramente as forças do jogo político.

    [1] Orwell, George. “A revolução dos bichos.” São Paulo: Círculo do Livro (1945).

    [2] Art. 19. As infrações vinculadas à origem de valores pecuniários, abusos do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto, serão investigadas por meio de apurações jurisdicionais realizadas pelo Corregedor-Geral e Corregedores Regionais Eleitorais.

    [3] Art. 22. Qualquer agremiação política, coligação, concorrente ou Ministério Público Eleitoral poderá encaminhar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando acontecimentos e apontando evidências, indícios e circunstâncias e solicitar a abertura de averiguação judicial para examinar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização imprópria de veículos ou meios de comunicação social, em favor de concorrente ou de agremiação política, observado o seguinte procedimento:

    [4] Gomes, José Jairo Direito eleitoral / José Jairo Gomes. – 16. ed. – São Paulo: Atlas, 2020, p. 967.

    [5] Direito eleitoral/ Jaime Barreiros Neto – 10. ed. rev., atual, e ampl. – Salvador:Juspodivm, 2020, p 327/328.

    [6] “Previsto no artigo 5º da Lei Maior, o princípio da isonomia ou da igualdade impõe que a todos os residentes no território brasileiro deve ser garantido o mesmo tratamento ou tratamento igual, não se admitindo discriminação de espécie alguma – a menos que o tratamento diferenciado reste plena e racionalmente justificado, quando, então, será objetivamente razoável conceder a uns o que a outros se nega. Esse princípio apresenta especial relevo nos domínios do Direito Eleitoral. Avulta sua importância para o desenvolvimento equilibrado do processo eleitoral, bem como para a afirmação da liberdade e do respeito a todas as expressões políticas.” Gomes, José Jairo Direito eleitoral / José Jairo Gomes. – 16. ed. – São Paulo: Atlas, 2020, p. 144.

    [7] “A Justiça Eleitoral é o Poder responsável por assegurar a eficácia do princípio da autenticidade, sobretudo porque é sua incumbência organizar as eleições e zelar por sua legitimidade. Neste contexto, demonstra-se relevante a veracidade do escrutínio, a liberdade do voto e da eleição de mandatários constituindo-se na fidedignidade da representação política. O princípio da autenticidade, em nosso entendimento, absorve o que grande parte da doutrina denomina como princípio da liberdade do voto.” Vasconcelos, Clever Direito eleitoral / Clever Vasconcelos, Marco Antonio da Silva. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p.33.

    [8] “Dessa forma, o princípio republicano também implica a tomada de decisões com base na racionalidade, na objetividade e na impessoalidade, sendo abolidos quaisquer privilégios ou distinções de pessoas, classes, grupos ou instituições sociais. Exige, ainda, a transparência e publicidade nos atos estatais. Veda, ademais, que o Estado seja gerido de forma semelhante ao patrimônio privado da autoridade pública (= patrimonialismo) – que o utiliza de forma discricionária e em proveito próprio para atingir objetivos meramente pessoais e não coletivos. Nessa perspectiva, o princípio republicano não tolera o abuso de poder político, em que recursos públicos são utilizados em favor de determinado candidato, partido ou grupo político, de modo a direcionar ao beneficiário vantagens.indecorosas na competição eleitoral em comparação com os outros concorrentes.” Gomes, José Jairo Direito eleitoral / José Jairo Gomes. – 16. ed. – São Paulo: Atlas, 2020, p. 129.

    [9] O princípio da transparência das eleições visa assegurar a liberdade na formação da convicção política do eleitor e a preservação da integridade do processo eleitoral, ou seja, a ausência de comportamentos ilícitos que visem desequilibrar o processo eleitoral e manchar o resultado com o sucesso daquele que não seria o naturalmente eleito. Portanto, é fundamental combater o que chamamos de contaminação do processo eleitoral.” Vasconcelos, Clever Direito eleitoral / Clever Vasconcelos, Marco Antonio da Silva. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p.40.

    [10] “Mesmo que se afirme que tais condutas são anteriores à data do registro de candidatura, é crucial saber que inúmeras outras condutas anteriores à mesma data podem ser alvo de punição. Isso porque não são apenas os poucos dias de propaganda eleitoral que definirão a eleição. Com a redução dos prazos de propaganda eleitoral, de filiação e de domicílio eleitoral, é preciso dar maior importância aos acontecimentos ocorridos no período de pré-campanha, sob pena de as eleições se tornarem eventos puramente formais.” Vasconcelos, Clever Direito eleitoral / Clever Vasconcelos, Marco Antonio da Silva. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p.52/53.

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