terça-feira, 2 julho, 2024
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    O ‘direito ao olvido’ atualmente não foi (e nem deve) ser esquecido



    Liberdades Essenciais

    O assim denominado “direito ao esquecimento” já há bastante tempo (praticamente dez anos) tem ocupado o espaço de algumas das colunas do autor veiculadas pela revista eletrônica Consultor Jurídico, abordando desde aspectos históricos, terminológicos e conceituais, conteúdo e limites, assim como referências e comentários à jurisprudência brasileira, estrangeira e internacional [1], sem prejuízo de ponderações críticas endereçadas à decisão majoritária do STF em sede de Repercussão Geral (RE nº 1.010.606, Tema 786), da relatoria do ministro Dias Toffoli, proferida em 11/2/2021 [2], que, supostamente (dada a controvérsia acerca do julgado e importantes diferenças registradas pelos julgadores e seus votos) teria banido a possibilidade do reconhecimento de um “direito ao esquecimento” na ordem jurídico-constitucional brasileira.

    Também em outra oportunidade, neste mesmo espaço, lançamos a indagação sobre as possibilidades de um presente e um futuro para o “direito ao esquecimento” (terminologia propositalmente entre aspas, pois somos cientes das corretas críticas quanto à precisão/adequação da designação), de tal forma que, considerando a retomada da discussão sobre o tema (que, na esfera acadêmica, de qualquer maneira, embora talvez com menos intensidade e ânimo, seguia acesa) em nível legislativo, dada a proposta de inserção de tal direito no Código Civil, no âmbito das discussões sobre sua atualização e reforma atualmente em curso.

    De acordo com a proposta, que, aliás, foi objeto de matéria publicada na ConJur no dia 8/3 p.p., trata-se, na verdade, de mais de uma modificação/inserção que, embora diferenciadas, guardam direta relação com o que passou a ser conhecido, em sentido amplo, como um “direito ao esquecimento”.

    Conforme o relatório apresentado pelos relatores-gerais da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil em 26/2/2024 (sétima reunião) [3], no primeiro artigo do Capítulo II, que trata Da Pessoa no Ambiente Digital, foi prevista a possibilidade de os indivíduos requererem a exclusão de dados pessoais e de dados pessoais sensíveis expostos sem finalidade justificada, nos termos da lei, seguindo-se, nos §§ 1º e 2º, uma relação (não exauriente) de dados suscetíveis de exclusão e de uma lista de fatores impeditivos do exercício do referido direito à exclusão, que aqui não serão desenvolvidos.

    No  artigo subsequente, que tem sido considerado como a expressão de um “direito ao esquecimento”, consta que “Art. X. A pessoa pode requerer a exclusão permanente de dados ou de informações a ela referentes, que representem lesão aos seus direitos fundamentais ou de personalidade, diretamente no site de origem em que foi publicado”.

    Já no parágrafo único do citado artigo, consta uma série de requisitos para a concessão do pedido, designadamente,

    “I- a demonstração de transcurso de lapso temporal razoável da publicação da informação verídica; II – a ausência de interesse público ou histórico relativo à pessoa ou aos fatos correlatos; III – a demonstração de que a manutenção da informação em sua fonte poderá gerar significativo potencial de dano à pessoa ou a seus representantes; IV – demonstração de que a manutenção da informação em sua fonte, poderá gerar significativo potencial de dano ao indivíduo ou a seus representantes legítimos e nenhum benefício para quem quer que seja; V- a presença de abuso de direito no exercício da liberdade de expressão e de informação; VI – a concessão de autorização judicial”.

    Para além de outras disposições sobrea temática, que, considerando o escopo do presente escrito, não é o caso de mencionar, o que chama a atenção – novamente pela direta relação com o assim denominado “direito ao olvido” – é o fato de que nos termos de outro artigo, “Ao indivíduo é possível solicitar a aplicação do direito à desindexação, que consiste na remoção do link que direciona a busca para informações impróprias, não mais pertinentes, abusivas ou excessivamente prejudiciais ao solicitante e que não possuem (utilidade?) ou finalidade para a exposição, de motores de busca, websites ou plataformas digitais, permanecendo o conteúdo no site de origem”.

    Já de acordo com o parágrafo único, “são hipóteses de exclusão de conteúdo, entre outras, as que envolvem a exposição de: I – imagens pessoais explícitas ou íntimas; II – a pornografia falsa involuntária envolvendo o usuário; III – informações de identificação pessoal dos resultados da pesquisa;   IV – conteúdo que envolva imagens de crianças e de adolescentes”.

    Além disso – embora com isso não se esgotem as inovações propostas – há previsão de que “Art. Os motores de busca deverão estabelecer procedimentos claros e acessíveis para que os usuários possam requerer a exclusão de seus dados pessoais ou daqueles que estão sob sua autoridade parental, tutela ou curatela”.

    Retomada do debate

    Sendo aqui – considerado o espaço disponível – comentar, ainda que de modo muito superficial, todas as inserções propostas e acima (não exaurientemente) colacionadas, o que nos move nesse momento – sem prejuízo de posteriores desenvolvimentos — é algo muito singelo, mas que, também no nosso caso, parece oportuno revisitar e reenfatizar, é que, mesmo que, ao fim e ao cabo, nada do que acima foi reproduzido venha a ser incorporado ao Código Civil, a temática do direito ao olvido, com ou sem decisão do STF refutando a sua compatibilidade com a ordem constitucional brasileira, voltou a agitar a cena política, social, econômica e jurídica brasileira.

    Isso, por sua vez, mostra que tinham razão os que, quando do polêmico julgamento de fevereiro de 2021 da nossa Suprema Corte (e é também o nosso caso), vaticinaram que o tema ainda estava, na ocasião, longe de ser remetido e confinado ao “baú do esquecimento”, ainda seria objeto de retomada, podendo, inclusive, levar a novos desdobramentos até mesmo no âmbito da jurisprudência do STF, e não apenas em virtude da mudança de composição da corte desde então.

    Spacca

    Por tal razão, é que nos permitimos transcrever aqui extratos da coluna publicada em 5/3/2021, que, no nosso sentir, seguem atuais, em especial aqui para o efeito de chamar a atenção para o fato de que o STF, nada obstante o enunciado vinculante resultante do julgamento, de fato não fechou as portas para o que se convencionou (bem ou mal) chamar de “direito ao esquecimento”.

    “(…) Focando a questão da existência de um direito ao esquecimento na ordem jurídico-constitucional há que, de antemão, lembrar que uma série de possibilidades de efetivar o que apenas de uns tempos para cá passou a se designar como sendo um direito ao esquecimento já de há muito se faziam e seguem presentes, em pleno vigor, no ordenamento pátrio, de tal sorte que, usar ou não o novo rótulo não faz, de fato, ao menos para esses casos, efetiva diferença. Bastaria aqui, para dar conta disso, invocar alguns exemplos:

    O art. 748 do Código de Processo Penal, estabelece que ‘a condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal’, o que também está substancialmente previsto no artigo 202 da Lei de Execuções Penais.

    No mesmo sentido – embora não apenas no que diz respeito a atos infracionais – o assim chamado Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069, de 13.07.1990) contempla regras que podem ser utilizadasno reconhecimento de um privilégio ao esquecimento, promovendo a defesa da honra e direitos de personalidade das crianças (até 12 anos incompletos de idade) e adolescentes (12-18 anos). Dessa forma, além da disposição do artigo 18 na perspectiva de que crianças e adolescentes não devem ser submetidos a nenhum tipo de tratamento cruel, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor, o artigo 143 proíbe ‘a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a quem se atribua autoria de ato infracional’. Adiciona-se a isso que conforme o parágrafo único do mesmo artigo nenhum relatório sobre o fato poderá identificar a criança ou o adolescente, proibindo fotografias, menções ao nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome.

    Outra expressão específica que tem sido relacionada a um privilégio ao ‘esquecimento’ encontra base no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11.09.1990), mais precisamente em seu artigo 43, § 1º, determina que os registros cadastrais dos consumidores presentes nas listas de inadimplência (cadastros negativos) somente poderão ser armazenados e utilizados por prazo de cinco anos, garantido o direito de demandar o cancelamento (exclusão das informações), além da responsabilização das entidades responsáveis pela manutenção e uso dos dados em caso de desrespeito à regra, conforme doutrina [4] e jurisprudência predominante.

    Mais diretamente vinculada ao assunto, assume especial importância a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, mais conhecida como “Marco Civil da Internet”, que estabeleceu um conjunto de princípios e previu garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Este diploma legal, embora não explicitamente contemple o direito ao “esquecimento”, contém diretrizes relevantes e regras concretas que podem ser interpretadas para reconhecer a necessidade de acolhimento dessa demanda jurídica individual em casos específicos. Nesse sentido, o artigo 7º estabelece que o “acesso à Internet é essencial para o exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados, entre outros, os seguintes direitos, especialmente os previstos nos incisos: I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação; VII – não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei; X – exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei (…)”;

    No mesmo contexto – o qual mencionamos agora —, pode ser mencionada a própria LGPD (Lei 13.709/2018), começando pelo artigo 2º, que determina que, “A disciplina da defesa de dados pessoais tem como fundamentos, entre outros, I – o respeito à privacidade; II – a autodeterminação informativa; III – a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião; IV – a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem; VII – os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais”.

    Já no que se refere ao rol de direitos do titular dos dados pessoais, que, de qualquer forma, mesmo que considerado em sua integralidade, não é taxativo, o artigo 18 da LGPD enumera, aqui também a título ilustrativo, a “III – correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados;  IV – anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários, excessivos ou tratados em desconformidade com o disposto nesta Lei; VI – eliminação dos dados pessoais tratadoscom a aprovação do proprietário, salvo exceções listadas no artigo 16 desta Lei”;

    Retomando aqui a citação de trechos da nossa coluna mencionada anteriormente, observa-se que, sem prejuízo de outros exemplos que poderiam ser citados, “a legislação brasileira contempla diversas situações (todas atualmente consideradas constitucionais) que garantem que certas informações não podem ser reveladas (exceto de maneira limitada), que a violação a tais normas acarreta a possibilidade de responsabilização do agente envolvido e que até mesmo um direito à exclusão (apagamento) é assegurado para diversas circunstâncias (…)”.

    (…) “Além disso, os casos escolhidos também evidenciam o fato de que, de acordo com alguma legislação – a menos que haja mudança de posição futura – mesmo informações verídicas podem (e têm sido) ser retiradas, total ou parcialmente, do alcance de terceiros, inclusive proibida, geralmente, a sua divulgação livre e ilimitada pelos veículos de comunicação, incluindo os meios tradicionais.

    Quando voltamos a atenção para os eventos mais recentes, relacionados ao aumento no uso das redes sociais e outros canais para a propagação do discurso do ódio e até mesmo a polêmica que envolve possíveis restrições às conhecidas fake news, o mesmo STF que recentemente rejeitou um direito ao esquecimento, sem abrir mão da preeminência da liberdade de expressão, tem admitido certas limitações, assim como ocorre na grande maioria dos Tribunais Constitucionais do Mundo e mesmo dos Tribunais Internacionais de Direitos Humanos (…)”.

    “(…) Vamos lembrar que a tese aprovada com repercussão geral pelo STF é a de que “É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, entendido como o poder de impedir, com base na passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verdadeiros e legalmente obtidos e publicados em meios de comunicação tradicionais ou digitais” e que “Excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, com base nos parâmetros constitucionais — especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral — e nas disposições legais específicas nos âmbitos penal e civil.”

    Dito de outra maneira, o que para o STF é incompatível é um direito ao esquecimento entendido de determinada forma (quando se trata de evitar a divulgação de fatos ou dados verídicos e legalmente obtidos), destacando, ao mesmo tempo, a possibilidade de analisar, caso a caso, se houve excesso e/ou abuso no exercício da liberdade de expressão, quando está em jogo a dignidade, honra, privacidade, entre outros. Note-se, ainda, que também as disposições legais específicas foram resguardadas, incluindo aquelas mencionadas acima, bem como outras, como é o caso da caracterização dos crimes de calúnia, injúria e difamação.

    Liberdade de expressão e de informação deve ter preeminência

    Em resumo, trata-se de estabelecer critérios para orientar decisões que lidam com a resolução desses conflitos entre princípios e direitos fundamentais, assim como avaliar quais meios são constitucionalmente legítimos para este fim, sempre priorizando – ao reconhecer a necessidade de proteger os direitos da personalidade e da dignidade humana – os meios menos restritivos das liberdades comunicativas, seja por meio de responsabilização civil e/ou penal, direito de resposta, correção e/ou exclusão de certos dados, desindexação nos mecanismos de busca na internet, manutenção na íntegra das informações, mas ocultação dos envolvidos prejudicados desproporcionalmente, entre outras possibilidades (…)”.

    Seja qual for o caminho seguido, com ou sem a aprovação, total ou parcial, das sugestões propostas para serem incluídas no Código Civil (e reconhecemos que existeo que ponderar sobre as mesmas), o fato é que é necessário reafirmar a premissa da qual também não abdicamos, especialmente a de que a autonomia de expressão e de informação deve ter uma posição privilegiada na estrutura constitucional, e que possíveis e excepcionais limitações, além de não poderem caracterizar censura prévia, devem atender às exigências da proporcionalidade e preservar o cerne essencial dos direitos fundamentais eventualmente em conflito.

    [1] Ressalte-se os artigos publicados em 05.06.2015, 26.01.2018, 25.05.2018, 07.12.2019,05.03.2021, 30.01.2022 e 27.01.2023.

    [2] Especialmente a coluna veiculada pelo ConJur em 05.03.2021.

    [3] BRASIL. Senado Federal. Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil. Relatório apresentado pelos relatores-gerais no dia 26/02/2024 (7ª reunião da CJCODCIVIL): Minuta de texto final ao anteprojeto, conforme art. 10, § 2º do regulamento da comissão. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/comissoes/mnas?codcol=2630&tp=4>.

    [4] EFING, Antônio Carlos. Bancos de Dados e cadastros de consumidores. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2002; BESSA, Leonardo Roscoe. O consumidor e os limites dos bancos de dados de proteção de crédito. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003.

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