sexta-feira, 5 julho, 2024
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    Milícia e tráfico de drogas trocam práticas e sofisticam delitos

    Os incidentes de ataques a ônibus e trens na Zona Oeste do Rio no último dia 23 revelaram um dos aspectos mais violentos das organizações criminosas do Brasil: a estratégia de aterrorizar a população. Ações ilícitas desse tipo são ordenadas por líderes do comércio ilegal há anos, porém são menos frequentes vindo das milícias. Quatro décadas após seu estabelecimento, grupos de policiais, bombeiros, vigilantes, agentes penitenciários e militares, tanto ativos quanto aposentados, tornaram-se semelhantes às quadrilhas de traficantes de entorpecentes.

    Neste contexto altamente desorganizado e praticamente incontrolável, a notável estruturação dessas facções armadas é impressionante. Elas evidenciam uma divisão de trabalho eficiente, uma gestão qualificada e um controle interno rigoroso, o que permite que essas organizações assumam o completo domínio de áreas carentes. Para alcançar esse objetivo principal, elas instilam o medo na população até mesmo por meio de tribunais informais que julgam comportamentos de acordo com a própria interpretação de “lei e ordem”.

    A completa ausência do poder público nessas concentrações urbanas controladas pelos milicianos ou pelo tráfico de drogas encoraja a audácia de atividades ilícitas, que parecem desconhecer quaisquer limites. Exemplo disso é o modelo de franquias estabelecido pelas maiores organizações criminosas do Brasil – Primeiro Comando da Capital (PCC), Amigo dos Amigos, Comando Vermelho (CV) e Terceiro Comando Puro (TCP). Suas “marcas” foram adotadas por facções de áreas próximas e já alcançaram outros Estados.

    Atividades criminosas variam de serviços de televisão por assinatura a criptomoedas

    Essa expansão de empreendimentos ilícitos por meio da transferência de conhecimento, do acesso a canais de fornecimento e da utilização autorizada de marcas associadas ao terror, é feita por meio de manuais de procedimento e do pagamento de “royalties”.

    Além da venda de narcóticos e “proteção”, os braços das organizações e seus franqueados se baseiam em dominação territorial e abrangem diversos tipos de comércios ilegais e serviços clandestinos, desde TV por assinatura até botijões de gás de cozinha e o fornecimento de água encanada pela empresa estatal.

    De acordo com especialistas entrevistados, essa combinação de áreas dominadas por indivíduos armados, atividades terceirizadas relacionadas a atividades ilícitas – como transporte em motocicletas, venda de refeições, mineração de areia e saibro – e lavagem de dinheiro caracteriza um arranjo social, econômico e cultural que desafia o Estado. Eles afirmam que combater essa situação requer mais do que força bruta, mas também a recuperação de serviços públicos de qualidade em áreas dominadas e a promoção dos princípios da sociedade.

    “Estamos preocupados com as imagens de facções armadas circulando livremente pelas comunidades carentes do Rio, realizando treinamentos táticos com armas e seus membros alinhados recebendo instruções semelhantes às de grupos militares”, disse Rogério Greco, secretário de segurança pública de Minas Gerais e professor nas áreas de segurança e direito penal. Ele também destaca a paisagem constrangedora e comum de áreas dominadas pelo crime cobertas por fiações elétricas irregulares, conhecidas como “gatos”.

    Greco vê uma imposição clara das vontades de líderes criminosos sobre a população, sem qualquer controle legal, o que também requer um combate a nível cultural. “Infelizmente, os bandidos se utilizam do discurso de violência policial para se proteger e expandir suas atividades”, afirmou. Ele teme que o país em breve enfrente situações de poder extremo do crime, assim como aconteceu com a cidade de Medelín, na Colômbia, que foi conhecida como a cidade mais perigosa do mundo nos anos 80 devido à luta entre cartéis de drogas.

    Para combater essa situação, é necessário um esforço conjunto do governo, das forças de segurança e da sociedade como um todo.

    Enquanto isso, florescem negócios sob a influência de traficantes e milicianos imobiliárias, corretoras de criptomoedas, financiamento da formação de defensores do crime em faculdades e até mesmo clínicas de podologia. Greco lamenta que essa situação esteja indicando exatamente o oposto do desejado, agravado pela inoperância e falta de planejamento do Ministério da Justiça e por medidas adotadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que impedem os policiais de desempenharem sua missão nesses locais.

    “O ativismo judicial está tornando o Brasil menos seguro. Ao afirmar suposto direito dos criminosos de não serem perturbados em suas atividades ilícitas, o STF condena comunidades inteiras a viverem sob o domínio de traficantes, e acaba se tornando, em última análise, o verdadeiro adversário do cidadão honesto e trabalhador, que paga impostos para que o Estado garanta sua segurança pública em vez de expô-lo à violência”, observou o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS). Para o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o Rio está resgatando a complacência do Estado que levou ao fortalecimento do tráfico em comunidades nos anos 1980.

    Os recentes eventos violentos no Rio de Janeiro e o clima de terror instalado revelam o desconforto causado pela presença dominante do crime na cidade, com liberdade de atuação até mesmo dentro das prisões. Diogo Costa, presidente do think tank Instituto Millenium, destacou o fato de os líderes de facções conseguirem realizar videoconferências de alta velocidade e bateria garantida dentro das prisões, para determinar a execução de outros criminosos. “Se as organizações criminosas desfrutam dessa tranquilidade mesmo dentro das prisões, onde a força do Estado deveria prevalecer, as esperanças ficam realmente muito baixas”, afirmou.

    Como exemplo do terror, população é utilizada como escudo humano

    De acordo com o coronel aposentado Fernando Montenegro, que foi comandante das tropas de ocupação do Complexo do Alemão e autor do livro “Kid Preto” (Ed. Ubook), os grupos armados que atuam em comunidades carentes do país apresentam características semelhantes aos terroristas em áreas ocupadas, que usam a população como proteção. “Sua violência local é altamente organizada, não governamental e dispersa. Não se limita apenas a ações violentas, mas também envolve coerção e cooptação de pessoas, incluindo políticos e formadores de opinião”, explicou.

    O medo impede que os moradores denunciem os criminosos, o que fortalece o controle territorial e se tornou uma das principais características dos grupos armados no Rio de Janeiro ao longo da história. Montenegro acrescenta que essa realidade se tornou “um fator crucial não apenas para a segurança, mas também para políticas públicas como transporte, habitação, educação e cultura”.

    O analista apontou que o domínio do crime em áreas densamente povoadas e carentes apresenta desafios cada vez mais complexos para o Estado. Ao longo dos anos, houve um processo de “híbrido”, com as milícias incorporando a violência brutal do tráfico e, inversamente, traficantes adotando práticas de governança territorial ensinadas pelas milícias. “Além disso, as organizações criminosas travam guerras narrativas e manipulam informações para obter vantagens”, disse Montenegro.

    O jornalista britânico Tom Wainwright, em seu livro Narconomics – Como Administrar um Cartel de Drogas (2016), compara a sofisticação empresarial do tráfico de drogas internacional com grandes empresas multinacionais legais, como Wal-Mart, McDonald’s e Coca-Cola. Ele sugere que as forças de mercado exercem uma influência muito mais poderosa do que as políticas governamentais e propõe que as estratégias de combate ao comércio ilegal de drogas monitorem as variações na oferta e na demanda.

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