sexta-feira, 5 julho, 2024
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    Suas ações para a política externa, nem sempre foram bem-sucedidas

    A avaliação do desempenho na política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) neste ano é bastante desfavorável. O líder tentou mediar negociações de paz na Ucrânia e em Israel, mas suas tentativas foram ignoradas; não se colocou como líder dos países em desenvolvimento em questões de clima e meio ambiente; falhou em fechar o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia e não conseguiu conter a expansão dos Brics. O presidente ainda fez declarações controversas que causaram constrangimento ao país diante de líderes estrangeiros.

    Após os 12 anos em que esteve fora do poder, Lula retornou ao cargo com a expectativa de se tornar um líder internacional e, por isso, realizou muitas viagens a outros países no primeiro ano do atual mandato. Considerado o presidente brasileiro que mais viajou para o exterior na história do país, Lula fez 15 viagens internacionais neste ano e passou mais de dois meses fora do Brasil — 62 dias, para ser específico. Durante esse período, visitou 24 países e se encontrou com dezenas de chefes de Estado e de governo.

    O objetivo do presidente era “reabilitar” a imagem do Brasil no exterior, algo que, segundo ele, não foi prioridade nos governos de Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro. No entanto, Lula não conseguiu cumprir o que se propôs. Para especialistas ouvidos pela reportagem, a política externa do presidente Lula contém mais equívocos do que acertos.

    “Eu creio que a política externa de Lula apresenta tanto acertos quanto erros. Na minha opinião, ela é imperfeita e tem problemas por ser totalmente baseada em uma única visão de mundo, que é a visão do Lula, do PT, do Celso Amorim, que é a perspectiva do Sul Global, que inclui a China e busca uma ordem internacional diferente e supostamente melhor do que a atual”, avalia o ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente e diplomata de carreira Rubens Ricupero.

    Desde que iniciou seu terceiro mandato, o presidente tem adotado o discurso de que o “Brasil voltou” para o cenário internacional, mas ao mesmo tempo comete falhas que impedem essa possibilidade de projeção no âmbito internacional. Entre elas, o coordenador de análise política da BMJ Consultores Associados, Lucas Fernandes, destaca a forma como o presidente brasileiro se posicionou sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia, na Europa.

    Segundo ele, as declarações de Lula mostraram falta de capacidade para articular apoiadores e se destacar em negociações internacionais. “Lula adotou uma postura muito branda em relação à Rússia, o que minou qualquer possibilidade e ambição que ele tinha de se tornar um mediador nessa crise. Isso representou uma derrota para Lula”, avalia. Para analistas ouvidos, as declarações do presidente sobre o conflito na Europa marcaram um ponto de virada em sua imagem no exterior.

    “O conflito [entre Rússia e Ucrânia] foi um grande teste [para o presidente brasileiro] no qual ele mostrou não ter clareza [diplomática]. Tanto que uma das primeiras declarações de Lula foi afirmar que ambos tinham a mesma culpa. Isso é um absurdo, pois coloca o país agredido e o agressor no mesmo patamar. No caso de Israel e Hamas, ele teve um posicionamento semelhante. Isso demonstra suas dificuldades em escolher claramente um lado”, observa Rubens Ricupero, que também foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na Itália.

    Sinais à Rússia prejudicaram a imagem de Lula no Ocidente

    Quando começou seu terceiro mandato, a guerra entre Rússia e Ucrânia já estava em andamento.Pra comemorar um ano, Lula expressou o desejo de mediar o conflito, buscando se destacar como líder internacional. Em suas tentativas, ele mencionou o interesse em estabelecer um tipo de “clube da paz” com outros países para buscar uma solução pacífica para a guerra.

    Entretanto, o brasileiro não tinha um plano do tal clube, conforme revelou em uma entrevista para uma TV chinesa. Ele passou a fazer declarações polêmicas sobre o conflito, relativizando a guerra e chegando a afirmar que a Ucrânia era tão culpada quanto a Rússia. No entanto, a guerra teve início após a ordem de Vladimir Putin para que tropas russas invadissem a Ucrânia.

    “Quando vejo o presidente da Ucrânia na televisão sendo ovacionado em todos os parlamentos, sabe? Ele é tão responsável quanto o Putin. Ele é tão responsável quanto o Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado”, disse Lula à revista Times em maio.

    Para a Ucrânia e outras nações ocidentais, como os Estados Unidos e países europeus, o Brasil vem sendo influenciado pela narrativa russa — seja pela parceria econômica ou pela aproximação ideológica. Durante a cúpula do Novo Pacto Financeiro Global, que ocorreu em junho deste ano na França, os países da América Latina não concordaram em assinar uma declaração conjunta que condenava a Rússia pelos ataques à Ucrânia. O Brasil foi um dos países que não concordou com tal termo no acordo, evidenciando o impasse de Lula com o Ocidente.

    Em meio à disputa de poder entre China e Estados Unidos, as movimentações de Lula em direção a Pequim e Moscou o colocaram em uma posição delicada com Washington. Os Estados Unidos e os países europeus fecharam as portas para uma possível participação de Lula em discussões internacionais. Em algumas de suas afirmações, o brasileiro criticou o apoio desses países à Ucrânia e disse que o G7 (grupo dos sete países democráticos mais desenvolvidos do mundo) eram os responsáveis pelo conflito entre Rússia e Ucrânia.

    “Ele [Lula] tem uma certa confusão no uso dos conceitos. Ele não é motivado por uma visão de defesa intransigente de direitos humanos ou de democracia, por exemplo. Ele faz isso [toma partido sobre as guerras] sempre ligado à ideologia, a partir de uma visão anticapitalista, antiocidental e anti-Estados Unidos”, afirma Ricupero.

    De acordo com analistas ouvidos, a postura de Lula em relação ao conflito na Europa também contribuiu para sua exclusão das negociações da guerra entre Hamas e Israel na Faixa de Gaza. Durante sua presidência no Conselho de Segurança da ONU, o Brasil tentou intermediar uma resolução sobre o conflito, que foi vetada pelos Estados Unidos.

    Por outro lado, o presidente norte-americano Joe Biden e líderes de outros países do Oriente Médio, como Catar e Egito, desempenharam papel central nas negociações do conflito. Os acordos negociados pelos Estados Unidos permitiram a entrada de ajuda humanitária na região, e o Egito abriu sua fronteira para a saída de estrangeiros da Faixa de Gaza. Apesar das tentativas, o Brasil não participou das negociações com esses agentes.

    Lula perdeu para a expansão do bloco Brics

    Mesmo com a aproximação do Brasil com a Rússia e a China, Lula não alcançou destaque no Sul Global. Líderes como Xi Jinping, da China, e Narendra Modi, da Índia, protagonizaram a disputa pela liderança nesse bloco.

    Lula procurava evitar que o Brics, bloco composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, fosse dominado detentores de maior influência.do Sul, permitisse a entrada de mais países, considerando que o Brasil teria mais relevância em um bloco mais restrito.

    “O Brasil não exerce grande influência no grupo. Não somos uma potência econômica e nem uma influência política. Hoje, nos Brics, estamos no mesmo patamar que a África do Sul, e a inclusão de mais países ao grupo pode deixar o Brasil em uma posição ainda mais desconfortável”, mencionou José Augusto de Castro, presidente da Associação do Comércio Exterior do Brasil (AEB), anteriormente.

    Contudo, a China, nação que domina o bloco e desde 2022 busca conferir a ele um caráter antiamericano, trabalhou para ampliar o número de participantes a fim de exercer influência sobre mais países. Esse processo foi acelerado depois que os EUA e a China iniciaram uma guerra comercial em 2018 e quando a Rússia foi isolada por sanções ocidentais em 2022 por invadir a Ucrânia.

    O petista acabou cedendo à influência chinesa nos Brics e não teve força política para evitar a expansão do bloco. Em agosto, o grupo anunciou que mais seis países foram convidados a se juntar: Argentina, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã.

    Contradições afastaram Lula da liderança ambiental  

    Após a frustrada tentativa de intervir em conflitos para obter o status de líder internacional, Lula passou a concentrar-se no discurso ambientalista para além das fronteiras do Brasil a fim de almejar uma posição de liderança no mundo.

    Segundo os especialistas entrevistados, o petista agiu corretamente ao se aproximar o Brasil das discussões ambientais, visto que o país possui os recursos para ser um porta-voz sobre o tema. No entanto, a proximidade com a Rússia já havia comprometido as chances de Lula ser reconhecido pelo Ocidente como uma voz internacional relevante.

    Ademais, à medida que aposta na estratégia de se destacar na área da defesa do meio ambiente, o líder brasileiro se envolve em contradições, especialmente no que diz respeito à exploração de petróleo. Isso ficou evidente nos últimos meses, quando Lula manifestou apoio a um pedido da Petrobras ao Ibama para explorar petróleo na costa próxima à Amazônia, em uma região chamada de Margem Equatorial, que fica no mar a 180 quilômetros da costa do Amapá.

    A área que a petroleira pretende explorar é banhada pela Foz do Rio Amazonas e, por isso, ativistas ambientais têm se posicionado contra a exploração. O Ibama chegou a rejeitar o primeiro pedido da empresa alegando que a Petrobras não havia apresentado garantias suficientes de que conseguiria proteger a fauna da região caso houvesse vazamento de óleo ou outros incidentes.

    Além disso, ambientalistas têm tentado promover a ideia de conter a exploração de combustíveis fósseis. Segundo eles, o uso e exploração desses recursos contribuem para o aquecimento global, emissão de gases que causam o efeito estufa e para a mudança climática — todas as pautas que Lula tem abraçado em discursos nos últimos meses.

    No início de dezembro, o petista investiu fortemente em sua participação na Convenção das Nações Unidas sobre o Clima (COP 28), realizada nos Emirados Árabes Unidos, como o espaço para se lançar como um grande líder das temáticas ambientais. Contudo, o que chamou mesmo a atenção foi o anúncio de que o Brasil ingressaria na Opep+ (Organização dos Países Produtores de Petróleo + aliados), contradizendo, mais uma vez, o discurso ambientalista.

    “Percebe-se que Lula tem sido extremamente contraditório em tudo que ele tem falado. A meu ver, ele não está preocupado com o meio ambiente ou com conflitos internacionais, ele está preocupado com sua imagem”, destaca o cientista político e diretor de Projetos do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais, Marcelo Suano.

    A proximidade de Lula com Rússia e China também teve impacto na sua falta de avanço com o tema. Especialistas apontam que ao estabelecer parcerias com esses países, o petista se distancia ainda mais do Ocidente, onde estão os principais apoiadores e investidores das políticas ambientais no mundo. São eles que também contribuem para o Fundo Amazônia, por exemplo.

    Enquanto Lula lutava para ocupar o papel de líder das questões ambientais, a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, ganhou grande destaque nesse contexto. Ao lado de Emmanuel Macron, presidente da França, um dos principais defensores da causa ambiental, ela se destacou nas discussões sobre o tema ao longo do ano, especialmente na cúpula do Novo Pacto Financeiro Global, que reuniu países europeus, caribenhos e da América Latina no segundo semestre.

    Mottley, inclusive, tem sido cotada para assumir o cargo de António Guterres como secretária-geral das Nações Unidas, que fica vago em 2026. As pautas da primeira-ministra de Barbados vão ao encontro das de Lula, mas o petista não tem o mesmo destaque que Mottley, que não entrou em conflito com o Ocidente.

    Lula não chegou a um acordo com Mercosul 

    Apesar das grandes expectativas do governo e de todo o esforço de Lula para confirmar o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, o petista não conseguiu concretizar esse feito. Entre junho e dezembro, o Brasil assumiu a presidência temporária do bloco sul-americano e fez da conclusão do tratado uma prioridade.

    À frente do Mercosul, Lula discutiu o acordo com diversos líderes europeus, inclusive com Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e afirmou que chegaria a um consenso sobre a ratificação do tratado. Contudo, para que fosse efetivamente concluído, todos os quatro países do Mercosul e os 27 da União Europeia precisariam aprovar os termos acordados. No entanto, o pacto entre os dois blocos nunca foi consensual para os países europeus.

    Na tentativa de reverter essa situação, Lula passou a negociar diretamente com os países que se opuseram ao acordo, especialmente com a França.

    O presidente francês, Emmanuel Macron, não só se posicionou contra como foi responsável pela introdução nas negociações de um novo documento: a side letter que voltou a discutir uma série de termos previstos no texto do acordo, impondo mais exigências de preservação ambiental para os países da América do Sul. A ideia era que o Mercosul cumprisse exigências de preservação ambiental já em vigor na Europa para garantir igualdade de competição entre as empresas privadas.

    Mas nem mesmo a aproximação entre Lula e Macron foi suficiente para fazer o francês mudar de ideia. Nas últimas semanas, o governo passou a adotar uma postura positiva em relação à conclusão do acordo. Na primeira semana de dezembro, o Brasil convidou os países-membros do Mercosul para um encontro no Rio de Janeiro e a expectativa era de que fosse anunciada a conclusão do acordo com a União Europeia no evento.

    No entanto, o anúncio não aconteceu, pois Lula não conseguiu concluir o acordo com o bloco europeu. Segundo a análise de Ricupero, a grande problemática do acordo entre os dois blocos está na União Europeia. “É um acordo difícil de ser estabelecido e a União Europeia dificilmente abrirá mão do seu protecionismo para que seja concluído. Acredito que Lula pode ter articulado bem, mas os europeus ainda não estão dispostos a finalizar este acordo, especialmente a França de Macron”, avalia.

    Lula acertou ao fortalecer política externa brasileira?

    Os analistas Lucas Fernandes e Rubens Ricupero consideram que a estratégia de Lula em priorizar a agenda internacional do Brasil foi uma iniciativa positiva, apesar dos vários equívocos cometidos pelo brasileiro ao longo de sua política externa. “Lula e o PT viam a necessidade de reassumir essa pauta global e, nesse contexto, pode-se dizer que ele obteve sucesso. Lula foi bem recebido por chefes de Estado de várias frentes e participou ativamente de diversas conversas internacionais”, analisa o especialista político da BMJ Lucas Fernandes.

    O analista destaca também que a seleção dos destinos das primeiras viagens internacionais do político, tendo ido inicialmente para a Argentina e depois para o Uruguai, foi uma estratégia de posicionamento. “A ida à Argentina é bastante simbólica, uma vez que o país é um grande parceiro econômico do Brasil e havia uma forte proximidade entre Lula e o presidente Alberto Fernández”, comenta. Já durante a visita ao Uruguai, Lula encontrou-se com Luis Lacalle Pou, presidente de orientação política conservadora e considerado seu adversário na América do Sul.

    Segundo o analista da BMJ, a escolha dos dois primeiros destinos de Lula foi uma maneira de expressar a intenção do político de moldar a imagem do Brasil: como um país articulador e que mantém diálogos com diferentes esferas e políticas. Rubens Ricupero ressalta ainda que o perfil diplomático de Lula é favorável para as discussões internacionais em que o Brasil está envolvido.

    O ex-ministro destaca que o líder precisa abster-se de posturas vinculadas à ideologia petista para alcançar destaque internacional desejado, sem se comprometer com declarações polêmicas. “Não é positivo aderir a essa concepção de mundo do PT, que era muito predominante nos dois primeiros governos de Lula e no governo de Dilma. Refiro-me à ideia de que o Brasil pertence ao Sul Global e busca uma ordem internacional diferente”, afirma.

    De acordo com Ricupero, é essa visão de mundo que prejudica os esforços diplomáticos de Lula e o coloca em uma posição desvantajosa. “Além de não representar a opinião majoritária no país, ela entra em conflito com a tendência da própria economia e com o que as pessoas acreditam que o Brasil deveria ser como sistema econômico”, destaca.

    Lula parece ter admitido implicitamente que sua política internacional falhou. Para o próximo ano, ele declarou que pretende concentrar-se em viagens nacionais e visitar obras pelo Brasil, mas não deve desistir por completo de ocupar um espaço nas discussões globais sobre o meio ambiente.

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