quarta-feira, 3 julho, 2024
spot_img
Mais

    Últimos Posts

    spot_img

    anulação da invenção legal estabelecida pela LC 160/2017



    Visão

    Conforme amplamente sabido, nos últimos momentos de 2023, o Congresso aprovou a Medida Provisória nº 1.185/2023, convertida na Lei nº 14.789/2023, cujos efeitos estão em vigor desde 1º de janeiro de 2024. Dentre as modificações efetuadas, foi anulado o artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, com redação dada pela Lei Complementar nº 160/2017, estabelecendo novas diretrizes [1] para a tributação das subvenções para investimento por IRPJ e CSLL [2], bem como concessão de crédito fiscal.

    A mudança normativa mencionada acima marca o início de um novo capítulo na história sobre a tributação das subvenções para investimento, que é o cenário de debates travados há décadas pelos contribuintes e o fisco [3]. O intuito do presente artigo é evidenciar a inconstitucionalidade formal da Lei nº 14.789/2023, no que tange à anulação da invenção legal contida nos §§ 4º e 5º do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, com redação dada pela Lei Complementar nº 160/2017 [4], pois trata-se de assunto reservado ao legislador complementar.

    Historicamente [5][6], a legislação tributária diferenciou as modalidades de subvenções [7], sendo importante destacar as seguintes categorias: custeio, estabelecendo sua tributação; e investimento, inclusive provenientes de isenção ou redução de impostos, concedidas como incentivo à implementação ou ampliação de empreendimentos econômicos, que não deveriam ser contabilizadas na apuração do lucro real, desde que observados requisitos.

    A Lei Complementar nº 160/2017 incluiu os §§ 4º e 5º no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, instituindo invenção legal ao determinar que os benefícios fiscais de ICMS são considerados subvenções para investimento [8] e proibir a exigência de outros requisitos não previstos no mencionado dispositivo[9], com o objetivo de reduzir litígios [10].

    De acordo com a justificativa do Projeto de Lei Complementar nº 54/2015, que resultou na Lei Complementar n] 160/2017, a referida invenção legal buscou pacificar o contencioso sobre o tema, deixando evidente que os benefícios fiscais de ICMS são subvenções para investimento, quando atendidos determinados requisitos, a fim de evitar que tais valores sejam sujeitos à tributação por IRPJ e CSLL [11].

    Para surpresa geral, a invenção legal instituída pelo legislador complementar foi alvo de veto presidencial, sob a alegação de que tais alterações poderiam gerar distorções tributárias ao equiparar as subvenções para custeio às subvenções para investimento [12]. O Congresso rejeitou tais argumentos, derrubando o veto presidencial, uma vez que houve amplo debate em âmbito legislativo à época.

    Spacca

    A Receita Federal já reconheceu a invenção legal mencionadaNas frases anteriores, considerando que a Lei Complementar nº 160/2017 qualificou todos os benefícios fiscais de ICMS como subsídios para investimento [13]. A postura fazendária foi prontamente modificada, preservando-se o raciocínio de que mencionada ficção jurídica é aplicável nos casos em que exista contrapartida [14].

    Ficção jurídica

    No Assunto Repetitivo 1.182, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a ficção jurídica criada pelo legislador complementar, permitindo a exclusão dos benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, quando cumpridos os requisitos previstos no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 com redação pela Lei Complementar nº 160/2017, exceto no que diz respeito aos créditos presumidos do imposto estadual, os quais, nessa interpretação, não possuem requisitos ou condições para a isenção dos mencionados tributos federais.

    A interpretação teleológica, portanto, permite concluir que a Lei Complementar nº 160/2017 exerceu a competência concedida pelos incisos I e II do artigo 146 da Constituição em relação à inclusão dos §§ 4º e 5º no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014.

    Isso ocorre porque, ao igualar os benefícios fiscais de ICMS às subvenções para investimento, quando cumpridos os requisitos previstos no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, com a redação dada pela Lei Complementar nº 160/2017, o legislador complementar pretendia: encerrar conflitos de competência representados pela guerra fiscal vertical, travada entre a União e os estados e o Distrito Federal, sobre a incidência de IRPJ e CSLL sobre os subsídios fiscais; e estabelecer os limites da imunidade recíproca, autorizando a dedução dos valores relativos aos benefícios fiscais de ICMS na apuração do lucro real, sob condições específicas.

    O professor Scaff, portanto, é enfático ao reconhecer que a Lei Complementar nº 160/2017 buscou pacificar a guerra fiscal vertical entre os estados e o Distrito Federal e a União ao instituir a ficção jurídica que equiparou duas categorias de subsídios econômicos [15], sendo eles custo e investimento.

    Por sua vez, Malpighi conclui que a Lei Complementar nº 160/2017 estabeleceu os limites da imunidade recíproca, ao modificar o artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, na medida em que afastou a incidência de IRPJ e CSLL sobre todos os benefícios fiscais de ICMS, eliminando a distinção entre subvenção para investimento e custo [16].

    Dessa forma, trata-se de lei materialmente complementar, ou seja, a Lei Complementar nº 160/2017 não abordou assuntos que poderiam ser regulamentados por lei ordinária. É isso que se aguarda da decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.551, cuja medida liminar ainda não foi analisada, uma vez que não se discute a inconstitucionalidade formal da revogação do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.604.

    Diante disso, em respeito à competência constitucionalmente concedida ao legislador complementar, a Lei nº 14.789/2023 não poderia ter revogado a ficção jurídica contida nos §§ 4º e 5º do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, com redação dada pela Lei Complementar nº 160/2017. Por isso, as novas regras de subsídios para investimento são formalmente inconstitucionais em relação ao IRPJ e à CSLL.

     

    [1] SCAFF, Fernando Facury. Subsídios para investimento recebem tratamento surreal na Lei 14.789/23 (conjur.com.br).

    [2] Independentemente de fugir do escopo limitado deste texto, é importante ressaltar que também houve revogação dos dispositivos.que determinavam a não imposição de PIS e Cofins sobre as subvenções para investimento, inclusive por meio de isenção e redução de tributos concedidas como estímulo à instalação ou ampliação de negócios econômicos.

    [3] HOLANDA, Rodrigo Schwartz. A MP n. 1.885/2023 e a longa história do contribuinte brasileiro na taxação do IRPJ/CSLL sobre as subvenções de ICMS: a União reage. In: Revista de Direito Contábil Fiscal. Volume 5. Edição 10. São Paulo: MP Editora, 2023. Associação Paulista de Estudos Tributários.

    [4] Os outros aspectos polêmicos da Lei n. 14.789/2023 não serão discutidos neste texto devido a sua abrangência limitada.

    [5] PEDREIRA, Bulhões. Tributação sobre a Receita – Pessoas Jurídicas. Volume II. Rio de Janeiro: Justec-Editora, 1979. P. 685.

    [6] SCHOUERI, Luís Eduardo. GALENDI JÚNIOR, Ricardo André. A categorização das subvenções: origens históricas de uma questão contemporânea. In: Subvenções fiscais: considerações jurídico-tributárias e contábeis. 1ª Ed. São Paulo: MP Editora, 2023.

    [7] A Lei n. 4.320/1964 (arts. 12, 13 e 18) e o Decreto n. 93.872/1986 (arts. 58 a 66) categorizaram as subvenções como sociais ou econômicas. A Lei n. 4.506/1964 (art. 44, IV) determinou que as subvenções para despesas integram a receita bruta. A Lei n. 6.404/1976 (art. 182) indicava a classificação das subvenções para investimento como reserva de capital. O texto original do Decreto-Lei n. 1.598/2977 (art. 38, §2º) estipulou que as subvenções para investimento, inclusive por meio de isenção ou redução de tributos concedidas como estímulo à instalação ou ampliação de negócios econômicos, e as doações feitas pelo Poder Público, não deveriam ser calculadas no lucro real, desde que houvesse registro como reserva de capital, a qual só poderia ser utilizada para absorver prejuízos ou incorporação ao capital social. A Lei n. 11.638/2007 incluiu o art. 195-A na Lei n. 6.404/1976, passando a exigir a passagem das subvenções para investimento e doações pelo resultado do período e o registro em reserva de incentivos fiscais. A Lei n. 11.941/2009 (art. 18), que instituiu o Regime Tributário de Transição (RTT), tratou de forma semelhante. O art. 30 da Lei n. 12.973/2014 fixou que as subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de tributos, concedidas como estímulo à instalação ou ampliação de negócios econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão consideradas na determinação do lucro real, desde que seja registrado em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei n. 6.404/1976, a qual só poderia ser usada para aumento do capital social e absorção de prejuízos, desde que já tenham sido totalmente absorvidas as demais reservas de lucros, exceto a reserva legal. As mudanças posteriores serão abordadas no texto.

    [8] PINTO, Alexandro Evaristo. Os vaivéns da contabilização e tributação das subvenções. In: Subvenções fiscais: considerações jurídico-tributárias e contábeis. 1ª Ed. 2023. São Paulo: MP, 2023. P. 48/49.

    [9] LEÃO, Martha. ALHO NETO, João. Subsídio para investimento: a análise do art. 30, §4º, da lei n. 12.973/2014, incluído pela lei complementar n. 160/2017. In: Subvenções fiscais: considerações jurídico-tributárias e contábeis. 1ª Ed. São Paulo:MP, 2023. Página 626/632.

    [10] BEVILAQUA, Lucas. CECCONELLO, Vanessa Marini. Estímulos Fiscais de ICMS e Subsídios para Investimento: Abordagem após a Edição da Lei Complementar nº 160/2017. Em: Revista de Direito Tributário Atual número 41. Páginas 255/261.

    [11] A mencionada justificativa assim definiu: “os estímulos e vantagens fiscais de ICMS recebidos pelas pessoas jurídicas, desde que esses montantes sejam mantidos em conta de reserva no Patrimônio Líquido, são subsídios para investimentos, sobre eles não incidindo, por conseguinte, IRPJ e CSLL. Impede-se, com isso, que a Secretaria da Receita Federal do Brasil continue a autuar as empresas beneficiárias de estímulos do ICMS com base em interpretações jurídicas equivocadas, reforçando a segurança jurídica e garantindo a viabilidade econômica dos empreendimentos realizados”.

    [12] Os motivos do mencionado veto presidencial estabeleceram que: “Os dispositivos violam o disposto no artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), incluído pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016 (‘Novo Regime Fiscal’), por não apresentarem o impacto orçamentário e financeiro decorrente da renúncia fiscal. Ademais, no mérito, causam distorções tributárias, ao equiparar as subvenções meramente para custeio às para investimento, desfigurando seu intento inicial, de elevar o investimento econômico, além de representar significativo impacto na arrecadação tributária federal. Por fim, poderia ocorrer resultado inverso ao pretendido pelo projeto, agravando e estimulando a chamada ‘guerra fiscal’ entre os Estados, ao invés de mitigá-la.”

    [13] Parecer de Consulta Cosit n. 11, de 11 de março de 2020.

    [14] Parecer de Consulta Cosit n. 145, de 15 de dezembro de 2020.

    [15]SCAFF, Fernando Facury. Tributação dos subsídios, pacto federativo e guerra fiscal vertical (conjur.com.br).

    [16] MALPIGHI, Caio Cezar Soares. A Lei Complementar n. 160, de 2017, como Norma Regulamentadora da Imunidade Recíproca sobre o Aproveitamento de Benefícios Fiscais Estaduais. In: Revista de Direito Tributário Atual número 41. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Página 129.

    spot_img

    Últimas Postagens

    spot_img

    Não perca

    Brasília
    céu limpo
    15.5 ° C
    15.5 °
    13.1 °
    67 %
    0.5kmh
    0 %
    qua
    26 °
    qui
    28 °
    sex
    27 °
    sáb
    28 °
    dom
    20 °

    18.226.94.24
    Você não pode copiar o conteúdo desta página!