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Regra em branco
O Plenário do Supremo Tribunal Federal começou a analisar na última sexta-feira (3/5) se é passível punir alguém pela posse de arma branca sem autorização, diante da ausência de regulamentação da conduta. O caso tem relevância geral e a sessão virtual se estenderá até a próxima sexta (10/5).
Armas brancas são objetos que podem ser utilizados para ataque ou defesa, ainda que essa não seja sua finalidade principal.
O artigo 19 da Lei das Contravenções Penais (LCP), de 1941, estabelece pena de prisão ou multa para quem “trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença”. Conforme o dispositivo, será sancionado quem não comunicar ou entregar a arma ou munição às autoridades, “quando a lei o determina”.
Inicialmente, a regra era válida para quaisquer armas. Posteriormente, o Estatuto do Desarmamento fixou penas específicas para a posse de armas de fogo. Dessa forma, o artigo da LCP ficou restrito às demais armas.
O caso submetido ao Supremo diz respeito a um homem detido com uma faca de cozinha em frente a uma padaria. O Ministério Público de São Paulo alegou que ele ia frequentemente até o estabelecimento pedir dinheiro e ficava revoltado e agressivo quando não lhe davam.
Após a abordagem da Polícia Militar, o homem foi condenado em primeira instância ao pagamento de 15 dias-multa, com base no artigo 19 da LCP. A Turma Criminal do Colégio Recursal de Marília (SP) manteve a decisão.
A Defensoria Pública de São Paulo, que representa o réu, acionou o STF e apontou a ausência de regulamentação exigida pelo próprio artigo 19 da LCP para sua aplicação. Por isso, argumentou que o homem não poderia ser penalizado pela posse de arma branca.
Voto do relator
Até o momento, apenas o relator, ministro Luiz Edson Fachin, apresentou seu voto. Ele votou por cancelar o tema de relevância geral, após descobrir que o governo federal tem movimentações para regulamentar a posse de arma branca.
No caso concreto, ele reconheceu a impossibilidade de aplicação do artigo 19 da LCP até que haja regulamentação. Por esse motivo, absolveu o recorrente.
Fachin lembrou do inciso XXXIX da Constituição, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Este é o chamado princípio da legalidade.
Na visão do magistrado, “uma norma só pode ser considerada uma lei quando traça com precisão a conduta que quer disciplinar, a fim de que o cidadão possa por ela se orientar”. Conforme ele, “normas genéricas e imprecisas favorecem indesejadas arbitrariedades” do Judiciário.
Para o relator, a redação do artigo 19 da LCP não foi clara e trouxe dúvidas. De acordo com Fachin, o texto do artigo não pode ser concretizado sem a regulamentação, devido à sua “abertura semântica”.
Ele ressaltou que é necessária uma complementação, para definir o conceito de arma, explicar no que consiste a autorização da autoridade e estabelecer a competência para tal autorização.
Segundo o ministro, a redação atual pode remeter ao uso de armas brancas “nas mais diversas finalidades”: desde facas ou outros instrumentos cortantes utilizados na pesca, na caça, na criação de animais e no cultivo de plantas; até um soco inglês, geralmente utilizado para agredir pessoas, mas também carregado por seguranças de casas noturnas.
Em síntese, são “incalculáveis os objetos do cotidiano” que podem ser empregados como armas, “pela potencialidade de atentarem contra a integridade física”.
Enquanto não há definição, é possível apenas “o exame individualizado”.da postura, por meio de elevado grau de subjetividade”. Segundo Fachin, o Poder Público não pode “demandar algo sem que estabeleça as condições para que as demandas sejam atendidas”.
O magistrado ainda ressaltou que a regulamentação da infração penal só pode ser realizada pela União, que, de acordo com a Carta Magna, possui competência exclusiva para legislar sobre Direito Criminal e Processual Criminal.
No ano passado, o Ministério da Justiça e Segurança Pública comunicou ao relator que elaborou uma sugestão de minuta de decreto para disciplinar o artigo 19 da LCP. O documento foi encaminhado para a Casa Civil e está em tramitação desde então.
Considerando essa proposta e o fato de que o STF ainda não analisou o cerne da questão, Fachin propôs desvincular o caso da sistemática da repercussão geral e avaliou apenas o caso específico.
Nos argumentos do ministro, a descrição do MP-SP “não é suficiente para atribuir a acusação contravencional” ao apelante. Conforme ele, ainda que fosse viável afirmar que a faca tinha potencial para ser empregada como instrumento, essa interpretação dos acontecimentos “gera um grau de incerteza talvez arbitrário e excessivo, o que é inadmissível sob os preceitos da legalidade e clareza penal”.
Clique aqui para ver o pronunciamento de Fachin
ARE 901.623
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