terça-feira, 2 julho, 2024
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    Análise crítica da proposta de estabelecimento da prerrogativa ao olvido no Código Civil é rica em obstáculos



    digitalizando o Código

    O relatório apresentado na última semana pela comissão de especialistas encarregada da revisão e modernização do Código Civil traz previsões controversas sobre dois princípios do Direito Digital, que andam juntos e estão associados a conteúdos na web: os direitos ao esquecimento e à desindexação.

    Equipe incumbida de revisar Código Civil sugeriu artigo sobre prerrogativa ao esquecimento na internet

    A prerrogativa ao esquecimento consiste em bloquear a disseminação de informações consideradas irrelevantes ou desatualizadas sobre um indivíduo. Quando aplicado à internet, isso implica remover tais conteúdos de seus sites de origem. Por outro lado, a desindexação visa exclusivamente eliminar dos mecanismos de busca (como o Google) o link que aponta para essas informações.

    Especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico identificaram várias questões problemáticas nas sugestões da comissão para ambos os princípios. Essas questões dizem respeito tanto à pertinência de incorporar tais dispositivos no Código Civil quanto à redação dos artigos propostos.

    Proposta

    O artigo sugerido pela comissão em relação ao direito ao esquecimento estabelece que “a pessoa tem o direito de pleitear a exclusão definitiva de dados ou informações a ela relacionados, que representem afronta aos seus direitos fundamentais ou de personalidade, diretamente no site de origem onde foram publicados”.

    Decisão do STF

    da informação.

    STF decidiu que direito ao esquecimento não é compatível com a Constituição

    O recurso extraordinário em questão foi levado ao Supremo Tribunal Federal pelos irmãos de Aída Curi, vítima de um assassinato de grande repercussão praticado nos anos 1950 no Rio de Janeiro. O crime foi reconstituído no programa televisivo “Linha Direta”, da Rede Globo, sem autorização da família, que buscava reparação.

    O advogado Francisco Brito Cruz, diretor-executivo do centro de pesquisas InternetLab (voltado às áreas de tecnologia e direitos humanos), lembra que o STF não declarou a inconstitucionalidade de uma legislação sobre o direito ao esquecimento — até porque não existe norma do tipo no país, ao menos por enquanto.

    Na realidade, o Supremo interpretou um caso em que a parte autora buscava o reconhecimento desse direito dentro da Constituição. Na prática, não foi proibida uma legislação que trate do tema.

    Já o advogado Rafael Maciel, especializado em Direito Digital, ressalta que, embora a corte tenha definido o direito ao esquecimento como a remoção baseada na passagem do tempo, a maioria dos pedidos relacionados ao tema que chegam à Justiça “não são necessariamente só pelo lapso temporal”.

    Nesses casos, os argumentos são também sobre a finalidade da divulgação das informações, o que aproxima tais situações do conceito de desindexação.

    Codificação

    André Zonaro Giacchetta, advogado sócio da área de tecnologia do escritório Pinheiro Neto Advogados, diz não ter certeza se o Código Civil é o “local adequado” para tratar do direito ao esquecimento.

    “O Código Civil é sempre um conjunto de regras que deve ter a maior perpetuidade possível” e “tem de orientar a sociedade pelo maior tempo possível”. Para temas mais específicos, como esse, ele enxerga a criação de regras próprias como uma melhor opção.

    Giacchetta questiona até mesmo a necessidade de uma regra específica sobre o tema, visto que o STF já fez a ressalva da discussão pontual quanto a eventuais abusos ou excessos nos casos concretos: “É o que os juízes já fazem hoje”.

    Maciel também não se sente seguro em dizer que a inclusão dos direitos ao esquecimento e à desindexação no Código Civil é necessária.

    Conflito

    Para ele, após a decisão do STF, “não há que se falar mais em direito ao esquecimento por lapso temporal”. O advogado vê uma clara incompatibilidade da redação sobre direito ao esquecimento proposta pelo grupo de trabalho com a tese aprovada pelos ministros.

    Isso porque a sugestão traz como requisito para a remoção de conteúdo na origem justamente o “transcurso de lapso temporal razoável”.

    Francisco Cruz tem entendimento semelhante. Na sua visão, o sentido mais amplo da decisão do STF foi o de que ninguém pode editar ou apagar a história. Esse princípio vai de encontro à proposta da comissão de revisão do Código Civil.

    O diretor do InternetLab destaca que o Supremo pode reavaliar o assunto, já que o precedente se baseou em um caso concreto, e não houve análise da constitucionalidade desse dispositivo específico sugerido pela comissão. De qualquer forma, ele acredita que “um choque aconteceria” se isso fosse feito.

    Membros da comissão de atualização do Código Civil durante reunião

    Redação problemática

    “Essas redações, ainda em anteprojeto, estão bastante imaturas”, aponta Maciel. “Elas precisam de uma discussão um pouco mais aprofundada. E justamente percebe-se uma falta de tecnicidade do próprio Direito Digital.”

    Se os requisitos listados no artigo proposto forem entendidos como cumulativos — ou seja, se a ideia é que todos precisam ser preenchidos para a concessão do pedido —, Giacchetta considera que a sugestão está de acordo com a orientação do STF.

    Embora entenda que essa é a única interpretação possível, ele alerta que a redação

    Não fica explícito se os requisitos de fato são cumulativos ou se apenas a presença de um ou alguns deles seria suficiente.

    O critério que sintoniza a proposta com a decisão do Supremo, de acordo com o advogado, é a “existência de abuso de direito no exercício da liberdade de expressão e de informação”. Esse foi exatamente o ponto de exceção feito pela corte, para permitir a avaliação caso a caso.

    O advogado ainda destaca a ideia de proporcionar segurança jurídica ao tema, pois atualmente não há critérios estabelecidos para a exclusão de conteúdo nessas circunstâncias. Isso é particularmente positivo para as plataformas, que conseguem saber antecipadamente se devem ou não removê-lo.

    Por outro lado, ele identifica outra questão no artigo proposto: a previsão relacionada aos dados e informações obtidos de processos que tramitam em sigilo de Justiça. A comissão sugeriu que isso seja tratado como obtenção ilícita, mas Giacchetta lembra que, no Brasil, é comum que acontecimentos de processos em segredo venham à tona.

    Mesmo assim, ele ressalta que a ideia por trás disso é relevante: “Só porque alguém teve acesso a essas informações não significa que elas devam permanecer públicas”.

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