quarta-feira, 3 julho, 2024
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    Lula desacreditou e atacou Bolsonaro em 90% das transmissões ao vivo

    Durante as 22 transmissões que ocorreram ao longo do segundo semestre de 2023, em companhia do jornalista Marcos Uchôa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adotou a estratégia de ataque e desmerecimento ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como uma de suas principais táticas. A comparação entre seu mandato e o anterior, qualificado por ele como um “período de ódio, autoritarismo, mentira e destruição da máquina pública brasileira”, foi empregada em 91% dos programas “Diálogo com o Presidente”.

    Os dados foram compilados pela Gazeta do Povo com o auxílio da ferramenta Pinpoint, do Google, e levaram em consideração uma variedade de termos para identificar a comparação com a gestão anterior, visto que o presidente e seus convidados utilizaram diversas expressões para se referir a ela, como “governo do ódio”, “fascistas”, “período de mentiras”, “aloprados” e outras referências pejorativas (as transcrições estão disponíveis neste link para o Pinpoint).

    Somente em duas transmissões oficiais, em 22 de agosto e 14 de novembro, o presidente, o apresentador e seus convidados não recorreram a comparações com o governo Bolsonaro. No entanto, não deixaram de transmitir mensagens indiretas, como por exemplo, ao afirmar que era hora de devolver o sorriso ao brasileiro, em alusão ao suposto “sofrimento” do povo durante a administração anterior.

    O programa “Diálogo com o Presidente” teve vida breve e baixa audiência. Foi realizado semanalmente entre 13 de junho e 19 de dezembro de 2023, com uma média de 85 mil visualizações no canal do presidente Lula no Youtube, sendo que a primeira transmissão obteve o maior número de visualizações, com 192 mil, e a de 14 de novembro a menor, com 46 mil. A média de espectadores ao vivo das 22 transmissões foi de 5,8 mil pessoas por live, conforme levantamento do jornal O Globo. O apresentador Marcos Uchôa foi dispensado da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), responsável pela produção do programa, em fevereiro.

    Com a queda de popularidade, o governo tem buscado outras formas de aprimorar sua comunicação com os eleitores. Uma das medidas adotadas foi a contratação de quatro empresas de comunicação para atender às demandas da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom). Os contratos, com foco no “combate às notícias falsas”, somam R$ 197.753.736 e têm duração de um ano.

    A estratégia de apostar no antagonismo com Bolsonaro, no entanto, continua em 2024. Como exemplo recente, no início de abril, durante um evento em Niterói, Lula afirmou que assumiu o governo “desestruturado” e que a “mentira deslavada” tinha dominado as políticas públicas na gestão anterior. Esta semana, ele disse aos jornalistas que a manifestação convocada por Jair Bolsonaro, que levou milhares de pessoas à praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, no domingo (21), não o preocupava, pois eram “atos fascistas”.

    Ódio x amor

    Um dos argumentos recorrentes de Lula ao longo dos programas é que sua gestão atual não apenas “deixou para trás o ódio”, atribuído a Bolsonaro e seus apoiadores, mas também teve que “reconstruir o Brasil”, em linha com o slogan de seu governo “União e Reconstrução”. No entanto, não raramente, Lula oscila em relação ao discurso de reconciliação que promove em suas transmissões.

    Na transmissão oficial do dia 31 de agosto, por exemplo, Lula declarou que “o país do ódio, o país do horror, o país da mentira acabou, e de fato acabou porque o povo brasileiro deseja que acabe. Apenas alguns desejam que continue, mas irão se frustrar”.Já no episódio do dia 8 de agosto, o líder afirmou que “a aversão nós já vencemos, o fascismo nós já vencemos, agora é necessário vencer as marcas do fascismo que foi derrotado no golpe do dia 8 de janeiro”.

    O mesmo estilo foi notado em diferentes discursos do presidente, por vezes até mais incisivo. Em fevereiro de 2023, durante o evento para comemorar o 43º aniversário do PT, Lula afirmou que “teremos que dedicar um tempo para realizar um processo de purificação, e fazer com que aquelas pessoas que propagam o ódio, aquelas que vivem insultando as pessoas na rua, ofendendo, que essas pessoas sejam afastadas da sociedade brasileira”. Lula frequentemente menciona Bolsonaro e seus seguidores como “disseminadores de ódio”.

    Referências indiretas, falsidades e desinformação

    Não sempre as comparações feitas por Lula e seus convidados ao longo de suas transmissões ao vivo oficiais mencionam diretamente o governo Bolsonaro, recorrendo a uma ampla variedade de termos. As referências temporais, tais como “governo anterior”, “governo passado”, “ano passado”, que mencionam diretamente o nome de Bolsonaro e termos como ex-presidente, foram utilizadas em 14 das 22 transmissões, ou seja, 63%.

    Lula também utiliza uma vasta gama de palavras como “oponente”, “cidadão”, “a coisa” e “indivíduo negacionista” para se referir ao ex-presidente, cujo grupo de governo e aliados também foram chamados de um “grupo de desequilibrados” e de “fascistas” em 12 programas, ou 54% do total.

    A gestão Bolsonaro também é denominada como um período de “falsidade”, “desinformação” em 7 transmissões oficiais, 31%. No dia 31 de outubro, por exemplo, ao celebrar um ano de sua eleição, Lula afirmou que no ano de 2022, o Brasil teve o maior número de mentiras contadas, desde a época do Descobrimento.

    “Acredito que nunca se mentiu tanto, porque o nosso opositor, ele narrava mentira por segundo, ele fazia questão de acordar mentindo e deitar mentindo, ele fazia questão de inventar coisas para contar para o povo, ele fazia questão de inventar remédio para quem estava doente com o Covid, ele fazia questão de inventar mentira sobre economia. Ou seja, fazia parte do DNA dele a quantidade de mentiras que era contada por dia na sociedade, com a fábrica de produzir mentira que até então a gente não tinha conhecimento”, afirmou Lula naquela ocasião.

    Por outro lado, verbos como “restabelecer”, “recuperar”, “reaver”, “reconstruir” e “recriar” são utilizados para indicar o que Lula classifica como uma ação “reparadora” da gestão petista, diante do “desmantelamento” supostamente realizado na gestão anterior em 12 das 22 transmissões oficiais, 54%.

    Em duas transmissões, o presidente se vale de bandeiras sabidamente defendidas por Bolsonaro para fazer suas comparações, seja quando critica a liberação da compra de armas, seja quando critica a “eliminação” do Ministério da Cultura – que durante a gestão anterior foi transformado em Secretaria Especial da Cultura. O atual líder também fez menção “à grosseria de um governo que desrespeitava o desmatamento”, em referência ao governo do ex-presidente.

    Manutenção da estratégia de deslegitimação

    O assessor independente e sociólogo Antônio Flávio Testa, afirma que a tática de desqualificar o oponente não é novidade, tendo sido utilizada por marqueteiros do PT, como Duda Mendonça e João Santana, para construir a imagem do presidente em períodos eleitorais e durante seus mandatos anteriores. Atualmente, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência de República (Secom), sob o comando do ministro Paulo Pimenta (PT), é a responsável pela estruturação dessa estratégia.

    A ideia é que, ao longo do tempo, a reiteração da mensagem negativa sobre o opositor convença o público dos pontos expostos, mesmo que não sejam corroborados por dados e outras informações. Um ponto negativo é que esse tipo de discurso acaba não conseguindodemonstrar as conquistas do próprio governo.

    Apesar dessas fragilidades, segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a estratégia tende a ser mantida, com a proximidade das eleições municipais deste ano. Os alvos são os usuários das redes sociais, onde esse tipo de mensagem de ataque aos opositores encontra seu maior alcance.

    Participação nas redes sociais

    O repórter e coordenador do Master em Jornalismo de Dados, Automação e Data Storytelling do Insper, Pedro Burgos, afirma que diversos estudos já confirmaram que a dinâmica das redes favorece a polarização dos discursos. Em geral, as postagens mais comentadas, curtidas e compartilhadas são aquelas que atacam um grupo considerado adversário. Ou seja, críticas e ataques têm mais impacto do que elogiar a si mesmo ou mostrar as próprias realizações positivas.

    Um exemplo é o estudo “Animosidade contra grupo opositor impulsiona engajamento nas redes sociais“, organizado pelos pesquisadores Steve Rathje e Sander van der Linden, do Instituto de Psicologia da Universidade de Cambridge, e Jay J. Van Bavel, do Centro de Ciências Neurais da Universidade de Nova York. Publicado pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS, publicação renomada vinculada à Academia Nacional de Ciências dos EUA), a pesquisa demonstra que “publicações sobre adversários políticos têm uma probabilidade consideravelmente maior de serem compartilhadas nas redes sociais” e que esse efeito é muito mais forte do que o de outras estratégias utilizadas nas redes sociais, como a linguagem emocional.

    Burgos explica que as transmissões ao vivo foram criadas para que, além de serem transmitidas ao vivo e distribuídas na íntegra nas redes sociais, cortes e trechos mais curtos, muitas vezes destacando esses ataques, sejam facilmente disseminados e possam se tornar virais, gerando um grande número de visualizações e curtidas.

    No caso das transmissões ao vivo oficiais de Lula, o especialista avalia que, muito provavelmente, a principal função tenha sido a de produzir esses cortes e clipes para circular e gerar altos índices de engajamento em plataformas como TikTok e Instagram.

    Dentro dessa lógica, desacreditar Bolsonaro e seu governo é uma estratégia que causaria maior repercussão para o presidente Lula. No entanto, nem sempre essa estratégia é eficaz, conforme avalia o cientista político Antônio Testa. A falta de dados e de fatos concretos demonstrariam que as teses do governo são vazias, o que tenderia a reforçar e fortalecer a popularidade de Bolsonaro. A hipótese talvez explique os baixos índices de participação nas transmissões ao vivo oficiais de Lula – fato considerado como uma das possíveis razões para a suspensão do programa.

    De olho nas eleições

    O analista político e consultor da Malta Advogados, Luiz Filipe Freitas, afirma que esse tipo de ataque não é novo na política, principalmente no que diz respeito ao PT, mas que estamos vivendo o momento mais polarizado da história, pelo menos desde a redemocratização. Ele também responsabiliza as redes sociais e seus algoritmos, que tendem a entregar publicações que reforçam determinados pontos de vista, ao invés de trazer perspectivas diversificadas.

    Freitas afirma que houve um acirramento a partir das eleições de 2014, quando Dilma Rousseff (PT) foi reeleita por pequena margem. Por um lado, existe o discurso de seguir um caminho de maior tolerância, mas na prática o que se observa é um constante movimento para enfraquecer os adversários políticos, incluindo ataques aos apoiadores de Bolsonaro, com o objetivo de obter espaços nas eleições municipais deste ano.

    Mas não é somente o PT que utiliza essa estratégia. Freitasafirma que Bolsonaro igualmente recorreu a esse tipo de linguagem. Ele menciona, contudo, que existem distinções entre os dois nesse aspecto. De acordo com o comentarista, Lula estaria inclinado a abaixar a guarda e aceitar uma trégua de apoiadores do antigo presidente. No começo de fevereiro, as reuniões entre o presidente e os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freias (Republicanos), Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), todos ligados ao ex-presidente, sinalizariam essa estratégia.

    A intenção seria conversar nos bastidores, enquanto mantém um discurso contundente para o público – usual em períodos eleitorais. Como a maior parte da população não presencia ou não compreende esse tipo de acordo, justamente por causa da polarização, os eventos com Tarcísio, Zema e Caiado, podem suscitar um sentimento de estranheza no eleitor comum. “Para Lula podemos dizer que eleição é eleição, amigos à parte”.

    Dessa forma, ele considera que o atual presidente não terá “escrúpulos” em prosseguir com sua linha de discursos provocativos, ao mesmo tempo em que negocia com opositores.

    Por outro lado, ele não enxerga em Bolsonaro a mesma predisposição para esses acordos de bastidores.

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